sábado, 19 de julho de 2025

PEI e Adaptações Curriculares são ferramentas para uma escola inclusiva?


Marilice Pereira Ruiz do Amaral Mello


A construção de uma escola verdadeiramente inclusiva é uma tarefa que exige mais do que boa vontade: demanda compromisso ético, conhecimento técnico, planejamento pedagógico e sensibilidade para acolher a diversidade humana.

Entre os instrumentos pedagógicos essenciais para tornar essa inclusão uma realidade, destacam-se as adaptações curriculares e o Plano Educacional Individualizado (PEI). Estes são recursos que vão muito além de ajustes esporádicos — são, na verdade, pilares que sustentam o direito à aprendizagem de estudantes com deficiência ou outras necessidades educacionais específicas, em todos os níveis de ensino, ou seja do Ensino Básico à Pós graduação.

Ao longo das últimas décadas, a legislação brasileira vem avançando significativamente na garantia de direitos à população com deficiência. Desde a Constituição Federal de 1988, passando por marcos importantes como a Declaração de Salamanca (1994), a Lei Brasileira de Inclusão (2015) e legislações específicas sobre o Transtorno do Espectro do Autista (TEA), como a Lei Berenice Piana (2012), o ordenamento jurídico brasileiro reforça que o acesso à educação não se limita à matrícula, mas implica permanência, participação e aprendizagem significativa.

Para tanto, o currículo escolar, é compreendido como o espaço de construção coletiva do saber, permeado por valores, práticas e decisões políticas. Em uma escola inclusiva, é preciso reconhecer que o currículo, tal como concebido originalmente, não atende igualmente a todos os estudantes. Daí a necessidade de adaptações curriculares, que são intervenções planejadas para tornar os conteúdos, objetivos e avaliações acessíveis àqueles que apresentam dificuldades significativas de aprendizagem ou condições específicas de desenvolvimento.

Nesse contexto, é importante distinguir os conceitos de currículo adaptado e plano educacional individualizado. O currículo adaptado responde à pergunta "o que será ensinado?", enquanto o PEI se debruça sobre "como será ensinado?" e "de que maneira esse conhecimento pode ser acessado por este estudante em particular?". Ou seja, enquanto o currículo define os conteúdos, o PEI organiza a prática pedagógica individualizada, com metas, estratégias, recursos e avaliações específicas.

Para que a inclusão realmente aconteça se faz necessário a compreensão das diferentes formas de adaptação. Adaptações curriculares: consistem na modificação dos objetivos de aprendizagem. Envolvem a seleção, reorganização ou simplificação de conteúdos, com base nas reais possibilidades do estudante. Adaptações instrucionais: referem-se à maneira como o conteúdo será ensinado. Podem incluir uso de recursos visuais, tecnologia assistiva, mudanças nos métodos pedagógicos, suporte de um mediador, entre outras. Adaptações alternativas: geralmente utilizadas como último recurso, buscam desenvolver habilidades funcionais e práticas em contextos que extrapolam a sala de aula regular, como habilidades de vida diária e social. Tais adaptações devem acontecer pensando na necessidade de cada estudante.

Para tanto, essas adaptações devem ser cuidadosamente planejadas e executadas, sempre com base em avaliações diagnósticas precisas, que identifiquem o repertório do estudante, seus interesses, suas dificuldades e potencialidades. A avaliação comportamental, por exemplo, com instrumentos como AFLS e VB-MAPP, permite mapear o que o aluno já sabe, o que está em processo de aquisição e o que ainda precisa ser aprendido.

Desta feita, o PEI é uma ferramenta pedagógica estratégica e centrada no estudante, criada para organizar, acompanhar e avaliar o processo de ensino-aprendizagem de alunos com deficiência. Ele deve conter informações claras sobre:

  • Dados do estudante;
  • Avaliação diagnóstica e protocolos validados;
  • Metas acadêmicas e funcionais;
  • Programas de ensino;
  • Adaptações e recursos;
  • Critérios de aprendizagem e
  • Instrumentos de avaliação e registro de progresso
Um outro fato importante é que não vem sendo cumprido, é que a elaboração do PEI deve ser feita em até 30 dias após o início do ano letivo, no caso de estudantes ingressantes, e ao final do ano anterior, para alunos que já frequentam a escola. É importante que o documento seja flexível e dinâmico, ou seja, sujeito a atualizações conforme o desenvolvimento do estudante e as necessidades identificadas no decorrer do processo.

