Alexandre Melatti(*)
RESUMO
O presente artigo trata sobre a influência do
poder econômico, representado por grandes corporações e empresários, sobre a
política e a própria democracia. Nesse sentido, busca-se analisar a política
brasileira desde o tempo do coronelismo, no qual o coronel não era apenas o
dono das terras, mas quem detinha influência e poder econômico em certa
localidade. Ademais, será analisado que a proibição do financiamento eleitoral
por parte de empresar não afastou os grandes detentores de capital, vez que os
empresários passaram a doar como pessoas físicas, mantendo-se a relação
público-privada que a proibição visava acabar. Por fim, será demonstrado que
esta influência persiste após as eleições, sendo que o poder político e
representativo cada vez mais sucumbe perante o lobby das grandes corporações, o
que gera consequência ao próprio direito. Para tanto será utilizado o método dedutivo, com pesquisa
bibliográfica, por meio de artigos científicos e livros.
Palavras-chave: Poder econômico. Poder
Político. Democracia.
ABSTRACT
This article deals with the influence of economic power, represented
by large corporations and entrepreneurs, on politics and democracy itself. In
this sense, we seek to analyze Brazilian politics since the time of coronelismo,
in which the colonel was not only the landowner, but who had influence and
economic power in a certain locality. Moreover, it will be analyzed that the
prohibition of electoral financing by entrepreneurs did not remove large
holders of capital, as entrepreneurs began to donate as individuals,
maintaining the public-private relationship that the prohibition aimed to end.
Finally, it will be shown that this influence persists after the elections, and
the political and representative power increasingly succumbs to the lobbying of
large corporations, which generates consequences for the law itself. For this
purpose, the deductive method will be used, with bibliographical research,
through scientific articles and books.
Key words: Economic power. Political power.
Democracy.
1 INTRODUÇÃO
O processo de globalização e as recentes
transformações do capitalismo afetam diretamente a estrutura político-administrativa
dos Estados, vez que os Estados nacionais se veem como reféns das grandes
corporações e empresas transnacionais e multinacionais que, além de
concentrarem maior poderio financeiro e de influência política que muitos países,
ditam os rumos e as necessidades da globalização sob a ilusão de levarem
desenvolvimento tecnológico, empregabilidade e autonomia estatal.
Nesse sentido, deve-se questionar se a
democracia brasileira vem sofrendo uma desvirtuação, especialmente em suas
bases, quais sejam as eleições livres e o processo político e legislativo. Com
o escândalo conhecido como lava-jato se escancarou uma relação pouco
republicana entre partidos, políticos eleitos e empresas, por meio de desvio de dinheiro público e doações eleitorais em troca de contratos
públicos.
Com este
cenário, o Supremo Tribunal Federal proibiu a doação de pessoas jurídicas às
campanhas e aos partidos políticos, entretanto nas eleições de 2018 percebeu-se
que os empresários, sejam sócios, presidentes ou diretores de conglomerados
econômicos, assumiram o papel que antes era da própria empresa, realizando
doações como pessoas físicas para diversos candidatos.
Assim, ainda
que a legislação atual não permita a doação empresarial, visando acabar com a
tal relação nada republicana e afastar a cooptação do poder político por parte
do poder econômico, constata-se que, na prática, ainda há forte influência do
capital nas eleições, e este cenário persiste quando se analisa o próprio
processo político e legislativo.
Deve-se
ressaltar que este cenário não é novo no Brasil, sendo que o próprio
coronelismo, tido neste artigo como um sistema político que ainda existe
atualmente, se pautou desde a nova República pela forte influência daqueles que
dominavam economicamente uma região, e que ao perder o monopólio da produção,
em razão do processo de industrialização, passou a servir o Estado e dele se
servir, influenciando àqueles que estavam em uma posição de dominação política
e econômica.
Portanto, o
presente estudo busca, em uma análise inicial e resumida, analisar a influência
do poder econômico no poder político, seja através das doações eleitorais, bem
como da dominação do próprio congresso, em vista desta parceria iniciada no
pleito eleitoral. Para tanto, será
utilizado o método dedutivo, com pesquisa bibliográfica, por meio de
artigos científicos e livros.
