sábado, 12 de abril de 2025

De volta aos canteiros


 


Autora: Jacqueline Figueiredo Caixeta (*)

Por muitos anos a educação infantil teve a nomenclatura de "Jardim de Infância". Ah, como amo essa expressão! Ela traduz exatamente o que o espaço de educação infantil é: um verdadeiro jardim, um lindo canteiro onde tudo que semeamos, brota! A infância é como terra fofa, prontinha para o cultivo. O cérebro infantil é canteiro fértil!

Todas as atividades desenvolvidas neste espaço, dizem de produtividade, criatividade e liberdade de expressão. São nos canteiros da infância, que brotam as maiores oportunidades para a construção do conhecimento. Nestes jardins, as sementes jogadas, são garantias de boa colheita.

As crianças crescem e a escola começa a achar que não precisa mais daqueles canteiros de terra fértil. Começamos a estragar tudo! É bem assim que vejo muitas práticas da educação pós o período da infância. A escola, com suas infinitas matrizes, que aprisionam a criatividade, vão, aos poucos, matando a ideia de terra fértil, de canteiro. Vamos, pensando que estamos fazendo o melhor, amordaçando nossos alunos e prendendo-os em grades curriculares que pouco sabem do encanto que é o ato de aprender.

Já me debrucei muito sobre como estender o encanto dos canteiros da educação infantil para as práticas dos anos a seguir. Muitas ações ainda nos prendem em currículos fechados, no entanto, contudo, todavia, podemos ousar sair um pouco dessa matriz que tenta formatar e reproduzir estudantes em grande escala, como se fossem peças de fábricas.

Estou propondo uma revolução? Calma, ainda não..(rsrsrs). Estou trazendo essa discussão para que a escola possa pensar um pouco sobre práticas da educação infantil que poderão ser muito bem vindas às salas de aulas de nossos alunos adolescentes e os jovens adultos em seus bancos de faculdade.

Será que o aprendizado realmente se dá apenas dentro do formato de provas? Não quero abolir as provas ( já quis muito), mas entendo que a sociedade vai trazer exames formais para que nossos alunos ingressem no mercado de trabalho e não temos muito como correr deste padrão, no entanto, podemos ter práticas mais libertadoras, criativas, coletivas, que se aproximam e se assemelham com aquelas práticas dos jardins de infância.

Já pensaram que delicia seria se nossos adolescentes pudessem começar um dia fazendo uma rodinha pra contar o que quiser? Quantos assuntos iriam surgir! E quantas oportunidades de se colocarem, uns para os outros, de maneira mais leve e transparente? A rodinha, nada mais é do que a oportunidade da socialização acontecer, fazendo brotar a empatia, o respeito, a solidariedade e tantos outros valores esquecidos, adormecidos por não termos "tempo" para esse tipo de prática, porque o conteúdo, o livro didático, a prova, o simulado, enfim, a escola gritando por mais competência técnica e esquecendo do antigo olho no olho de uma rodinha.

Ah, de volta aos canteiros dos jardins de infância... Como eu queria resgatar as práticas que permeavam os dias da escola enquanto esta, de fato, estava educando para o afeto, criatividade e construção de saberes que surgiam em pequenas brincadeiras e se consolidavam , entre risos e empurrões, em conhecimentos científicos que jamais seriam esquecidos, pois foram experimentados com o corpo, o coração e com muita brincadeira.

Acho que podemos pensar um pouco sobre tais coisas. Coisas simples, atitudes bobas, que possam resgatar nossos alunos e levá-los para um aprendizado com tanto saber, quanto sabor. Experimentar a vida acadêmica com o olhar voltado para as práticas dos velhos canteiros da infância, é um pedido de socorro para uma educação que está, cada vez mais, distante de ações que permitam que a criatividade brote e produza e reproduza um conhecimento de maneira mais libertadora e livre.

A educação precisa respirar um pouco dos canteiros dos jardins de infância e buscar significados para suas ações, muitas vezes automáticas, que acabam não alcançando seus objetivos e pouco criam memorias afetivas em seus alunos. Precisamos dizer aos nossos estudantes que estudar só é garantia de aprendizado se é feito com significado e, ressignificar nossas ações, é o primeiro passo. O segundo pode ser fazer um convite que se desarmem e se permitam sentar no chão, numa grande rodinha, professores e alunos, e debaterem a vida. Sim, debaterem a vida, porque esta não está desvinculada da escola.