Além da equipe pedagógica, a família deve ser envolvida na construção do PEI, tanto no fornecimento de informações quanto na validação das estratégias propostas. A escuta ativa do próprio estudante, quando possível, também contribui para um plano mais ajustado às suas reais necessidades e interesses.

Contudo, os Desafios na Implementação e Formação Docente são muitos. Apesar da existência de legislações claras e de instrumentos pedagógicos eficazes, a implementação de práticas inclusivas encontra diversos obstáculos no cotidiano escolar. Entre os principais, destacam-se:
  • A falta de formação continuada dos professores na área de educação especial e inclusão;
  • A ausência de recursos didáticos e humanos adequados, como mediadores e materiais adaptados;
  • O desconhecimento sobre como adaptar atividades, conteúdos e avaliações; e
  • A resistência institucional a mudanças profundas na organização do ensino.
Muitos educadores sentem-se despreparados ou inseguros diante da tarefa de planejar para a diversidade. Por isso, é urgente investir na capacitação de professores, tanto do ensino regular quanto do Atendimento Educacional Especializado (AEE). A formação deve contemplar conteúdos sobre legislação, avaliação, elaboração do PEI, estratégias pedagógicas diferenciadas e uso de tecnologias assistivas.

Além disso, é fundamental fortalecer a atuação de acompanhantes especializados — profissionais que apoiam a inclusão no dia a dia da escola, com formação específica, prática supervisionada e atualização constante. A legislação já prevê essa atuação, com carga horária mínima e conteúdos voltados ao TEA, comunicação, autonomia e registro de informações. Ações essas importantes para se garantir um PEI bem estruturado que parte de critérios éticos e técnicos.

Nossas considerações são que, a fim de garantir uma educação verdadeiramente inclusiva é necessário o compromisso coletivo diante de um ato de transformação. A elaboração e aplicação efetiva do PEI, articulada com um currículo adaptado e práticas pedagógicas inclusivas, é um passo essencial nesse caminho. Mais do que um documento, o PEI representa o reconhecimento do estudante como sujeito singular, com direito à aprendizagem, ao respeito e à participação plena na vida escolar.

A inclusão escolar não é apenas uma questão de presença física dos estudantes nas salas de aula, mas uma prática pedagógica consciente, planejada e comprometida com o desenvolvimento integral de todos. Para isso, é urgente investir na formação dos professores, reformular políticas públicas de educação inclusiva e promover uma cultura escolar que valorize as diferenças como potência para o aprendizado coletivo. O PEI, quando utilizado com intencionalidade e afeto, torna-se um caminho viável para que a escola, de fato, se transforme em espaço de pertencimento, aprendizagem e cidadania.

Para isso, é preciso romper com modelos padronizados, investir na formação continuada, construir redes de apoio e adotar metodologias inovadoras que favoreçam a inclusão.

"A inclusão só acontecerá realmente quando nos transformarmos.

Assim, quando tivermos a verdadeira inclusão, é porque nos transformamos."

MARILICE PEREIRA RUIZ DO AMARAL MELLO














-Graduação em Pedagogia com habilitação Pré-Escolar pela UniversidadeMetodista de Piracicaba (1984);

-Mestrado em educação com linha de pesquisa em Gestão e políticas educacioinais pela Universidade Metodista de Piracicaba (2001);

-Doutorado em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUCSP (2013);

-Pós-graduação em Análise do Comportamento Aplicada em Pessoas com TEA.Universidade Federal de São Carlos-UFSCAr (2019);

-Pós - Doutorado pela UNEB- Campus VI- Caetité-BA, no Programa de Pós-graduação e em Ensino, Linguagem e Sociedade (PPGELS) - 2022;

- Pós - graduanda em Neuropsicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade Censupeg

-Tem mais de 40 anos de caminhada com atividades na educação como professora e gestora em diferentes níveis de ensino ;

São suas palavras:

"Em 2020 reativei meu Canal do Youtube com lives e vídeos, com conteúdos voltados a educação e desenvolvimento humano;
Sou idealizadora do projeto do "Café com Pauta" que apresentam temas relacionados ao TEA e inclusão escolar e
Ao longo da minha trajetória de mais de 40 anos, dedico-me à formação de professores e à promoção de práticas pedagógicas inclusivas, interdisciplinares e sensíveis à diversidade humana"

Contatos:


Instagram: @marilicemello e

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sexta-feira, 18 de julho de 2025

Correntes Invisíveis da escravidão moderna


 @ Maiara Tintiliano Teixeira


A escravidão moderna não se revela com correntes de ferro ou leilões públicos.

