Autora: Franciele Vieira (*)
A mulher começa construir a ideia de ser mãe muito antes da concepção e, no processo de gestação, essa ideia vai tomando forma, ao saber que existe um outro ser sendo gerado dentro dela, as alterações hormonais acontecendo, as mudanças no corpo, cabelo, pele, unha etc. (cada uma terá sua particularidade), os pensamentos sobre: medo, curiosidade em como manter um outro ser vivo, bem alimentado e cuidado, vão surgindo. Mas há uma grande diferença entre ser mãe (gerar e parir um outro ser da mesma espécie) e o tornar-se mãe (conjunto de cuidados físicos, emocionais e cognitivos) e o nosso objetivo nesse texto é trazer uma reflexão sobre a segunda ideia, onde até mesmo a mulher que sonhou com essa realização, terá seus momentos de crises existenciais no sentido de questionar-se se fez a escolha certa.
Do desejo, até a concepção, todo processo de gestação, transformação, crescimento da barriga, etc., a mentalidade da mulher vai se constituindo e formando, na construção do tornar-se mãe, até que chega o tão esperado momento do parto, momento esse tão misterioso para uma primeira vez, que também por uma construção social é temido por muitas mulheres e que por vezes, hoje o desejo pelo parto cesariana tem crescido como opção de muitas. Eis que o parto aconteceu e esse bebê se torna um novo integrante habitando um lar, um espaço, uma rotina e que nova rotina. Melanie Klein descreve que o bebê sente até os quatro meses que ele e a mãe são um ser único, ocorrendo a partir deste momento, processos importantes no psiquismo infantil. Experiencias essas, significativas para subsistência e permanência desse ser. A mulher por ora, abdica de todas suas necessidades pessoais, individuais e fisiológicas, para dar conta da necessidade de um outro ser, que agora é de sua “total” responsabilidade e que vai a desejar exclusivamente a todo momento, até porque colinho de mãe independe da idade, na dificuldade, na regulação emocional será o desejo de qualquer individuo.
Pois bem, por ser um ser primitivo, o bebê ainda não possui civilização e a sua principal maneira de se comunicar com o mundo acontecerá por meio do choro, o choro é o principal alerta de socorro elaborado por esse indivíduo; então o cuidador acionado por esse comando, logo averiguará o ocorrido, na tentativa de decifrar o significado da necessidade daquele momento: fome, fralda cheia, frio, calor, ruídos desconfortáveis, sono, incomodo da textura da roupa, sensação de abandono, etc. Com o passar do tempo e também pela rotina que é essencial ser construída, essa mãe vai aprendendo a se comunicar melhor, mas até que isso aconteça, essa mulher que nunca passou por isso antes passa por um misto que questionamentos.
Como falado a cima, o bebê na tentativa de que sua necessidade seja atendida, vai chorar, sem sabe explicar o que é, até que alguém o auxilie a regular suas emoções. Agora imagina um adulto, que não entende suas próprias emoções, não os sabem regular a si, gerir seus pensamentos e atitudes, tendo que lidar com um outro ser, externo a ele também precisando ser regulado, acolhido e amparado.
Historicamente, fisiologicamente e culturalmente, a mulher nasceu para ser "mãe", mas qual o conceito de mãe que você interlocutor tem? Pensa um pouco… O dicionário Aurélio traz as seguintes conceituações: substantivo feminino; Aquela que gerou, deu à luz e criou um ou mais filhos; Aquela que criou uma ou mais crianças, embora não tenha relação biológica com ela. [Zoologia]Fêmea de animal que teve sua cria ou oferece proteção ao filhote que não é seu. [Figurado]Quem oferece cuidado, proteção, carinho ou assistência a quem precisa.[Figurado]Razão de algo ou o que dá origem a alguma coisa[Figurado]O que há de mais importante e a partir do qual os demais se originaram; principal. No senso comum, para maioria dos seres humanos, "mãe" é aquela que cuida, alimenta, protege, zela, defende, educa, ensina e muitos outros verbos que podem ser usados aqui, mas é sabido que nenhum indivíduo é igual, e por suas multiplicidades em ser, cada um será aquilo que consegue ser, baseado em suas experiências, desejos, anseios, condições físicas, emocionais e econômicas.