2 O SISTEMA CORONELISTA E A CONTEMPORANEIDADE
Inicialmente, importante analisar a história da
política brasileira, e assim se faz necessário um breve estudo sobre o chamado
sistema coronelista, que durante a nova república, e ainda hoje, influenciou as
eleições, agindo por meio de uma relação entre público e privado que gerava
dominação e contaminava a própria liberdade do voto.
Cumpre ressaltar que este fenômeno nasceu de
uma estrutura social inadequada para o sistema representativo que se buscou,
gerando esta tensão e até mesmo possibilitando que o privado continuasse a
dominar o público. Nesse sentido, afirma Victor Nunes Leal (2012, p. 23), :
"Como indicação introdutória, devemos notar,
desde logo, que concebemos o "coronelismo"como resultado da superposição de
formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e
social inadequada. Não é, pois, mera sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia
constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes uma forma
peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da
qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido
coexistir com um regime político de extensa base representativa."
Assim, nota-se que com o surgimento do modelo
eleitoral representativo, o poder privado, representado pelos coronéis,
conseguiu sobreviver, e mais, se adaptou ao novo sistema, através de “um
compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente
fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos
senhores de terras”. (LEAL, 2012, p. 23).
Nesse sentido, o próprio Poder Público se
alimentava deste poder privado, uma vez que os políticos para conseguirem a
eleição necessitavam dos votos daqueles dependentes economicamente e
politicamente dos coronéis, fazendo com que a estrutura política se servisse do
privado, e vice-versa.
Atualmente,
ainda que possa existir em certas regiões do Brasil traços marcantes e fortes
do coronelismo narrado em 1945 por Leal, o sistema coronelista persiste com
outras características, no qual o poder privado continua a coexistir com o
poder público, se utilizando do próprio sistema eleitoral representativo para
eleger políticos compromissados com seus interesses.
Nesse sentido,
tem-se que a própria liberdade de voto, basilar de todo o sistema democrático
brasileiro, é corrompida na medida em que o poder econômico, representado por
grandes conglomerados, influencia a escolha do eleitor, por meio de um
financiamento eleitoral empresarial dissimulado, além das fraudes típicas do
processo como a compra de voto e o caixa 2, sem contar o próprio abuso do poder
político e econômico.
Este cenário
tende a ser maximizado por conta das novas mídias, com grandes personalidades
e/ou empresários se utilizam de suas próprias redes sociais para apoiar como
todo seu empenho e capital certas candidaturas, mais uma vez influenciando a
escolha do eleitor, principalmente atacando certos pontos especificamente como
a geração de emprego e a própria economia.
Portanto, até
aqui constatou-se que o poder privado, representado nas décadas passadas pelos
coronéis, continua a existir e a influenciar o poder público e político, mas
agora através da cooptação ainda na fase eleitoral de políticos que, uma vez
eleitos, passarão a defender os interesses de quem os financiou.
3 O FINANCIAMENTO ELEITORAL APÓS A PROIBIÇÃO
DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS
Analisando-se, brevemente, a história do
coronelismo percebe-se que com o surgimento do modelo representativo e uma
estrutura de sociedade inadequada (ainda predominantemente agrária) o poder
privado se aliou ao poder político, servido a este e deste se servindo. Com a
deflagração da operação lava-jato, a relação empresas-candidatos-partidos foi
posta em dúvida, e consequentemente se proibiu a doação empresarial às
campanhas políticas.
Em que pese os diversos argumentos favoráveis a
esta proibição, bem como os contrários, não resta dúvida que proibir a doação
empresarial foi uma resposta à sociedade, que encontrava-se perplexa como uma
rede de financiamento eleitoral caracterizada pelo desvio de dinheiro público e
posteriormente doações a candidatos e partidos, em troca da manutenção de
contratos com o Estado e/ou novos contratos.