Ela se esconde atrás de contratos ambíguos, promessas vazias e dívidas impagáveis. É silenciosa, mas devastadora. Uma realidade que aprisiona milhões de pessoas em um ciclo de exploração, onde a liberdade é negociada pela simples chance de sobreviver.

A dívida, em sua forma mais perversa, tornou-se uma ferramenta de dominação. Trabalhadores são atraídos por promessas de emprego, educação ou migração, mas ao chegarem ao destino, descobrem que devem pagar por transporte, alojamento, alimentação e tudo a juros abusivos.

O salário nunca cobre o débito. E assim, o tempo, o corpo e a vontade tornam-se propriedade de outro. Essa forma de escravidão se manifesta em campos agrícolas, fábricas têxteis, minas escondidas e casas onde mulheres e crianças trabalham sem salário, sob ameaça constante.

Um exemplo recente e chocante de escravidão moderna no Brasil ocorreu em fevereiro de 2023, quando mais de 200 trabalhadores foram resgatados em condições análogas à escravidão em vinícolas de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.

Esses trabalhadores, em sua maioria migrantes nordestinos, eram submetidos a jornadas exaustivas das 5h às 20h com folgas apenas aos sábados, relatos indicam que recebiam comida estragada, eram espancados, e sofriam agressões com choques elétricos e spray de pimenta. Além disso, muitos estavam com documentos retidos, o que os impedia de deixar o local, caracterizando o trabalho forçado.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, 918 pessoas foram resgatadas de situações semelhantes apenas no primeiro trimestre de 2023, o maior número registrado em 15 anos.

Em redes de tráfico humano, dívidas fictícias são usadas para manter vítimas presas em ciclos de exploração sexual.

Vivemos em uma era que se orgulha de avanços tecnológicos e direitos humanos, mas a escravidão moderna é uma ferida aberta no tecido da sociedade global.

Ela prospera nas zonas cinzentas da legalidade, alimentada por desigualdade, pobreza e corrupção. Empresas terceirizadas são as que mais se beneficiam da degradação das condições de trabalho em suas cadeias de produção. Aproveitam-se da vista grossa de quem deveria fiscalizar e punir práticas abusivas.

O fato é que embora seja do conhecimento de toda a população a existência dessa forma de exploração, a cadeia de consumo é alheia a qualquer tipo de atitude que serviria para frear esse tipo de produção, o consumo sempre virá em primeiro lugar, o capitalismo nos escraviza.

Combater a escravidão moderna exige mais do que leis, exige consciência coletiva de que o mau do mundo é o capitalismo, o consumo na sua forma de prisão: quando a ânsia de querer e desejar algo fútil e em excesso garante o luxo de grandes bilionários que se aproveitam da miserabildade e dificuldade do pobre para ofertar, partindo do desespero da pessoas, trabalhos degradantes: ratificam a escravidão moderna.

Essa forma de escravidão é o reflexo sombrio de um sistema que ainda privilegia o lucro sobre vidas. Mas ao reconhecer suas formas e causas, educando a população, dando acesso ao pensamento crítico, podemos começar a desmantelar suas estruturas. Porque liberdade não é apenas ausência de correntes é presença de dignidade.

Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Segundo o relatório Global Estimates of Modern Slavery da OIT, mais de 50 milhões de pessoas vivem em situação de escravidão moderna no mundo, sendo 28 milhões em trabalho forçado, muitas vezes relacionado à servidão por dívida.


MAIARA TINTILIANO TEIXEIRA

















- Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista - UNIP - 2020;

- De esquerda, feminista e apaixonada pelas discussões políticas.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 17 de julho de 2025

Vamos falar sobre férias escolares?

