Desde o período colonial até final da década de 1980, a educação escolar indígena no Brasil, como em outros países da América Latina, esteve marcada por um viés notadamente etnocêntrico e integracionista o qual desconsiderava as diferenças étnicas, linguísticas e culturais, entre outras, dos indígenas enquanto grupos humanos ou povos específicos.
No período colonial, a educação escolar dos índios esteve a cargo de missionários católicos da Companhia de Jesus até sua expulsão em 1792 e o ensino seguiu uma orientação para a catequese religiosa e para a civilização dos índios considerados povos primitivos e selvagens.
O etnocentrismo europeu, diante do outro, buscou demonstrar superioridade cultural, religiosa e ―racial. Sob este enfoque, houve uma restrição da humanidade, da virtude e da racionalidade aos cristãos europeus (FERREIRA NETO, 1997).
Ferreira da Silva e Azevedo em sua obra “Pensando as escolas dos povos indígenas no Brasil: o movimento dos professores indígenas do Amazonas, Roraima e Acre “(1995), no período do império, a educação indígena permaneceu a cargo de missionários católicos de diversas ordens, por delegação tácita ou explícita da Coroa Portuguesa”. A política integracionista foi orientada para a mestiçagem (branqueamento da raça) e para a preparação de mão de obra indígena para substituir a mão de obra dos escravos negros.
Desta forma, a proposta de ―catequese e educação para ―civilizar os indígenas permaneceu a mesma. A criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910, no período republicano, não trouxe muitas mudanças nas orientações oficiais para a educação escolar dos índios no Brasil, pois foi dada ―maior ênfase no trabalho agrícola e doméstico, com vista à integração. Com a saída dos jesuítas, outras missões católicas assumiram a educação dos índios.
Os estudos revelaram a complexidade extraordinária dos povos considerados ―selvagens e seus elaborados processos de abstração, ―nem sempre abarcáveis pela razão ocidental‖ (FERREIRA NETO, 1997, p. 321).
Sob o enfoque integracionista, voltado à homogeneização cultural, o objetivo era transformar os indígenas em trabalhadores nacionais através da imposição da cultura dominante/ocidental visando sua total integração à sociedade ―civilizada. Este período também foi marcado pela inclusão das missões evangélicas protestantes no processo de educação nas áreas indígenas (e fora delas também).
O Estatuto do Índio (Lei 6.001 de 1973), o ensino das línguas nativas nas escolas tornou-se obrigatório e a alfabetização indígena deveria ser feita ―na língua do grupo (Artigo 49). Para a execução do ensino bilíngue, a FUNAI recorreu ao Summer Institute of Linguistcs (SIL) - em português, Instituto Linguístico de Verão.
De acordo com Brito (1995: 109), ―partindo do pressuposto básico de que o Brasil é um país pluriétnico e plurilíngue o movimento indigenista destacava os direitos dos povos indígenas ―consignados em tratados e acordos internacionais assinados pelo governo brasileiro.
Este período na história da educação escolar indígena no Brasil foi caracterizado pela mobilização e participação de organizações não governamentais ―pró-índio na articulação de ―encontros nacionais de educação para índios e na criação de projetos.
Desta forma, foi se constituindo, no cruzamento do campo indigenista com o campo acadêmico, um discurso de diferenciação educacional de enfoque basicamente comunitário (voltado aos interesses de cada etnia e/ou 3 povo indígena), centrado na ideia da especificidade (histórica, cultural, linguística) dos grupos ou povos envolvidos.
Tal diferenciação deveria abarcar tanto a construção de escolas específicas em áreas indígenas com inclusão de professores índios no processo escolar quanto à construção de currículos e materiais didáticos específicos.
Tal mobilização culminou com as prerrogativas legais da Constituição Federal de 1988 que, especificamente, no Artigo 231 reconheceu ―aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. E, no Artigo 210, § 2º, assegurou às comunidades indígenas ―a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem no ensino fundamental.
Estas prerrogativas inauguraram uma nova orientação no trato com as questões indígenas no país, especialmente no que diz respeito aos processos de escolarização. Passando a escolarização diferenciada a se configurar como um direito dos índios no país.
A partir da Constituição Federal de 1988, outros documentos oficiais foram criados no sentido de instituição e normatização de uma educação escolar diferenciada para os indígenas.
Os principais documentos são: Diretrizes para a política nacional de Educação Escolar Indígena/1993b; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº. 9.394/1996 (Artigos 32; 78 e 79); Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas/19987; Parecer nº. 14/1999; Resolução Nº. 03/1999; Plano Nacional de Educação. Lei Nº 10.172/2001 (capítulo 9. Educação Indígena).