Entretanto, com a vedação de que pessoas
jurídicas doassem às campanhas e aos partidos, surgiram novos fenômenos que
claramente possibilitaram a manutenção da dominação do poder econômico sobre o
poder político e o processo eleitoral. Inicialmente, nas eleições de 2016,
notou-se um grande volume de autofinanciamento por parte de candidatos mais
abastados, que foi de encontro com o princípio eleitoral da isonomia, bem como
afetou a normalidade e legitimidade do pleito.
Nesse sentido, afirma Raphael Rodrigues
Ferreira (2018, p. 116):
"Considerado o cenário de financiamento privado
das campanhas eleitorais descrito e, por assim, dizer, contabilizado no
presente capítulo, associado à inexistência de limites efetivos para o uso de
recursos próprios que regeu as Eleições Municipais de 2016 (e, até o presente
momento, vigentes para as Eleições de 2018), o que se observa é a instalação de
um quadro em que a influência do poder econômico é decisiva para o sucesso de
uma candidatura. Desta maneira, o que a Constituição pretendeu ao impor que a
normalidade e a legitimidade das eleições não deveriam ser maculadas pela
influência do poder econômico (art. 14, § 9º, CR/8874) pode ainda estar longe
de ser alcançado, especialmente quando recobramos a compreensão de que a
igualdade é parte sine qua nonda legitimidade; e que a definição de igualdade
deste estudo é diametralmente oposta à alta influência do poder econômico na
dinâmica político-eleitoral de um país."
Conforme se nota, após a vedação da doação
empresarial surgiu um novo fenômeno nas eleições que foi o aumento do
autofinanciamento eleitoral, uma vez que não houve naquela oportunidade a
imposição de um teto. Nesse sentido, ao comparar o pleito de 2012 com o de 2016
constata-se um aumento da utilização da fonte "recursos próprios" de quase
100%, pois em 2012 este financiamento correspondeu a 16,6% do total de
receitas, enquanto quatro anos depois do total de recursos recebidos 32,54%
tratava-se do autofinanciamento. (FERREIRA, 2018, p. 72).
Nas eleições de 2018 não foi diferente,
conforme demonstra reportagem da Folha de São Paulo que, somente nas primeiras
prestações de contas dos candidatos, contatou-se que “do total de R$ 45,6
milhões de grandes doações até agora – acima de R$ 300 mil -, 93% saíram do
bolso de concorrentes ricos (R$ 30,4 milhões) ou de grandes empresários (R$ 12
milhões)”. (2018).
Tendo em vista este cenário, bem como a eleição
de candidatos com principal fonte de receita os recursos próprios, o legislador
editou a Lei Federal nº 13.878, de 03 de outubro de 2019, válida para o pleito
de 2020, estipulando um limite de autofinanciamento de 10% do teto estabelecido
para o cargo ao qual o candidato concorre. Esta legislação criou mais uma
incoerência legislativa, vez que o limite de doação por pessoa física é de dez
por cento da renda obtida no ano anterior, enquanto o limite de receita própria
se baseia no teto de gastos ao cargo.
Esta situação permitirá que o poder econômico
continue a ditar as regras do jogo político, vez que será possível até mesmo
doações cruzadas, nas quais uma candidato doe a outro 10% da sua renda bruta
anual anterior e receba do beneficiário o mesmo, burlando-se o limite
estabelecido.
Da mesma forma, com a proibição da doação
empresarial, e após analisada a questão do autofinanciamento, os empresários
assumiram o papel das suas empresas, aos realizarem doações como pessoas
físicas a candidatos e partidos, de modo a garantir a manutenção de um sistema
pernicioso no qual as empresas não se valem das regras de mercado para seu
crescimento, mas sim da cooptação do poder político para que defenda seus
interesses, e isto perpassa necessariamente pela doação eleitoral.
Nesse sentido, Clodomiro José Bannwart Júnior
(2019, p. 296) afirma que o enriquecimento dessas empresas "é caminho seguro na
medida em que privatizam o Estado, departamentalizam o Parlamento e transformam
Senadores e Deputados em CEOs a defender seus interesses".