Ações coletivas como trabalhos de campos, seminários, projetos que promovam discussões e produção de conhecimento além do livro didático, que permitam um protagonismos maior dos estudantes, são extremamente libertadoras para que a escola volte a ser um eterno canteiro de terra fértil para que dela brotem pessoas melhores, não só em competências acadêmicas, mas melhores como seres humanos uns para os outros.

Com afeto,

*JACQUELINE FIGUEIREDO CAIXETA





















Pedagoga
-Especialista em Educação
 Autora do capítulo do livro Educação Semeadora: "A Escola é a mesma, o aluno não! "- Editora Conhecimento.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Que tem acontecido com a política no Brasil?


 Autor: Rodrigo Augusto Prando (*)

Há poucas semanas, numa aula de Introdução às Ciências Sociais, especificamente, acerca dos conceitos iniciais necessários para compreender a Política, explicava aos alunos que estudaríamos alguns autores considerados clássicos: Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau. Além disso, discutiríamos temas como, por exemplo, poder, diferença de poder e autoridade, legitimidade, ciência e realidade política, formação do Estado e do governo, entre tantos outros.

Já no período de avaliações com meus alunos, um deles, numa aula antes da prova, pediu a palavra e disse que não era uma pergunta sobre o conteúdo, mas sobre o Brasil. O jovem, em questão, queria entender o porquê de muitos de nossos presidentes e ex-presidentes estarem envolvidos com problemas com a justiça. Assim, acompanhando o raciocínio o discente, fomos, juntos, rememorando os ocupantes do Planalto, desde 1989, com primeira eleição após os anos de Ditadura Militar. Em 1989, a eleição levou Fernando Collor de Mello à presidência da república, contudo, Collor não terminou o mandato pois foi iniciado um processo de impeachment e antes de término, o presidente renunciou. Em 2023, Collor foi condenado à prisão e, atualmente, sua defesa recorre ao Supremo Tribunal Federal apresentando embargos infringentes objetivando reverter a decisão da corte.

Após a renúncia de Collor, assume seu vice, Itamar Franco, que faz um governo cuja principal característica foi a de ter nomeado Fernando Henrique Cardoso (FHC) como seu ministro da Fazenda e este liderou a criação do Plano Real que controlou a hiperinflação e estabilizou a economia brasileira. FHC foi eleito e reeleito no primeiro turno (1994 e 1998) tendo Lula como seu principal adversário. Lula, também foi eleito e reeleito (2002 e 2006), todavia, em seu governo houve o julgamento do Mensalão, um esquema de compra de votos e apoio político que foi desnudado pelo STF num julgamento televisionado e amplamente divulgado. Mesmo com fato de extrema gravidade, Lula não apenas foi reeleito, mas garantiu, após seu segundo mandato, a eleição e reeleição de Dilma Rousseff, sua sucessora. Lula foi, posteriormente, investigado na Operação Lava Jato e condenado em primeira instância e, depois, por órgão colegiado, tendo se tornado inelegível, segundo os critérios da Lei da Ficha Limpa e, ainda, ficou preso (580 dias) na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. Teve, após decisão do STF, anulando sua sentença, sua liberdade de volta e elegibilidade. Dilma, por sua vez, assim como Collor, sofreu processo de impeachment e, diferente de Collor, não renunciou seguindo seu julgamento até o final, tendo sido considerada culpada pelo crime de responsabilidade, as chamadas pedaladas fiscais. Seu vice, Michel Temer, assume e, também, tem seu curto mandato entremeado por problemas com a Justiça, pois foi alcançado pela Lava Jato e acusado por corrupção e, após o fim de seu governo, chegou a ser preso e acabou sendo solto.

Jair Bolsonaro (2018-2022) é, no momento, mais um ex-presidente que se sentará no banco dos réus. O STF acolheu os indícios apresentando pela Procuradoria Geral da República e Bolsonaro será julgado por liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Obviamente, esse artigo rememora, panoramicamente, o período da Nova República e seus presidentes: Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro – e destes apenas Itamar e FHC não tiveram problemas robustos com a Justiça. Nesse momento, uma questão: o que tem acontecido com a política no Brasil? O que tem acontecido com nossas escolhas, com nossos representantes?

As respostas a estas questão são múltiplas e, por isso, demandam visadas teóricas distintas, no entanto, gostaria, aqui, de apresentar duas ideias de Marco Aurélio Nogueira, em seu livro "Em defesa da política".

Assim, acerca dos políticos, Nogueira assevera que:

"Os políticos profissionais são intermediários, representantes, lideranças. Vivem e agem no interior de um sistema. A boa ou a má qualidade deles depende da qualidade dos que são por eles representados, dos valores que prevalecem e da armação institucional em que operam."