No plano prático, foi criada a categoria diferenciada de escola indígena no sistema de ensino brasileiro, a modalidade de educação escolar indígena na educação básica, a categoria de professor indígena e a instituição de cursos específicos de formação de professores índios em diversas universidades e instituições formadoras, entre outras ações.
Dessa forma, as mobilizações no campo indigenista brasileiro contribuíram para as garantias legais em torno de processos de escolarização diferenciados para os indígenas, entretanto, mostraremos mais à frente que este processo fez parte de um movimento maior, circundado por ações, 4 agentes e por documentos de agências internacionais. Neste sentido, apresentamos a emergência do direito à educação diferenciada para indígenas no contexto mundial a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 aos anos mais recentes (2007).
Embora haja consenso entre estudiosos de que as garantias legais em favor de uma escolarização diferenciada para indígenas no Brasil tenham a sua origem relacionada às reivindicações do movimento indígena e indigenista interno, a proposição de escolas diferenciadas se insere no contexto educacional mais amplo e ―global orientado pela tônica da ―educação para todos.
Para além das fronteiras do indigenismo, a construção da escola diferenciada para indígenas surgiu no bojo de um processo mais amplo de mudanças no mundo, que trouxe novas demandas para a educação, as quais possibilitaram a construção de um discurso de inclusão aliado ao discurso da ―escola para todos, especialmente no que diz respeito ao atendimento de grupos considerados diferenciados.
As Leis de Diretrizes e Bases da Educação e o Regimento Municipal de e a forma como ela discute a questão do ensino básico nas aldeias indígenas e quais são os direitos da população indígena em relação à educação.
Aqui quero me restringir ao segundo termo e discutir novas possibilidades que têm surgido no panorama da educação voltada aos povos indígenas no Brasil nos últimos anos, onde se pode registrar avanços e consensos na estruturação de uma política pública, de âmbito nacional, voltada a atender às necessidades educacionais desses povos. Esses avanços podem ser verificados tanto no plano legal quanto no plano administrativo.
Investigar o fenômeno da educação infantil no período colonial, portanto, significa desvelar aspectos importantes da própria formação socioeconômica brasileira. Esta afirmação ganha a sua verdadeira dimensão quando nos deparamos com o papel econômico, cultural e político que a Companhia de Jesus desempenhou no processo de consolidação do sistema colonial português, pois, em 500 anos de nossa história, os jesuítas detiveram o monopólio educacional por 210 anos (1549-1759).
Além disso, importa acrescentar que este trabalho é resultante de uma pesquisa que estamos realizando com objetivo de suprir lacunas ainda existentes nos estudos sobre a história da educação brasileira no período colonial.
Nos anos 90 se instaurou uma nova concepção de educação escolar indígena no país, decorrente da nova postura do estado frente aos povos habitantes deste território. Movimentou-se no sentido de deixar de ser uma educação para o índio, funcionando como um estado para se voltar à possibilidade de ser a expressão dos interesses de cada povo: cada povo tem direito à formulação própria do seu currículo escolar, o que pode fazer da escola expressão dos projetos de futuro destas sociedades, em sua especificidade, dentro da sociedade brasileira.
Desta forma a escola se transforma ou pode (logicamente) se transformar em instrumento dos povos indígenas na formulação de suas estratégias de sobrevivência e de luta política (por seus direitos como povos minoritários e historicamente espoliados).
Emerge daí a possibilidade de uma política linguística formulada por cada povo indígena (ou fração deste povo, já que povos indígenas não agem necessariamente como uma unidade) em vista do seu projeto de futuro: manter sua língua indígena transformá-la ou não em uma língua escrita, desenvolver novos campos de uso (no campo lexical ou terminológico, por exemplo), ensinar o português na perspectiva de desenvolver um bilinguismo aditivo, ensinar uma língua estrangeira, etc.
As decisões tomadas neste momento, e a competência em formular e executar as políticas linguísticas e educacionais decorrentes destas decisões pode significar a diferença entre o desaparecimento e a manutenção das línguas indígenas no futuro.
Os estados federados, responsáveis legais pela educação escolar indígena, devem então reconhecer as propostas curriculares formuladas e apoiar sua implantação com recursos do orçamento. Esta política educacional, com sua contraparte em uma política linguística e em uma política cultural, está sendo gerada em várias experiências de escolas indígenas diferenciadas, 6 bilíngues, interculturais, com professores indígenas, hoje em processo de expansão entre vários povos em diversas regiões do país.