Isso porque, os maiores doadores das campanhas
de 2018, somente tendo por base as prestações de contas parciais de setembro –
antes do final do processo eleitoral -, eram empresários, presidentes ou
dirigentes de grandes conglomerados econômicos. Conforme reportagem do site de
notícias UOL (2018), o "maior doador individual nas eleições de 2018 até agora
é Rubens Ometto Silveira Mello, com R$ 5,43 milhões doados a 40 candidatos, de
vários partidos, da esquerda à direita, a maioria a deputado federal, e quatro
diretórios partidários”.
No total, ao final do pleito o empresário
repassou cerca de R$ 7 milhões a 53 candidatos de 14 partidos diferentes, sendo
que destes foram eleitos 24 candidatos de 10 agremiações partidárias distintas.
Vale destacar que Rubens é Presidente do
conselho de administração da Cosan, conglomerado de empresas que atua na área
de gás, petróleo e distribuição de energia, entre outros segmentos da economia,
e até 2014 quando se permitia a doação de pessoas jurídicas e físicas nunca
havia doado para campanhas, enquanto a Cosan, "doou R$ 6,8 milhões nas eleições
de 2010 e outro R$ 1 milhão em 2012. Em 2014, as doações do conglomerado
industrial pularam para R$ 30,8 milhões". (UOL, 2018)
Assim, conforme se nota a influência do poder
econômico persiste no processo eleitoral, mesmo após a vedação de doações de pessoas
jurídicas às campanhas e partidos. Deve-se ressaltar, contudo, que a simples
doação por pessoa física, pertencente a certos grupos, não é sinônimo da
corrupção verificada na operação lava-jato, mas demonstra a continuidade da
forte presença da própria economia na política, o que, conforme será
demonstrado a seguir, acaba por influenciar o próprio direito.
Desta forma, embora lícita a doação, bem como o
próprio interesse de empresários e empresas no jogo político, é de se destacar
que tal situação pode gerar um distanciamento do verdadeiro significado da
democracia representativa, uma vez que os interesses coletivos estarão em uma
posição inferior aos interesse privados, como já o era nos tempos do forte
sistema coronelista.
4 O PODER ECONÔMICO E O PROCESSO LEGISLATIVO
Inicialmente, importante trazer a tona um breve
conceito do processo legislativo, conforme publicação no site da Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo[1]:
"O Processo Legislativo é o conjunto de atos
realizados pela Assembleia, visando a elaboração das leis de forma democrática,
ordenados conforme as regras definidas em acordo pelas partes, expressas na
Constituição e no Regimento Interno.
[...] Os cidadãos e os diversos grupos que
compõem nossa sociedade, raramente, têm a mesma opinião ou os mesmos interesses
sobre como resolver problemas comuns.
A solução desses conflitos, numa sociedade
democrática, é feita através da construção de um acordo entre as diversas
partes da sociedade, que se expressa na promulgação de normas garantindo
direitos e estabelecendo deveres.
A construção desse acordo político, que permite
a convivência civilizada na sociedade entre interesses contrários, acontece
através dos debates e das votações dos Deputados que representam as posições
dos cidadãos na Assembleia Legislativa. Esse debate constante, que transforma a
proposta de uns em norma aceita por todos, é a essência da democracia
representativa.
Para que ele seja democrático e transparente,
deve ser feito com regras claras e aceitas pelo conjunto de parlamentares, deve
ser público para que todos possam dele tomar parte e ter informações, inclusive
para demonstrar seu apoio ou reprovação. Essas regras são estabelecidas no
Regimento Interno.
Por isso, o Poder Legislativo é também chamado
de "parlamento", o espaço onde a disputa entre interesses distintos
dos cidadãos se dá pelo convencimento dos interlocutores e se materializa em
proposições legislativas apresentadas e defendidas pelos seus representantes em
todas as reuniões de debates. Essa atividade é chamada de Processo Legislativo
e pode ser acompanhada neste Portal no SPL.
O Processo Legislativo é, portanto, a atividade
que garante a publicidade dos debates, das decisões e dos processos de
construção de acordos políticos, que ocorrem na Assembleia. Reúne as regras do
jogo, definidas em acordo pelas partes e expressas na Constituição e no
Regimento Interno.