Vejamos, com cuidado, que, para o autor, a qualidade – boa ou má – dos políticos está ligada a qualidade daqueles que escolhem esses políticos, nós, os cidadãos!

Ademais, defender a política é uma defesa da própria existência da possibilidade de resolução dos conflitos, no bojo de nossa sociedade, por meio do diálogo, das leis e dentro das instituições. Por isso, aduz Nogueira:

"Sair em defesa da política, portanto, não é algo que se confunda com a defesa dos políticos ou das instituições que nos governam; é, ao contrário, uma operação destinada a defender a hipótese mesma da vida comunitária. Corresponde à necessidade vital de manter abertas as comportas de oxigênio, para que possamos continuar a respirar."

Prezado leitor, prezada leitora: a qualidade de nossos políticos, nossos representantes, pode se apresentar aquém do desejável, concordam? Então, o questionamento, a seguir, é válido: qual o motivo de nossas escolhas terem sido tão ruins nos últimos anos, independente de coloração partidária, de ideologia política?

Qual é a nossa responsabilidade no quadro que vigora em nosso país? Apontar o dedo para os políticos chamando-os de corruptos ou indicar Brasília como um antro de vícios e maldades pode ser reconfortante. Pode até mesmo trazer alívio, mas não nos exime da responsabilidade ética e cidadã. Os políticos - necessitamos entender - sejam eles democratas, republicanos e honestos ou corruptos e autoritários; todos, todos eles, tem algo em comum: nossos votos. Se ocupam posição institucional é porque foram eleitos e são representantes de nossa vontade.

*RODRIGO AUGUSTO PRANDO
















-Sociólogo graduado pela Unesp - Araraquara (1999);

-Mestrado em Sociologia pela Unesp - Araraquara (2003);

-Doutorado em Sociologia pela Unesp-Araraquara (2009);

-Atualmente, é Professor Assistente Doutor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas;

-Desenvolve pesquisas e orienta nas áreas de empreendedorismo, empreendedorismo social, gestão em Organizações do Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresarial, história e cultura brasileira, Pensamento Social Brasileiro e Intelectuais e poder político e cenários políticos brasileiros.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 10 de abril de 2025

Adoção, um ato de amor



A adoção vai muito além de um processo jurídico — é a formação de uma família baseada no amor, no cuidado e na decisão consciente de acolher alguém como filho ou filha. No entanto, para que essa união aconteça de forma segura, é fundamental conhecer os caminhos legais e emocionais envolvidos.

O que é adoção?

A adoção é o ato legal pelo qual uma pessoa se torna pai ou mãe de uma criança ou adolescente que não foi gerado biologicamente por ela. A partir da sentença de adoção, todos os vínculos com a família biológica são encerrados, e os pais adotivos passam a exercer todos os direitos e deveres da parentalidade.

Mais do que um procedimento jurídico, é um laço afetivo que transforma vidas — tanto de quem adota quanto de quem é adotado.

Quem pode adotar?

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 42, podem adotar:

a)Maiores de 18 anos, independentemente do estado civil;

b)Pessoas que tenham pelo menos 16 anos de diferença em relação ao adotado;

c)Pessoas habilitadas pela Vara da Infância e Juventude, após processo de avaliação e

d)Casais homoafetivos, solteiros e pessoas que já têm filhos biológicos também podem adotar. 

O que importa é o preparo emocional, a estabilidade e o desejo genuíno de oferecer um lar seguro e amoroso.

Quem pode ser adotado?

Podem ser adotadas crianças e adolescentes com até 18 anos. Após essa idade, só é possível adotar se já houver vínculo de convivência e afetividade comprovado antes da maioridade.

Infelizmente, muitas crianças com mais de 7 anos, grupos de irmãos e crianças com deficiências são menos procuradas. No entanto, essas adoções chamadas de "tardias" podem ser profundamente transformadoras.

Como funciona o processo de adoção?

1. Habilitação: O interessado deve procurar a Vara da Infância e da Juventude da sua cidade para dar entrada no processo;

2. Avaliação psicossocial e curso preparatório: É feita uma análise do perfil do adotante, entrevistas, visitas e um curso obrigatório sobre adoção;

3. Cadastro: Com a habilitação aprovada, o adotante é inserido no Cadastro Nacional de Adoção;

4. Busca e aproximação: A Justiça procura por uma criança compatível com o perfil informado. Depois, é iniciada uma fase de convivência gradual; e

5. Sentença de adoção: Com a convivência consolidada, o juiz profere a sentença e a criança é registrada como filha do adotante.


