Autora: Mônica Falcão(*)
A intenção deste artigo é apresentar um pouco das ideias de um educador que, apesar de terem sido pensadas no passado e em outro lugar do mundo, me parecem bem relevantes para o período em que vivemos, cujas transformações políticas têm seguidamente levado ao esfacelamento de nossa educação.
Tsunessaburo Makiguchi (1871 - 1944), educador japonês, desenvolveu uma pedagogia de criação de valores humanos. No Brasil é quase desconhecido, mas suas ideias são muito atuais, ainda mais em um tempo em que os valores parecem ter desaparecido da pauta. O propósito de suas práticas pedagógicas é liberar o potencial criativo e a consciência comunitária, tendo em vista a felicidade de cada criança e o desenvolvimento de uma sociedade pacífica.
Indo de encontro às ideias políticas da época, declarou que"a liberdade e os direitos do indivíduo são sagrados e invioláveis."
"Ao menos que se estabeleça o objetivo principal, os meios não poderão ser fixados. Sem uma visão de mundo, não se pode compreender a nação. A menos que se proteja a vida da nação, não há como assegurar a vida individual. Portanto, se desejamos assegurar a sobrevivência individual em cada lar, devemos primeiro garantir a sobrevivência da nação. Mas sem o bem-estar do mundo, não há como garantir o bem-estar de uma nação. (1983, v.1, p.10)
Assim como Dewey, Makiguchi não cultuava cegamente o progresso, aliás, questionou-o sob vários ângulos. As ideias de Dewey eram de seu conhecimento, e em muitos pontos são confluentes. Enquanto Dewey clama por uma revolução Copernicana que coloca a criança como centro, Makiguti, de forma semelhante, empenhou-se para tornar o que hoje chamaríamos de “os maiores interesses da criança” o ponto central da teoria da teoria e prática educacionais. Denunciou o conhecimento dado à força, distante das realidades cotidianas das crianças.
"Sou impelido pelo forte desejo de impedir que a deplorável situação atual atormente a próxima geração – dez milhões de nossas crianças e estudantes forçados a suportar a agonia da competição irracional, a dificuldade de conseguir entrar em boas escolas, o “inferno das provas” e o sofrimento para encontrar um emprego depois de se formar. Portanto, não tenho tempo para me preocupar com as mudanças nos caprichos da opinião pública... (1982)"
Makiguchi defendia uma perspectiva educacional democrática e participativa. E considerava isso um aspecto essencial para assegurar o direito da criança de aprender. Encorajava os pais, principalmente as mães, a se envolver ativamente na educação de seus filhos. Isso em uma época em que as mães pouco podiam intervir nessas questões educacionais.
A metodologia da educação criadora de valor de Makiguchi sugere a mudança de ênfase da educação como transmissão de conhecimento para a educação como processo de aprender a aprender. Conforme o autor:
"[A educação] não é um comércio fragmentado de informações, mas o fornecimento de chaves que permitirão às pessoas destrancar o cofre de conhecimentos por conta própria; não consiste em deixar o esforço próprio de lado para se apropriar do conhecimento acumulado por outros, mas de orientar as pessoas a seguir o próprio caminho de descobertas e invenções. (1994)"
Esse caminho de "descobertas e invenções" pode ser descrito como o esforço autônomo do aluno para descobrir e criar valor em meio às realidades da vida.
Para os professores isso significa reavaliar seu papel. Precisam ser diligentes em seus esforços para aprofundar a compreensão de como ocorre o aprendizado e orientar com todo cuidado o processo de aprendizado do aluno.
O ponto principal para Makiguchi é a teoria do valor. Ele adaptou e reorganizou o sistema de valor neokantiano de verdade, bondade e beleza para belo, benefício e bem. Belo é aquilo que traz satisfação à sensibilidade estética do indivíduo; benefício como aquilo que desenvolve a vida individual de maneira holística; e o bem como aquilo que contribui para o bem-estar da sociedade humana como um todo.
Tanto Dewey como Makiguchi acreditavam que era de vital importância proporcionar às crianças a oportunidade de pensarem e adquirirem experiência em ambientes da vida real. Os dois autores lamentavam o banimento da experiência no ambiente educacional. Makiguchi propõe uma solução semelhante ao pensamento de Dewey:
"A educação escolar deveria estar ligada, na prática, à realidade da vida social de modo que ela transforme a participação inconsciente numa participação plenamente consciente na vida social. O ensino integrado à vida social produzirá benefícios de uma vida bem planejada sem o efeito indesejado de uniformidade mecânica, um perigo inerente à educação padronizada. (1984)"
Do modo como havia sido estabelecido, a escola se mostrava incapaz de ajudar os alunos a desenvolver um raciocínio crítico com relação às condições sociais e de contribuir de forma construtiva para o aprimoramento deles. Além disso, os métodos de instrução tradicionais permaneciam distantes da abordagem científica empírica que provava ser tão eficaz em outros campos da atividade humana.
Nas palavras de Makiguchi, não deveríamos ver o "estudo como uma preparação para a vida, mas como algo que capacitará as pessoas a aprender no curso da vida.”
"Para uma criança que age por iniciativa própria, o estudo pode ser descrito como algo inovador, investigativo e criativo. Acender uma chama eterna de paixão pela descoberta em todas as crianças, que as conduza infalivelmente a raciocinar por si mesmas, a tomar as próprias decisões e realmente vivenciá-las, na opinião de Makiguchi, é oferecer às crianças as chaves que dão acesso ao palácio do tesouro do saber." IKEDA, Daisaku. Educação Soka: por uma revolução embasada na dignidade da vida. São Paulo: Editora Brasil Seikio, 2017.
REFERÊNCIAS:
MAKIGUCHI,
Tsunesaburo. Obras Completas de Tsunesaburo Makiguchi. Tóquio: Dansai
Bunmei-sha, 1983.
VOSS,
Rita Ribeiro. A pedagogia da felicidade de Makiguti. Campinas, SP:
Papirus, 2013.
*MÔNICA FALCÃO PESSOA
- Professora Universitária de Português e de Literatura Brasileira, formada pelo Mackenzie;
- Mestre e Comunicação e Semiótica pela PUC/SP;
- Tutora em programas de leitura como "Quem Lê Sabe Por Quê".
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