Serve como instrumento que permite transformar
em interesse público (de todos) algo que se inicia como proposição de uma parte
dos cidadãos."
Pode-se observar que é por meio do processo
legislativo que as discussões políticas e da sociedade são concretizadas
através das normas editadas. Ou seja, as divergências da sociedade são
moduladas por meio de um processo de argumentação e convencimento, no qual as
diferenças são reduzidas por meio de um consenso que é transformado em Leis
aceitas por todos.
Entretanto, deve-se discutir sobre a forma na
qual o processo legislativo vem se desenvolvendo no Brasil, diante de tudo que
já foi exposto até aqui, com a forte influência do poder econômico na eleição
dos representantes, bem como como a predominância do interesse privado sobre o
público, sem falar da presença do lobby nas Casas Legislativas de todo o País,
incluindo o Congresso Nacional.
Conforme aponta José Eduardo Faria (2019, p.
76) a "política democrática tem a ver não só com quem decide, mas também com o
modo como se decide e a forma como os cidadãos percebem a intervenção
legislativa na vida social". É possível questionar se vem ocorrendo uma
privatização do processo democrático, consubstanciado no processo legislativo.
Nesse sentido, Faria (2019, p. 76) aponta que
quando o processo democrático é minado “pela corrupção, que leva as relações
público-privadas a ser realizadas na penumbra, essa política destrói os
alicerces da sociedade e mina a confiança no processo decisório”.
Um exemplo de como o processo legislativo vem
sofrendo uma espécie de privatização ou mercantilização é a denúncia ofertada
pelo Ministério Público Federal em face do ex-Presidente Michel Temer, com a
acusação de que cerca de 29 Medidas Provisórias teriam sido negociadas com
empresas em troca de propina.
Sobre
isso, destaca Faria (2019, p. 76) que essa "instrumentalização imoral de MPS
evidencia uma inversão de valores. No processo legislativo de uma democracia
que prioriza o interesse público, o caráter geral das leis releva as
particularidades dos casos específicos. Num Congresso convertido em balcão de
negócios, as particularidades prevalecem".
Outros exemplos se tem no Brasil, diante da
forte presença do lobby empresarial, quando não acompanhado de propina e
corrupção, ressaltando que conceitualmente a atividade de organizações e
entidades externas pressionar e defender seus interesses, conhecida como lobby,
não tem necessariamente ligação com ações corruptas.
Esta privatização da política e do processo
legislativo ocasiona um distanciamento entre representado e representantes, bem
como enfraquece a própria democracia, uma vez que a economia de mercado e seus
interesses, seja na fase de campanha através de doações empresariais
dissimuladas ou na formação das leis, tem dominado a agenda do parlamento em
todos os níveis, de modo a prejudicar a própria legitimidade do direito.
Assim, "diante da distância entre o que a
democracia deveria ser e o que ela de fato é, há quem criminaliza a política,
desdenhando do regime democrático. É uma atitude de descrédito, em relação às
instituições, que abre caminho para aventureiros moralistas". (FARIA, 2019, p.
77).
Desta forma, a legitimidade do Direito é posta
em cheque, pois a influência do poder econômico se inicia ainda no processo
eleitoral e se mantém firma após o pleito, através da cooptação do Poder
Político e de seus representantes, afastando o interesse público e priorizando
o interesse privado, e a lógica instrumental do mercado em detrimento da
vontade coletiva.
Isso porque, é da esfera pública que deveria
nascer a vontade popular, que por meio de canais não institucionalizados de
discussões se formaria a vontade política que influenciaria o sistema político
estatal, dando legitimidade ao direito, como defende Habermas (2003), pois para
ele é esta comunicação política dos cidadãos que envolve o interesse público e
que resulta nas decisões legislativas é que forma o processo legislativo democrático
que legitima o próprio Direito.
Nesse sentido, pode-se constatar que a formação
da vontade política não tem perpassado pela esfera pública, ou até mesmo que
esta idealizada por Habermas foi cooptada pelos agentes econômicos e por
interesses privados, de modo a atingir a legitimidade do Direito das normas.
Como se nota, a influência econômica e privada está presente em todas as etapas
do processo democrático.