Adoção legal x Adoção à brasileira

A chamada "adoção à brasileira" — quando alguém registra uma criança como seu filho sem seguir o trâmite legal — é considerada crime. Além de expor a criança a riscos jurídicos, impede que ela tenha o direito à origem e ao histórico familiar preservado. A única forma legítima de adotar é pela via judicial.

Direitos do adotado

O filho adotivo tem os mesmos direitos de um filho biológico:

a)Direito ao sobrenome e à herança;

b)Igualdade de tratamento perante a lei; e

c)Direito ao sigilo sobre a origem, salvo se desejar conhecer.

Adoção: razão e coração

Adotar é um gesto de entrega. É necessário mais do que boas intenções: é preciso preparo emocional, consciência dos desafios e disposição para amar incondicionalmente.

Famílias formadas pela adoção não são menos legítimas — são apenas diferentes em sua origem. E muitas vezes, ainda mais fortes por terem sido escolhidas mutuamente.

Conclusão

A adoção é uma construção de amor, confiança e responsabilidade. Se você tem esse desejo no coração, procure se informar, converse com outras famílias adotivas, e esteja aberto(a) a viver uma experiência única.

O amor não nasce do sangue — nasce do vínculo. E toda criança merece crescer em um lar onde seja amada, protegida e respeitada.

*MICHERLLA MARIA RIBEIRO DA SILVA

-Advogada graduada pela Universidade Paulista - UNIP(2022);

- Atua nas áreas dos Direitos de Família e Sucessões e do Trabalho.

Nota do Editor:

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quarta-feira, 9 de abril de 2025

A judicialização da saúde no Brasil e os planos "falso coletivos”

Autora: Laura Marson Lopes Morelli Trolese(*)



A judicialização da saúde é um fenômeno que vem crescendo exponencialmente no Brasil e afeta tanto o sistema público quanto o sistema privado. Além da judicialização para fornecimento de medicamentos, insumos, realização de cirurgias e tratamentos, também houve um aumento abrupto de ações buscando a equiparação dos planos coletivos (por adesão ou empresariais) aos planos individuais/familiares.

Nos últimos anos, os chamados "planos de saúde falso coletivos" têm se tornado um problema crescente no setor de saúde suplementar no Brasil. Muitas operadoras de planos de saúde comercializam esses produtos como se fossem coletivos por adesão ou empresariais, quando, na realidade, não cumprem os requisitos legais para essa categoria, tratando-se, na verdade, de planos de saúde individuais.

Inicialmente, é de suma importância explicar o que são esses planos popularmente conhecidos como "falso coletivos".

Os planos de saúde falso coletivos são aqueles que, embora formalmente registrados como planos coletivos empresariais ou por adesão, na prática funcionam como planos individuais ou familiares. Ou seja, esses contratos possuem menos de 30 segurados e são compostos por indivíduos de um mesmo núcleo familiar, possuindo ou não qualquer vínculo representativo com a entidade contratante do plano de saúde.

Este artifício é utilizado por operadoras para evitar as rígidas regulamentações impostas aos planos individuais e familiares pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), como a impossibilidade de rescisão unilateral pelo plano e a fixação dos percentuais de reajustes anuais pela ANS e não pelo plano.

Trata-se de uma prática abusiva e fraudulenta que prejudica diretamente o consumidor. Serão mostrados a seguir os principais riscos para os beneficiários de planos de saúde "falso coletivos".

Reajustes abusivos: os planos de saúde coletivos não seguem os limites de reajuste anual impostos pela ANS aos planos individuais, ou seja, a operadora, nesta modalidade de plano, possui a liberdade de aplicar aumentos exorbitantes e em total desacordo com as porcentagens aplicadas pela ANS; e

Rescisão unilateral: diferentemente dos planos individuais ou familiares, que só podem ser rescindidos pela operadora em caso de fraude ou inadimplência, os planos coletivos por adesão e/ou empresariais podem ser cancelados sem qualquer justificativa pelo plano, deixando os beneficiários desassistidos.

Uma das principais formas de enfrentamento dos planos de saúde "falso coletivos" é a ação judicial que visa a revisão do contrato firmado entre o plano e o beneficiário e a equiparação do plano atual ao plano individual. Essa ação busca, além de restituir o beneficiário dos valores pagos a maior devido à aplicação de reajustes abusivos (podem ser cobradas diferenças dos últimos 3 anos de contrato em relação aos reajustes aplicados pela ANS), além de garantir ao consumidor os direitos e as proteções estabelecidos pela ANS para os planos individuais e familiares.

