domingo, 8 de dezembro de 2019

Quem não age também fere – a si mesmo e ao outro




Autora: Karla Kratschmer(*)



A incerteza da consequência de uma escolha parece cada vez mais perturbadora.
“Qual será o resultado disso?” “Quanto tempo levará?” “E se eu escolher errado?” “E se eu fracassar?”.
E muitas vezes esses questionamentos aparecem na análise de forma bastante direta: “estou fazendo certo, ou errado?”; e diante deles costumo dizer que não existe UM certo ou UM errado; que o certo ou o errado, o bem ou o mal, são relativos a cada pessoa.
Contardo Calligaris, expressa isso muito bem dizendo que “a preocupação moral não é estrangeira ao trabalho psicoterápico, mas, para o terapeuta, o bem e o mal de uma vida não se decidem a partir de princípios preestabelecidos; eles se decidem na complexidade da própria vida da qual se trata.
Um mesmo sintoma pode ser a razão do sucesso ou do fracasso de uma existência. Se você sofre de insônia, porque, por exemplo, sua história o condena a ser para sempre a sentinela da casa, pode acontecer que você se torne o responsável noturno mais confiável de uma central nuclear ou, ao contrário, que você atravesse a vida de café em café, numa luta extenuante contra o sono que, obviamente, sobra para o dia. Em suma, a insônia não é nem ruim nem boa”. [1].
Penso que – como dizem – assim como o que diferencia o remédio do veneno é a dosagem, também é com qualquer sentimento e sintoma. Tudo pode vir a se tornar patológico se não for bem dosado e tratado.
O médico canadense Gabor Maté em entrevista recente para a BBC fala sobre os vícios terem origem em traumas e que “não estamos atacando as causas do problema” que “o que se deve perguntar sobre dependência química [e qualquer tipo de dependência, penso eu] não é ‘qual é o vício?’ mas sim 'qual é a dor?''" [3].
O ser humano tem como defesa natural a tentativa de evitar e até mesmo anular as angústias, angústias essas que são inerentes a vida; e é aí que muitas vezes o vício encontra espaço para se acomodar.
Assim também é com a insegurança na tomada de decisões; o medo diante do próximo passo pode ser benéfico, mas também paralisar.
Na clínica é muito comum repararmos nessa “paralisia” onde pelo medo do passado se repetir ou pelo medo do resultado futuro o presente é paralisado. Tomando emprestado novamente as palavras de Calligaris “parece que saímos de uma cultura em que o passado nos impedia de inventar o presente para entrar numa cultura em que o futuro nos impede de saborear o que estamos vivendo.
É frequente, por exemplo, que alguém recuse um namoro porque “não sei no que vai dar”. O prazer que uma relação proporciona é preterido porque duvidamos de seu futuro.” [1].
Muitas vezes a indecisão também esbarra num conflito entre aquilo que a pessoa sente que será o melhor para ela e aquilo que parece ser o correto a fazer. Nilton Bonder dirá algo bastante interessante sobre nossas buscas parecerem tão assustadoras; ele dirá que elas “permitem vislumbrar o novo “bom” possível, mas não necessariamente o novo “correto” que o acompanhará” e que “a ausência desse novo “correto” ameaça profundamente o ser humano, e de forma inconsciente”. [2].
Costumamos nos incomodar com os clichês, mas já reparou como muitas vezes soam úteis? Pois bem, aqui gostaria de trazer um deles que é: escolher não escolher também é escolha; e novamente citando Calligaris: “Das várias formas possíveis de infelicidade, a que me parece mais aflitiva não é necessariamente a que mais dói. Muito mais trágico me parece o destino de quem atravessa a vida sem se molhar, como se os eventos (felizes ou nefastos) escorressem sobre a pele como água sobre as plumas de um pato.” [1].
E como é que você quer passar pela sua vida? Porque no final das contas ela acontecerá, e os eventos felizes ou nefastos também; esteja você em movimento ou não.



Fonte das citações:
[1]: CALLIGARIS, C. Cartas a um jovem terapeuta.
[2]: BONDER, N. A alma imoral.
[3]: MATÉ, G. Vícios têm origem em traumas e não estamos atacando 
as causas do problema.
*KARLA KRATSCHMER

Karla Kratschmer é psicóloga e psicanalista.
Sua atividade clínica abrange o atendimento psicoterápico para adultos e adolescentes.
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