A recusa em transportar passageiro deficiente físico com seu cão guia é evidente na falha da prestação do serviço prestado, devendo a empresa que presta serviços públicos permissionários de transporte de táxi o dever de indenizar o consumidor.
Nesse viés, podemos elencar que o deficiente visual acompanhado por seu cão-guia possui legislação especial própria, a Lei 11.126/2005 que assegura ao portador de deficiência visual o direito de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão guia foi regulada pelo Decreto 5904/2006, possibilitando assim seu acesso a supermercados, teatros, cinemas, transportes coletivos e outros.
Essa legislação é de suma importância para garantir aos deficientes visuais o direito de ir e vir sem qualquer tipo de constrangimento, além de possibilitar maior independência e autonomia ao sair de casa.
A lei 11.126/2005, estabelece que é assegurado ao portador de deficiência visual usuário de cão-guia ingressar nos veículos e nos estabelecimentos públicos. Além disso, impõe multa e interdição a tentativa de descriminação que impeça ou dificulte o gozo desse direito.
Vale lembrar, que o serviço de táxi é um serviço público permissionário. O conceito de permissão está descrito na própria lei 8987, em seu artigo 2º, IV:
"permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco."
A doutrina é unânime ao afirmar que a tarefa de conceituar serviço público é das mais espinhosas do Direito, assim, não nos lançaremos nesta aventura, vamos nos restringir a indicar as posições de alguns doutrinadores e tentar consolidar os entendimentos mais ajustados à atual realidade constitucional.
Para Maria Sylvia Di Pietro:
"toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente de direito público"
Para José dos Santos Carvalho Filho:
"toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade”
Para Hely Lopes Meirelles:
"Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais de interesse geral"
Para Marça Justen Filho:
"Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, insuscetíveis de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre iniciativa privada, destinada a pessoas indeterminadas, qualificadas legislativamente e executada sob regime de direito público".
É claro a falha na prestação do serviço prestados pela empresa de táxi, uma vez que deve se atentar que existe legislação que veda qualquer tipo de discriminação com a pessoa portadora de deficiência visual que anda acompanhada de seu cão-guia. Nesse sentido:
AGRAVOS EM APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO COMO AGRAVO INTERNO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS NOVOS QUE SIRVAM PARA MODIFICAR O DECIDIDO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL IMPEDIDO DE ENTRAR EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL NA COMPANHIA DE CÃO-GUIA. LEI FEDERAL N.º 11.126/05, DECRETO N.º 5.906/06 E LEI ESTADUAL N.º 11.739/02. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ART. 14 DO CDC. O descumprimento da legislação que permite o acesso de pessoa portadora de deficiência visual acompanhada de cão-guia em estabelecimento...(TJ-RS - AGR: 70052259694 RS , Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Data de Julgamento: 12/12/2012, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 14/12/2012).
CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS. DEFICIENTE VISUAL. COMPANHIA DE CÃO-GUIA. IMPEDIMENTO. VIOLAÇÃO AO DOMICÍLIO. EXCESSO AUTORIDADE POLICIAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. PARA A CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL NÃO HÁ NECESSIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO, E SIM DA PROVA DO FATO QUE DEU ENSEJO AO RESULTADO DANOSO À MORAL DA VÍTIMA, FATO ESSE QUE DEVE SER ILÍCITO E GUARDAR NEXO DE CAUSALIDADE COM A LESÃO SOFRIDA. 2. A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVE SER MANTIDA, TENDO EM VISTA O EXCESSO PRATICADO PELA AUTORIDADE POLICIAL QUE, DIANTE DE UM DEFICIENTE VISUAL, INVADIU SEU DOMICÍLIO A FIM DE COLHER UM DEPOIMENTO E O CONDUZIU À DELEGACIA MAIS PRÓXIMA, VIOLANDO A INTIMIDADE, A VIDA PRIVADA, A HONRA E A IMAGEM DO AUTOR, E NÃO PERMITINDO QUE O AUTOR FICASSE ACOMPANHADO DE SEU CÃO-GUIA. 3. APELO VOLUNTÁRIO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDOS (TJ-DF - AC: 20030110577594 DF , Relator: CRUZ MACEDO, Data de Julgamento: 11/04/2005, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: DJU 28/04/2005 Pág. : 80)
Nesse sentido, a aplicabilidade da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Dec. 3.956/2001), art. 5º, § 2º, da Constituição Federal norma de hierarquia supralegal.