Os tribunais estaduais têm reconhecido, em diversas decisões, que esses contratos coletivos firmados sem vínculo real com uma entidade profissional ou empresarial, assim como àqueles contratos empresariais de menos de 30 segurados que só possuem como segurados membros de uma mesma família, devem ser tratados como planos individuais, garantindo maior proteção aos consumidores. Assim, a judicialização se apresenta como um meio eficaz para garantir os direitos dos beneficiários afetados por essa prática abusiva.

Seguem abaixo, a título de conhecimento, decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca do tema:

PLANO DE SAÚDE – REAJUSTE ANUAL DE CONTRATO COLETIVO EMPRESARIAL – Contrato coletivo empresarial com apenas 05 beneficiários ("falso coletivo") – Majoração baseada em "percentual de reajuste único", composto de sinistralidade e VCMH – Embora seja possível o reajuste do contrato em valores acima daqueles emitidos para planos individuais, em observância da Resolução 309/2012, da ANS, não houve indicação do parâmetro utilizado para a apólice da parte autora, nem mesmo qualquer comprovação de elevação dos preços de serviços médicos e hospitalares, ou do aumento da sinistralidade – Reajustes abusivos –Determinação para aplicação de reajustes lançados pela ANS nos anos de 2020 a 2023, com devolução de valores limitada a três anos antes do ajuizamento da ação – Sentença reformada – Apelo provido.

(TJ-SP - Apelação Cível: 1039038-90.2023.8 .26.0100 São Paulo, Relator.: Hertha Helena de Oliveira, Data de Julgamento: 21/02/2024, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/02/2024

PLANO DE SAÚDE. FALSO COLETIVO. Reajustes por sinistralidade e variação dos custos médico-hospitalares (VCMH). Plano coletivo empresarial não sujeito em tese aos índices previstos pela ANS. Plano da autora, contudo, que se qualifica como "falso coletivo", pois cobre apenas núcleo familiar de quatro vidas. Contratação de plano nitidamente individual – pelo seu escopo e função econômica – como plano coletivo tem a finalidade de tangenciar e fugir do controle de normas cogentes. Aplicação do Código de Defesa Consumidor. Reajustes limitados aos índices da ANS. Pretensão restitutória corretamente acolhida. Ação procedente. Sentença mantida. Recurso improvido.

(TJ-SP - AC: 10162072520208260562 SP 1016207-25.2020.8.26 .0562, Relator.: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 09/11/2021, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/11/2021)


Nos casos julgados acima, a Câmara de Direito Privado do TJSP reconheceu se de planos "falso coletivos" e equiparou os contrato a um plano individual, garantindo aos segurados reajustes anuais com base nos índices da ANS, assim como a restituição dos valores pagos a maior pelos últimos 3 anos e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Fica claro que os chamados planos de saúde "falso coletivos" representam uma prática abusiva que compromete a proteção dos consumidores e desvirtua a regulamentação do setor de saúde suplementar no Brasil. A utilização indevida dessa modalidade contratual possibilita os ilícitos de reajustes exorbitantes e rescisões unilaterais, colocando os beneficiários em total situação de vulnerabilidade.

Com isso, a judicialização tem se mostrado um instrumento fundamental para combater essas irregularidades, garantindo aos consumidores a equiparação dos contratos coletivos por adesão e empresariais fraudulentos aos planos individuais e restituindo valores pagos indevidamente. As decisões favoráveis dos tribunais demonstram a crescente preocupação do Judiciário em assegurar o cumprimento das normas da ANS e do Código de Defesa do Consumidor, promovendo maior equilíbrio na relação entre operadoras e beneficiários.

Portanto, é essencial que os consumidores estejam atentos aos seus direitos, além do papel do poder público em reforçar a fiscalização para coibir essas práticas abusivas. Somente com um sistema regulatório eficaz e a devida intervenção judicial será possível garantir maior transparência e segurança jurídica aos beneficiários de planos de saúde.

*LAURA MARSON LOPES MORELLI TROLESE























Advogada formada pela Fundação Armando Alvares Penteado -FAAP (2021); 

Pós-graduada em Direito Médico e da Saúde pela  Pontifícia Universidade Católica do Paraná -  PUCPR (2023);

Advogada no escritório Vainer & Villela Advogados (São Paulo), com atuação nas áreas de direito médico, direito do consumidor e direito aéreo.

Telefone: (19) 99136-5735
E-mail: 
lauramlopest@gmail.com / laura.trolese@vvlaw.com.br
Linkedin:
https://www.linkedin.com/in/laura-marson-lopes-morelli-trolese-520186198/ 

Nota do Editor:

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terça-feira, 8 de abril de 2025

Os Reflexos das Enchentes no Mercado Imobiliário Gaúcho


 

Autor: Talles Ribeiro Leites(*)


As enchentes que atingiram diversas regiões do Rio Grande do Sul provocaram, além da tragédia humana e social, reflexos diretos no mercado imobiliário. Imóveis localizados em áreas alagadiças sofreram significativa desvalorização, tanto do ponto de vista comercial quanto fiscal.