Sofre, o indivíduo que tem um conceito contradizendo a sua realidade, ou seja, se eu acredito que mãe zela, cuida e alimenta, por que a minha não faz isso? Como assim: não me cuida, não me ama, não me protege, não me alimenta? O indivíduo é coerente, como já falei a cima, ele vai ser o que consegue ser, o que aprendeu ou reconstruiu diferente, exatamente porque acredita que aprendeu ou recebeu errado; cada um escolhe fazer ao seu modo e baseado nas suas próprias verdades. Para quem teve a ideia de mãe correspondente tanto em suas crenças internas e quanto no real, esse indivíduo, por vezes, reproduzirá o máximo do reportório aprendido com sua ancestral mais recente, ou se não consegue ser para o próprio filho o que a mãe foi para ela, sofre por não se sentir suficiente e capaz! Já o que não teve a correspondência da crença com a realidade, pode escolher fazer o mesmo que lhe aconteceu, se eu não tive amor, também não o darei, ou prefere fazer exatamente o contrário, dar tudo que não teve! Ai pode entrar um novo conflito, a super proteção, o cuidado excessivo por esse outro que acaba, por vezes, sufocando-o; um outro ponto é achar que, se minha mãe me ama, ela me auxilia na dificuldade, entrando a ideia da rede de apoio, a necessidade dessa rede, que por vezes volta a questionar o papel da nossa mãe que não me cuida quando eu sou mãe, ou a avó que surgi, cuidando ao ponto de se tornar a mãe desse bebê, tirando da filha essa posição, que por vezes se acomodam na tentativa de manterem a sua própria identidade, podendo terceirizar esse papel.
A necessidade de auxílio que essa nova mulher/mãe vai necessitar, coloca em cheque toda ideia da razão de sua própria existência, tanto por parte de seus entes queridos, objetos de amor e admiração, que são seus próprios pais, quanto a escolha do seu parceiro, pai do bebê. No senso comum, costumamos dizer que um indivíduo conhece verdadeiramente o outro no momento da dificuldade, quem está ali, para quando o barco afundar, quem vai estender a mão e dar o socorro; todas essas vivências serão captadas pelo nosso cérebro: sistema límbico, memória, função executiva e por ai vai, se tornando um marco também, para as futuras manutenções das relações, sejam conjugais, sejam maternais; colocando em questionamento e sendo mais um pilar na construção da identidade do tornar-se mãe.
Como não surtar diante desse misto de situações? Como não entrar em crise existencial? A mulher é violentada psicologicamente e moralmente pela sociedade o tempo inteiro, a todo custo; tanto no papel de mulher, quanto no papel de mãe. A sociedade romantiza muito o maternar, como se fosse apenas flores, prases e alegria e a mulher que não se sente assim pode vir a acreditar que é um monstro, incompetente, anormal; mas não é pra ser assim… tudo bem também passar por dificuldade, tudo bem descobrir que não gostou muito desse papel e tudo bem também pra quem o adora. Só não podemos continuar a maltratar o nosso “sexo frágil” que de frágil nada tem! Ser mulher é ser muito, ser mulher/mãe então… é inexorável. E lembre-se, tudo passa, inclusive a fase difícil.
REFERENCIA:
A relação mãe-bebê e a estruturação da personalidade. Rubens de Aguiar MacielI; Coronélio Pedroso RosemburgII. Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/sausoc/2006.v15n2/96-112/pt/> acesso em: 14 mar 2023.
Dicionário Aurélio. Aurélio Buarque Ferreira <https://www.dicio.com.br/mae/> acesso em: 14 mar 2023.
*FRANCIELE VIEIRA PEREIRA
-Graduada em Psicologia pela União Metropolitana de Educação e Cultura - Unime (2016);
-Pós graduada em Docência do Ensino Superior pela Associação Educacional Leonardo da Vinci - Uniasselvi (2019);
- MBA em Gestão Pública pela Associação Educacional Leonardo da Vinci - Uniasselvi (2020);
- Pós graduanda em Neuropsicologia pela Faveni
-Atende na Abordagem Cognitivo Comportamental e
- Atua como Psicóloga :
- Clínica;
- Escolar e
- Perita no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
Nota do Editor:
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