A Convenção Interamericana Para A Eliminação De Todas As Formas De Discriminação Contra As Pessoas Portadoras De Deficiência Os Estados Partes Nesta Convenção, Reafirmando que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano;
Considerando que a Carta da Organização dos Estados Americanos, em seu artigo 3, j, estabelece como princípio que "a justiça e a segurança sociais são bases de uma paz duradoura";Preocupados com a discriminação de que são objeto as pessoas em razão de suas deficiências; Comprometidos a eliminar a discriminação, em todas suas formas e manifestações, contra as pessoas portadoras de deficiência;
A proteção à pessoa portadora de deficiência decorre do Dec. 3.956, mas, também, da eficácia horizontal dos direitos individuais, que têm aplicação imediata art. 5º, § 1º, da CF; além da Aplicação da Lei 11.126, de 2005, que trata da integração dos portadores de deficiência visual competência. A aplicabilidade imediata da garantia ali assegurada art. 5º, § 1º, da Constituição Federal.
A responsabilidade civil decorrente do ato ilícito cometido pela empresa de táxi é,in re ipsa, não necessitando de demais elementos probatórios para sua comprovação.
A responsabilidade é objetiva, já se extraindo do próprio dispositivo legal, Artigo 14 do Código do Consumidor, a conclusão de que o acontecimento notificado (rectius: fato do serviço) viola os direitos humanos e o direito do consumidor gerando danos morais.
O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, conceitua o dano moral como:
“Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359).
Nesse sentido, também leciona Nehemias Domingos de Melo:
“dano moral é toda agressão injusta aqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica”. (MELO, 2004, p. 9)
Como bem explicado pelo Doutrinador Gonçalves, “Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.
A angústia, a preocupação e os sentimentos proporcionados por situação de injustiça são inegáveis. Por outro lado, a consciência de que está sendo impedido de entrar no táxi por estar acompanhado de seu cão-guia ainda traz a sensação de impotência. Tudo isto traz alterações de ânimo que devem ser entendidas como dano moral.
O descumprimento da legislação que permite o acesso de pessoa portadora de deficiência visual acompanhada de cão-guia é ato ilícito que gera dano moral passível de reparação. Nesse sentido, podemos acompanhar o acordão de recurso inominado onde atuei como patrona:
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. TÁXI. TRANSPORTE DE DEFICIENTE VISUAL ACOMPANHADO DE CÃO-GUIA RECUSADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. OFENSA AOS ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR FIXADO EM CONSONÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Incidem as regras insertas no Código de Defesa do Consumidor, na medida em que se trata de relação de consumo o conflito trazido aos autos, como quer a dicção dos Arts. 2º e 3º do CDC.
2. Pela sistemática do Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, a responsabilidade civil nos casos como o dos autos é objetiva, a qual independe de demonstração de culpa, não sendo reconhecidas as excludentes previstas no § 3º do citado artigo, surge o dever de indenizar atribuído ao fornecedor.
3. No presente caso, diante das provas colacionadas aos autos, resta patente a falha na prestação do serviço, uma vez que o taxista se recusou em transportar o autor (deficiente visual) por estar acompanhado de seu cão-guia. Com efeito, a causa excludente de responsabilidade civil prevista no artigo 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, não restou configurada.
4. O direito de transporte do deficiente visual juntamente com o seu cão-guia está expressamente definido no artigo 1º da Lei Federal 11.126/05, regulamentado pelo Decreto nº 5.904/06 em seu artigo 1º. Portanto, não há que falar em aplicabilidade da Lei Distrital nº 5.323/14 (prestação de serviço de taxi no Distrito Federal), tendo em vista vigência de lei especial a tratar acerca da matéria controvertida (transporte de deficiente visual acompanhado de cão-guia).