Essa depreciação repercute em negociações de compra e venda, dificulta o financiamento por instituições bancárias e desencoraja investimentos em determinadas regiões. Os compradores, cada vez mais atentos, passam a considerar o risco ambiental como critério relevante na avaliação de imóveis.

Diante da diminuição real do valor de mercado dos imóveis e das perdas materiais enfrentadas por proprietários e moradores, diversas municipalidades gaúchas passaram a discutir medidas de isenção ou redução do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para imóveis atingidos pelas enchentes.

A previsão legal para tal medida encontra respaldo na competência tributária dos municípios (art. 156, I, da CF/88) e nos princípios da razoabilidade e da capacidade contributiva. Trata-se, portanto, de instrumento legítimo de justiça fiscal e solidariedade diante de um cenário de calamidade pública.

Eventos naturais imprevisíveis e inevitáveis, como as enchentes, podem ensejar a extinção de contratos por força maior. O Código Civil, em seu art. 393, estabelece que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado".

Na prática, isso se aplica tanto a contratos de compra e venda quanto de locação:

a) Compra e venda com financiamento: é possível discutir a rescisão sem imposição de cláusulas penais, quando o imóvel se torna inabitável ou com risco estrutural permanente;

b) Locação: nos termos do art. 567 do CC, o contrato pode ser extinto quando o imóvel é totalmente perdido ou torna-se impróprio para uso.

Cada caso exige análise concreta, mas a jurisprudência tem reconhecido a necessidade de flexibilização das obrigações contratuais diante de desastres naturais.

A reconstrução urbana do Rio Grande do Sul deverá ser acompanhada de uma profunda reavaliação dos critérios urbanísticos vigentes. A ocupação desordenada, muitas vezes em áreas de risco ou de preservação permanente, potencializou os efeitos da catástrofe. Nesse cenário, destaca-se:

a) Revisão de zoneamentos urbanos e planos diretores, com base em estudos hidrológicos e ambientais;

b) Inclusão de cláusulas contratuais específicas em novos empreendimentos, alertando para riscos ambientais e exigindo a adoção de medidas preventivas;

c) Estímulo a obras com foco em resiliência climática, com incentivos à construção em níveis elevados, drenagem sustentável e infraestrutura verde.

Diante de um cenário em que a força da natureza expôs fragilidades estruturais, jurídicas e urbanísticas, torna-se imprescindível repensar os rumos do Direito Imobiliário frente às emergências climáticas. As enchentes no Rio Grande do Sul revelam não apenas a vulnerabilidade de milhares de famílias, mas também a urgência de soluções normativas e administrativas que integrem responsabilidade socioambiental, planejamento urbano preventivo e proteção jurídica efetiva aos proprietários e moradores. Cabe ao Poder Público, ao setor privado e à advocacia especializada atuarem em sinergia para transformar a reconstrução em oportunidade de fortalecimento das bases legais e estruturais do mercado imobiliário, de forma mais resiliente, consciente e justa diante dos novos desafios climáticos que se impõem.

Referêcias Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988;

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002;

BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 out. 1991;

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Tributário: fundamentos constitucionais. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2022;

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 3: Contratos e Atos Unilaterais. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2022;

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Direito Ambiental Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2023;

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 3. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2023;

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021;

JUSBRASIL. Enchentes e o impacto no valor de imóveis: quando o IPTU pode ser reduzido ou isento? Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br. Acesso em: mar. 2025;

IBGE. Informativo sobre áreas de risco e desastres naturais no Brasil. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: mar. 2025.

*TALLES RIBEIRO LEITES














- Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (2014);

- Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (2015);

-Corretor e Administrador de Imóveis CRECI/RS 72.855F

-Avaliador Imobiliário CNAI 44.812.

 -Sócio Fundador do Escritório Ribeiro e Leites Advogados

 Rua Dr. Flores, 245 - sala 602 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90020-122 - Telefone: (51) 3227-6376

 Nota do Editor:


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Limbo Jurídico Previdenciário


 Autora: Fernanda Carlos da Rocha Romão (*)

Conceito/definição
 
O empregado que se encontra incapacitado para o trabalho, seja por doença ou acidente, com nexo causal ou não com o trabalho, a partir do 16º dia de afastamento, percebe benefício previdenciário por incapacidade até a completa recuperação do seu estado de saúde.