@ Fernanda Caliano
 

Esse é um tema bastante polêmico, porém discutido apenas em época de férias escolares, em caso de pais separados.
E a dúvida que vem é: como ficam as férias escolares e a questão de convívio entre os pais?
O detentor da guarda se vê em uma situação complicada onde precisa compartilhar os dias da criança em casa e o não detentor da guarda gostaria de estar próximo nesses dias, mas como resolver?

Primeiro precisamos verificar se os genitores tem um acordo judicial com relação a convivência, e se neste acordo consta algo referente as férias, caso conste em acordo judicial, o recomendado é seguir, assim todos ficam em seus dias determinados e combinados.

Quando no acordo judicial não fala sobre férias, podemos seguir de duas formas, a primeira é através de uma conversa, demonstrar as situações e pontos importantes e assim os pais chegam entre eles a uma decisão boa para ambos e seguem o acordo, isso para caso em que os genitores conseguem ter bom diálogo.

Caso os genitores não consigam ter bom diálogo, o recomendado é buscar o judiciário e revisar o acordo de convivência já definido entre ambos, e assim incluir o período de férias.

O período de férias, normalmente se compreende janeiro e julho, para seguir o cronograma escolar, mas nada impede, caso a escola tenha férias em dezembro de incluir o mês de dezembro no acordo.

Ocorre que alguns pais não conseguem conciliar as férias de trabalho com as férias escolares e assim aproveitar o período com os filhos, sendo um ponto delicado a tratar, porém como sempre falo, tudo pode ser tratado em um diálogo, as vezes o genitor/a não detentor da guarda gostaria de conviver com o filho no seu período de férias que não é o mesmo das férias escolares e pede esse convívio judicialmente, isso pode? Pode. Mas vale lembrar que quando a criança não está de férias, ela precisa seguir uma rotina escolar, cursos extras, alimentações, entre outros, e tudo precisa ser levado em consideração, não pode o genitor, sem acordo ou sentença judicial, em suas férias , não sendo férias escola, viajar com o filho, por exemplo por 15 dias, atrapalhando sua rotina e desempenho escolar.

É importante o convívio sim, porém a criança precisa de rotina e isso precisa ser respeitado.

Sempre que for fazer um acordo de convivência, lembre-se de colocar de forma detalhada todos os pontos, assim visamos uma convivência sem questionamentos.

FERNANDA CALIANO
















-Advogada  graduada em Direito  pela ESAMC (2022);

- Pós graduada em Direito Tributário – Faveni (2021)

- Pós graduada Direito Notarial / registral e extrajudicial – Proordem (2022);

 -Pós graduada em Direito de Família e sucessões – Legale (2024); 

- Pós graduanda em Direito Médico - Legale;

- Pós graduanda em Direito Imobiliáio - Legale;

-Mediadora e conciliadora extrajudicial – Centro de mediadores (2022);

- Especialista em Direito do consumidor, direito trabalhista, direito de família e alienação parental e

-  Palestrante

Nota do Editor:

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quarta-feira, 16 de julho de 2025

A face cruel dos golpes bancários contra servidores públicos e a banalização da dor

 

@ Susanne Vale Diniz Schaefer


O Brasil vive hoje uma epidemia silenciosa de fraudes financeiras. Segundo levantamento da Serasa, em 2024 foram registradas quase 3 (três) tentativas de golpe por segundo. Isso mesmo: por segundo![1]

O crescimento foi de 17% em relação ao ano anterior, com destaque para o perfil mais atingido, pessoas com mais de 50 anos, boa parte delas servidoras públicas. O prejuízo vai muito além do valor, alcançando a dignidade ferida, a confiança abalada, o nome comprometido e a sensação de impotência que se instala.

Atendo vítimas de fraudes bancárias há muitos anos e são histórias que se repetem, mas que nunca perdem a capacidade de me indignar. O que está em curso no Brasil vai além de incidentes isolados, estamos diante de um sistema que permite, facilita e em alguns casos até mesmo lucra com a desinformação e a dor alheia.

