Autor: Talles Ribeiro Leites(*)
As enchentes que atingiram diversas regiões do Rio Grande do Sul provocaram, além da tragédia humana e social, reflexos diretos no mercado imobiliário. Imóveis localizados em áreas alagadiças sofreram significativa desvalorização, tanto do ponto de vista comercial quanto fiscal.
Essa depreciação repercute em negociações de compra e venda, dificulta o financiamento por instituições bancárias e desencoraja investimentos em determinadas regiões. Os compradores, cada vez mais atentos, passam a considerar o risco ambiental como critério relevante na avaliação de imóveis.
Diante da diminuição real do valor de mercado dos imóveis e das perdas materiais enfrentadas por proprietários e moradores, diversas municipalidades gaúchas passaram a discutir medidas de isenção ou redução do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para imóveis atingidos pelas enchentes.
A previsão legal para tal medida encontra respaldo na competência tributária dos municípios (art. 156, I, da CF/88) e nos princípios da razoabilidade e da capacidade contributiva. Trata-se, portanto, de instrumento legítimo de justiça fiscal e solidariedade diante de um cenário de calamidade pública.
Eventos naturais imprevisíveis e inevitáveis, como as enchentes, podem ensejar a extinção de contratos por força maior. O Código Civil, em seu art. 393, estabelece que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado".
Na prática, isso se aplica tanto a contratos de compra e venda quanto de locação:
a) Compra e venda com financiamento: é possível discutir a rescisão sem imposição de cláusulas penais, quando o imóvel se torna inabitável ou com risco estrutural permanente;
b) Locação: nos termos do art. 567 do CC, o contrato pode ser extinto quando o imóvel é totalmente perdido ou torna-se impróprio para uso.
Cada caso exige análise concreta, mas a jurisprudência tem reconhecido a necessidade de flexibilização das obrigações contratuais diante de desastres naturais.
A reconstrução urbana do Rio Grande do Sul deverá ser acompanhada de uma profunda reavaliação dos critérios urbanísticos vigentes. A ocupação desordenada, muitas vezes em áreas de risco ou de preservação permanente, potencializou os efeitos da catástrofe. Nesse cenário, destaca-se:
a) Revisão de zoneamentos urbanos e planos diretores, com base em estudos hidrológicos e ambientais;
b) Inclusão de cláusulas contratuais específicas em novos empreendimentos, alertando para riscos ambientais e exigindo a adoção de medidas preventivas;
c) Estímulo a obras com foco em resiliência climática, com incentivos à construção em níveis elevados, drenagem sustentável e infraestrutura verde.
Diante de um cenário em que a força da natureza expôs fragilidades estruturais, jurídicas e urbanísticas, torna-se imprescindível repensar os rumos do Direito Imobiliário frente às emergências climáticas. As enchentes no Rio Grande do Sul revelam não apenas a vulnerabilidade de milhares de famílias, mas também a urgência de soluções normativas e administrativas que integrem responsabilidade socioambiental, planejamento urbano preventivo e proteção jurídica efetiva aos proprietários e moradores. Cabe ao Poder Público, ao setor privado e à advocacia especializada atuarem em sinergia para transformar a reconstrução em oportunidade de fortalecimento das bases legais e estruturais do mercado imobiliário, de forma mais resiliente, consciente e justa diante dos novos desafios climáticos que se impõem.
Referêcias Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988;
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CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Tributário: fundamentos constitucionais. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2022;
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JUSBRASIL. Enchentes e o impacto no valor de imóveis: quando o IPTU pode ser reduzido ou isento? Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br. Acesso em: mar. 2025;
IBGE. Informativo sobre áreas de risco e desastres naturais no Brasil. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: mar. 2025.
*TALLES RIBEIRO LEITES
- Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (2014);
- Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (2015);
-Corretor e Administrador de Imóveis CRECI/RS 72.855F
-Avaliador Imobiliário CNAI 44.812.
-Sócio Fundador do Escritório Ribeiro e Leites Advogados
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Parabéns. Ótimo texto
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