Durante esse período, o seu contrato de trabalho fica suspenso.

Ocorre que, em muitos casos, quando o empregado recebe a alta previdenciária, pois o perito do INSS entende que inexiste a incapacidade para o trabalho, ao se apresentar à empresa, para retornar as suas atividades laborativas, o médico do trabalho declara que o funcionário está inapto para a sua função, recusando dessa forma, o seu retorno ao posto de trabalho.

Assim, o empregado fica desamparado, tanto pela seguridade social, quanto pela empregadora, sem receber benefício previdenciário ou salário, caracterizando-se assim, o limbo jurídico previdenciário.

Em linhas gerais, o limbo previdenciário é o período em que, após a alta previdenciária, ao se reapresentar a empresa para retomar as suas atividades laborativas, ela recusa o seu retorno, alegando que o empregado não está apto para o exercício de suas atividades laborativas, baseada na avaliação do médico do trabalho, e nesse ínterim, o empregado fica sem receber benefício previdenciário e salário.

Dessa forma, para a configuração do limbo previdenciário são necessários a alta médica previdenciária, a apresentação do empregado para retorno ao trabalho e a recusa da empresa em tê-lo de volta aos seus quadros funcionais.

Previsão legal

Não existe atualmente em nosso ordenamento jurídico, lei que regulamenta a situação do limbo jurídico previdenciário, ficando sob a responsabilidade do Poder Judiciário suprir tal lacuna normativa.

Inobstante a ausência de previsão legal, o Poder Judiciário tem fundamentado as suas decisões em outras fontes do direito, a exemplo:

-Constituição Federal, dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), direito à proteção social (art. 194);

-Código Civil, responsabilidade civil das empresas, que devem indenizar os trabalhadores em caso de danos causados por sua atividade, a qual deve assumir os riscos de sua atividade. Artigos 186, 187, 927, 932, inciso III;

- Consolidação das Leis do Trabalho, art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada;

-Princípio da continuidade da relação de emprego - Súmula 212, TST. DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA. O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado; e

-Convenção 161 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta seu estado de sanidade física e mental.

No entanto, está tramitando na Câmara dos Deputados, o projeto de lei nº 6.526/2019, que visa regulamentar o limbo previdenciário, atualmente está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, chegou à comissão em 03/12/2021. Segue ementa:

EMENTA

Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para dispor sobre a responsabilidade do empregador pelo pagamento de salários após a cessação ou o indeferimento do benefício previdenciário a seu empregado e estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para as ações que objetivem o esclarecimento da questão relativa à aptidão ou à inaptidão para o trabalho e a condenação ao pagamento do salário ou do benefício previdenciário, na hipótese de divergência entre a conclusão da perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o exame médico realizado por conta do empregador.
Provas

Apesar do entendimento jurisprudencial, quanto ao ônus da prova ser do empregador, quanto a recusa da prestação de serviços pelo empregado, temos a Súmula 32 do TST, a qual estabelece que se presume abandono de emprego, caso o trabalhador no prazo de 30 dias, após a cessão do benefício previdenciário, não retornar ao trabalho. Cita-se:

Súmula nº 32 do TST

ABANDONO DE EMPREGO

Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.
Dessa forma, é importante frisar que, cabe ao empregado reapresentar-se na empresa após a alta previdenciária, sendo importante possuir uma via do ASO – atestado de saúde ocupacional e/ou outra prova documental, que comprove que comunicou a empregadora acerca da cessação do seu benefício.

Estabilidade provisória – artigo 118 – Lei nº 8.213/91

Nos casos em que o afastamento do trabalho, decorre de acidente do trabalho ou doença do trabalho, o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 prevê a estabilidade provisória, pelo prazo mínimo de 12 meses, após a cessação do benefício por incapacidade:
Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

Não se pode olvidar que, existe previsão legal equiparando doença do trabalho em acidente, portanto, também é cabível a aplicação da norma legal supracitada, nos casos de doença, nos termos dos artigos 20 e 21 da Lei nº 8.213/91:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I- doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; (NEXO CONCAUSAL);

II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de:

a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;

b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;

c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;

d) ato de pessoa privada do uso da razão;

e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;

III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho;

§ 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às consequências do anterior.

 Impactos trabalhistas

O entendimento majoritário da jurisprudência trabalhista, é no sentido da responsabilização dos empregadores, determinando a sua reintegração no emprego, em função compatível com seu estado de saúde, com o pagamento dos salários desde a cessação do benefício previdenciário até o efetivo cumprimento da ordem judicial, ou, com o pagamento dos proventos em forma indenizatória, nos casos em que há impossibilidade ao retorno das atividades, sendo ainda reconhecido, o direito a estabilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91.