São agora, segundo o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (1998), documento do Ministério da Educação do Brasil, 1.591 escolas indígenas com 76.293 alunos. 94% destes alunos estão em uma das quatro séries iniciais de escolaridade (primeira parte do ensino fundamental), e daí se podem deduzir o enorme potencial de expansão do sistema nos próximos anos.
Conforme o artigo 20 da LDB na redação da lei 12.020/2009, que define instituições de ensino comunitárias :
"Art. 20-Constituirão elementos básicos para a organização, a estrutura e funcionamento da escola indígena:
I - sua localização em terras habitadas por comunidades indígenas, ainda que se entenda por territórios de diversos Estados ou Municípios contíguos; II - exclusividade de atendimento a comunidades indígenas; III – o ensino ministrado nas línguas indígenas;IV – a organização escolar própria;
Parágrafo Único. A escola indígena será criada em atendimento à reivindicação ou por iniciativa de comunidade interessada, ou com a ausência da mesma, respeitadas suas formas de representação."
Mais explícita ainda foi a Resolução número 011 do Conselho Estadual de Educação do Amazonas, aprovada em 07 de fevereiro de 2001.
Conforme o artigo 18 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira diz o seguinte: "..em caráter especial, o Sistema Estadual de Educação ou Sistema Municipal de Educação, quando solicitado, assegurarão Educação Básica à população indígena desafiada, garantindo os mesmos direito constitucional vigente às localizadas em terras indígenas."
A atenção diz respeito à transferência de responsabilidade e de coordenação das iniciativas educacionais em terras indígenas do órgão indigenista (Fundação Nacional do Índio – FUNAI) para o Ministério da Educação (MEC), em articulação com as Secretarias Estaduais de Educação, por meio do Decreto nº 26/91, da Presidência da República.
Desta forma, é possível conectar vários aspectos positivos dessa transferência de responsabilidades que ensejou o envolvimento de outras esferas do poder público, sejam agentes governamentais, sejam órgãos de governo, abrindo novos canais de interlocução para os índios. E também há a possibilidade de demonstrar as inúmeras resistências dessas mesmas esferas de poder em absorver as escolas indígenas, respeitando o direito dos índios R. bras. Est. pedag. Brasília, v. 81, n. 198, p. 273-283, maio/ago. 2000. 277 a uma educação diferenciada, que requer novos aportes teóricos, metodológicos e administrativos.
Desta forma é importante ressaltar que outras iniciativas importantes vieram somar-se a este novo contexto. Consolidou-se uma coordenação geral de educação escolar indígena no âmbito do Ministério da Educação, ao mesmo tempo em que se incentivou a criação de instâncias gestoras nas Secretarias de Educação Estaduais para cuidar das escolas e da formação dos professores indígenas.
Em um campo que se caracteriza por uma plêiade de concepções e práticas diferentes, o documento conhecido pela sigla RCNEI conseguiu reunir e sistematizar um mínimo de consenso, capaz de subsidiar diversas interpretações e propostas de construções pedagógicas e curriculares autônomas.
O desafio do momento está posto na necessidade de se consolidar uma política pública eficiente de atendimento das necessidades educacionais dos povos indígenas, envolvendo o MEC, Secretarias Estaduais de Educação, organizações da sociedade civil de apoio aos índios e organizações indígenas. Isto se faz necessário uma vez que se percebe um quadro ainda desigual, fragmentado e pouco estruturado de oferta e atendimento educacional aos índios.
E este é um dos principais "nós" a ser enfrentado, uma vez que a execução da política de educação indígena ficou sob a responsabilidade dessas Secretarias. Poucas são as que estruturaram um corpo técnico administrativo para formular e implementar uma política estadual de educação indígena e que mantêm cursos regulares de formação e titulação de professores indígenas.
Em sua maioria, as Secretarias Estaduais não contam com orçamento próprio para ações nessa área, limitando-se a realizar pequenos cursos, encontros e oficinas com recursos obtidos junto ao FNDE.
Desde que o MEC recebeu a incumbência pela coordenação das ações educacionais em áreas indígenas, cabendo às Secretarias de Educação sua execução assistimos um processo de indefinição administrativa, onde poucas Secretarias assumiram seu papel executor.
-Formada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC-SP(2012);
Mestra em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC-SP(2016);
-Conhecimento em pacote Office, digitação de textos, digitalização de imagens e pesquisa na internet.
-Idiomas: conhecimento de Inglês e espanhol em nível intermediário.
-Idiomas: conhecimento de Inglês e espanhol em nível intermediário.
Nota do Editor:
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