Os próprios partidos políticos que deveriam ser canais legítimos de atuação política e social,
captando e assimilando rapidamente os anseios populares, se encontram "criminalizados"e distantes da sociedade, pois se afastando dos ideais
democráticos, as agremiações se encontram no centro da "Operação Lava-Jato",
que investiga desvio de dinheiro público, doações eleitorais em troca de
contratos públicos.
Este cenário, segundo Faria (2019, p. 76)
aponta para "o grau de decomposição do sistema político e do processo
legislativo", pois segundo o autor ao "tornar financeiramente transacionáveis
determinadas decisões públicas, muitos partidos converteram o dinheiro em
padrão de suas ações e fizeram de sua função pública um negócio, maximizando
ganhos privados."
Ainda, conforme Faria (2019, p. 76) destaca ao
ceder "ao lobby de empresas e/ou lhes oferecendo vantagens à custa dos
interesses da coletividade, desprezaram os atributos fundamentais da democracia
como mandato, representação e separação entre privado e público."
É assim que inúmeras reformas, tidas como
neoliberais, suprime direitos sociais e eleva ganhos ao mercado, bem como a
atividade legislativa e do próprio Estado fica condicionada aos interesses econômicos
dos agentes privados. Desta forma, o interesse da coletividade fica cada vez
mais em segundo plano, dada a forte influência do poder privado e econômico
sobre a política e a própria democracia.
5 CONCLUSÃO
Conforme visto, o sistema coronelista das
décadas passadas, consistente na coexistência do poder privado e do poder
público no sistema democrático representativo encontra aporte na sociedade
contemporânea, vez que a economia e os interesses dos agentes econômicos
perpassa pelas doações eleitorais, mesmo após a vedação de doação por empresas,
e persiste durante a formação das leis no processo legislativo.
Assim, a própria legitimidade do Direito é
colocada em dúvida, pois a formação da vontade coletiva e popular está afastada
dos canais legítimos de representação dos cidadãos, através de uma espécie de
privatização da formação da opinião pública e supremacia dos interesses
privados no jogo político.
Desta forma, tem-se que muitas decisões
políticas são direcionadas ao mercado, seja por sucumbir ao lobby ou por
agradar os agentes econômicos em troca de favores nada republicano, criando
assim um sistema pernicioso para a democracia.
Portanto, em breve análise, o presente artigo
contatou que a influência do poder econômico sobre a democracia e a política
continua forte, em que pese as alterações legislativas quanto às regras de
financiamento, e estas relações são transportadas, após o pleito, para as
discussões no parlamento, corroendo as bases democráticas do processo
legislativo.
CITAÇÃO
[1] Sobre o Processo Legislativo, Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, disponível em: https://www.al.sp.gov.br/processo-legislativo/sobre/. Acesso 07 dez. 2019.
REFERÊNCIAS
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São Paulo, 28. Ago. de 2018. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/08/empresarios-e-politicos-de-alto-patrimonio-bancam-93-de-grandes-doacoes.shtml.
Acesso em 06 de dez. 2019;.
FARIA, José Eduardo. Corrupção, Justiça e Moralidade
Pública. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 2019;
FERREIRA, Raphael Rodrigues. O autofinanciamento de
campanhas eleitorais sob a égide do princípio da isonomia: uma análise a partir
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Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
Belo Horizonte, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-B9KJ7R/1/raphael_rodrigues_ferreira___disserta__o___o_autofinanciamento_de_campanhas__eleitorais_sob_a__gide_do_princ_pio_da_isonomia___fdufmg.pdf.
Acesso em 07 de dez. 2019;
HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre
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Acesso em 05 dez. 2019; e
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Acesso em 07 dez. 2019.
*ALEXANDRE GUIMARÃES MELATTI
-Advogado, graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná/PR;
-Pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina/PR;
-Professor autor convidado de Direito Político e Eleitoral e Direito Admnistrativo II da Kroton Educacional;
- Coordenador da Comissão de Direito Eleitoral da OAB Londrina/PR e
- Sócio do Escritório Melatti & Carbonera – Advocacia e Consultoria.
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