Pelo lado do empregador, em busca da mitigação dos riscos, o ideal é convocar o retorno dos empregados a uma função compatível as suas condições de saúde, a fim de se evitar agravamento ao seu quadro clínico, com a consequente responsabilização civil da empregadora, nos casos de doenças e acidentes relacionados ao trabalho.

Sendo que, caso seja restabelecido o benefício previdenciário ao empregado, a empresa poderá mover ação regressiva em face do INSS, para ter o ressarcimento dos valores pagos durante o limbo jurídico previdenciário.

Impactos previdenciários

- Da qualidade de segurado

A depender do período do afastamento previdenciário do empregado, uma dúvida e preocupação comum é a manutenção da qualidade de segurado, sendo que a TNU – Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, fixou o entendimento de que, durante o período do limbo previdenciário, mantém-se a qualidade de segurado, através do Tema nº 300:
Tema 300 da TNU. Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei n. 8.213/1991.
- Tempo de contribuição e recolhimentos previdenciários

Outro impacto ocasionado ao trabalhador, é a inclusão na contagem do tempo de contribuição, do período em gozo do auxílio-doença e do limbo jurídico previdenciário, tendo em vista que, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que, somente será computado para fins de carência esse período, se intercalado de atividade laborativa ou pagamento das contribuições previdenciárias. Cita-se o Tema 1125 do STF:

Tema 1125 - Possibilidade de contagem, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo de auxílio-doença, desde que intercalado com períodos de atividade laborativa.

Tese:

É constitucional o cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa.

Diante desse impasse, muitas vezes o trabalhador busca a concessão da aposentadoria, porém, pela falta da intercalação de atividade laborativa ou pagamento de contribuições previdenciárias entre o período de gozo de auxílio-doença, ele tem o seu pedido indeferido pelo INSS.

Conclusão

Este é um tema ainda muito controverso em nosso ordenamento jurídico, diante da falta de previsibilidade legal. Todavia, é uma situação muito recorrente que possui impactos previdenciários e trabalhistas e que deve ser acompanhado com muita cautela, pelas empregadoras que possuem funcionários afastados do contrato de trabalho diante do recebimento de benefício por incapacidade temporária.

Pelo lado do trabalhador e segurado, este deve comunicar imediatamente a empresa, quando tiver alta médica do INSS, preferencialmente, formalizando esta comunicação por escrito, seja por e-mail, via whatsapp, telegrama, para que possa se resguardar e ter como comprovar que a empresa teve ciência.

Quando a empregadora, esta deve convocar o trabalhador a retornar as suas atividades laborativas, encaminhando-o ao Médico do Trabalho, para que este avalie as condições de saúde do funcionário, se está apto ou inapto para retornar às suas atividades laborativas ou se possui restrições médicas ao exercício de funções anteriores, se deve ser readaptado a outras atividades laborais compatíveis com suas condições físicas atuais.

O grande impasse nessa situação é a divergência da conclusão médica do INSS e do médico que está acompanhando o tratamento do trabalhador, pois em muitos casos, acontece que, apesar da alta médica da Previdência Social, o empregado possui laudo médico em que é indicado o seu afastamento do trabalho.

Inobstante tal divergência de entendimento, médico do INSS x médico que acompanhado o empregado, é importante frisar que o segurado não pode ficar à deriva da própria sorte, sem receber benefício e salário, em que muitas vezes, é orientado pela empregadora a fazer recurso administrativo, pedir prorrogação do benefício ou até mesmo dar entrada em um novo pedido.

Na grande maioria dos casos, o INSS nega o pedido administrativo, sendo que o trabalhador fica meses esperando a análise de seu recurso ou a realização de perícia médica, para obter uma resposta negativa da Previdência Social.

Portanto, tal situação é extremamente delicada para ambas as partes envolvidas, empregado e empregador, diante dos diversos desdobramentos e implicações expostas, sendo que deve-se analisar caso a caso individualmente, indicando-se sempre a consulta com profissionais especializados em direito previdenciário e trabalhista, para obter uma melhor orientação ao caso em concreto.

*FERNANDA CARLOS DA ROCHA ROMÃO


Bacharel em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas,- FMU (2014);

-Pós-graduanda em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito - EPD;

-Pós-graduanda em Direito Previdenciário pela MaxJuris;

-Advogada integrante do corpo jurídico do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos – SINDINAPI, atuante em ações individuais ,com enfoque em direito previdenciário.

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