5. Insta salientar que a exploração do serviço de táxi é de interesse público permitida aos particulares por meio de permissão. Logo, possível a aplicabilidade da Lei Federal 11.126/05 (AgRg no REsp 1441510/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2015, DJe 31/08/2015); (REsp 1345827/AC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 27/03/2014) (Acórdão n.673289, 20120111320664ACJ, Relator: JOÃO FISCHER, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 23/04/2013, Publicado no DJE: 07/05/2013. Pág.: 212).
6. A defeituosa prestação do serviço, a par de evidenciar desrespeito ao consumidor, ultrapassa a esfera de mero aborrecimento e tipifica dano moral indenizável, por ofensa aos atributos da personalidade da parte autora.
7. Isso posto, a compensação por danos morais é medida que se impõe.
8. Na seara da fixação do valor da reparação devida, mister levar em consideração a gravidade do dano, a peculiaridade do lesado, além do porte econômico da lesante. Também não se pode deixar de lado a função pedagógico-reparadora do dano moral consubstanciada em impingir à parte ré uma sanção bastante a fim de que não retorne a praticar os mesmos atos, sem, contudo, gerar enriquecimento sem causa.
9. Desse modo, considerados os parâmetros acima explicitados, o valor arbitrado pelo juízo monocrático (R$ 3.000,00) não se mostra excessivo, a amparar a sua manutenção.
10. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos.
Condenado o recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. (Acórdão n.898696, 20150410028956ACJ, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 06/10/2015, Publicado no DJE: 08/10/2015. Pág.: 320)
Assim, o dano moral tem lugar quando a conduta do agente lesiona direitos personalíssimos do indivíduo, dentre eles, o direito à dignidade da pessoa humana. Sendo o dano moral in re ipsa, uma vez demonstrado o evento danoso e a presença dos pressupostos da indenização, cumpre lembrar que estamos tratando de responsabilidade objetiva, restando caracterizado o dever de indenizar por parte da demandada, eis que, indene de dúvida a falha n a prestação do serviço, diante da recusa do taxista em transportar o autor porque acompanhado de seu cão-guia.
Uma vez fixada à responsabilidade nos termos acima, quanto à configuração dos danos morais, restando evidentes, os quais se presumem, conforme as mais elementares regras da experiência comum, prescindindo de prova quanto à ocorrência de prejuízo concreto.
Sendo certo que o dano moral decorre de violação aos direitos da personalidade porque negado um serviço, do qual o autor, na qualidade de beneficiário, ostenta direito absoluto, com eficácia erga omnes, pois o seu respeito é imposto a todos (Estado e particulares), pois, conforme leciona Maria Helena Diniz, trata-se do direito de cada pessoa de defender o que lhe é próprio, como a vida, identidade, liberdade, privacidade, honra, opção sexual, integridade, imagem. "É o direito subjetivo de exigir um comportamento negativo de todos, protegendo um bem próprio, valendo-se de ação judicial." (DINIZ, 2010).
O Superior Tribunal de Justiça vem adotando sistematicamente o entendimento de que "a concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (dano in re ipsa).
Averiguado o evento danoso, surge a necessidade de reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)" (REsp n. 23.575, DJU de 1º de setembro de 1997, Rel. Ministro César Asfor Rocha).
POR YNGRID HELLEN GONÇALVES DE
OLIVEIRA -OAB/DF 44.727
-Graduada pela instituição de Ensino Icesp/Promove Brasília-DF;
-Especialista nas áreas Cível, Criminal e Consumidor. Atuação em Juizados Especiais cível e criminal, Tribunal de primeira instância, Tribunal de Segunda instância, e Tribunais Superiores. Além da atuação com consultoria e assessoria jurídica, acompanhamento processual jurídico e/ou administrativo;
-Membro da Comissão de Ciências Criminais- OAB/DF;e
-Aprovada na
prova da OAB quando cursava o 9º.
semestre da faculdade.
Contatos:
(61) 98426-3146
yngrid.hellen@gmail.com
www.facebook.com/yngrid.oliveira
https://br.linkedin.com/yngrid-gonçalves
Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.