O servidor público, figura que representa estabilidade, previsibilidade de renda e confiança institucional, se tornou o alvo preferencial de fraudes e não é difícil entender o motivo. Seus dados estão expostos. Sua margem consignável está quase sempre disponível. E sua rotina é atravessada por ligações, mensagens e ofertas que, sob aparência legítima, escondem armadilhas com consequências graves.

Os golpes na área bancária não acontecem apenas por ação de quadrilhas externas, eles nascem e se fortalecem dentro da própria cadeia de vendas bancária. São correspondentes sem qualquer fiscalização, atendentes despreparados, plataformas terceirizadas que acessam dados sensíveis com autorização das próprias instituições financeiras. A engrenagem gira com fluidez porque há omissão, conivência e acima de tudo, um grande descaso com o consumidor.

Dentre os casos mais perversos, temos a falsa portabilidade de empréstimo, que é hoje uma das fraudes mais comuns. Nela, o servidor acredita estar reduzindo juros e aliviando seu contracheque, recebe um valor em conta que, segundo o atendente, "não é dele", e sim um recurso temporário a ser devolvido para a suposta quitação do contrato anterior. Mas o que de fato ocorre é a contratação de um novo empréstimo, sem qualquer liquidação do anterior. O servidor então passa a pagar dois contratos simultaneamente e quando busca ajuda, descobre que nem sequer há registro formal da portabilidade prometida, que não passava de um engodo para que o correspondente ou o fraudador, conseguissem receber o recurso do segundo empréstimo.

Esse tipo de fraude não seria possível se as instituições financeiras adotassem mecanismos mínimos de proteção. Mas em vez disso muitas delas terceirizam a captação de crédito para empresas cujo único foco é bater metas, não zelar pelo cliente. Funcionários de dentro da cadeia de vendas acessam sistemas bancários, inserem dados, preenchem contratos, conduzem a operação do início ao fim sem que o titular sequer compreenda o que está assinando.

A responsabilidade por essas condutas não é do consumidor. Ela é da instituição que lucra com a operação e o ordenamento jurídico brasileiro é claro nesse sentido. O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que o fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação dos serviços. A Súmula 479 do STJ consolida esse entendimento, de que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Temos ainda hoje outra preocupação, pois o cenário que já é alarmante tende a se agravar ainda mais com o avanço das tecnologias de inteligência artificial. A popularização de ferramentas de deepfake está criando uma nova geração de fraudes bancárias, mais sofisticadas, convincentes e difíceis de detectar.

Hoje golpistas conseguem imitar a voz de uma pessoa com poucos segundos de áudio, conseguem gerar vídeos aparentemente reais usando apenas imagens públicas da vítima, como aquelas postadas em redes sociais. Em poucos cliques, produzem uma gravação em que a pessoa "aparece" autorizando uma operação que jamais realizou.

Enquanto isso, os sistemas de validação adotados por muitas instituições financeiras continuam arcaicos e contratos de valores elevados estão sendo formalizados com base em uma simples selfie geolocalizada. Em alguns casos, basta um vídeo de segundos com o suposto cliente dizendo frases como "aceito contratar o empréstimo". Não há validação biométrica robusta, nem análise antifraude sofisticada, nem cruzamento de dados para confirmação da identidade, basta parecer verdadeiro.

É urgente que o sistema bancário seja atualizado à altura dos riscos que ele mesmo está criando, a mera aparência de consentimento não pode ser considerada manifestação válida de vontade e o princípio da boa-fé objetiva exige que o fornecedor do serviço aja com diligência, o que inclui adotar sistemas de autenticação que realmente protejam o consumidor e não apenas facilitem a venda.

Se uma instituição escolhe meios frágeis de validação para acelerar suas contratações, ela assume o risco e esse risco não pode ser empurrado para o consumidor depois que a fraude se concretiza. A justiça precisa estar atenta a esse novo cenário, porque os golpes do futuro já estão acontecendo hoje.

É muito comum que o servidor ao perceber o golpe se sinta tão culpado que alguns não contam nem para a família, por vergonha e medo. O fato é que boa parte acredita que não têm direito a reclamar de ter sido enganado, seja porque “assinou algo”, mesmo que não tenham compreendido e outros desistem no meio do caminho sufocados pela burocracia imposta pelos próprios bancos para impedir que a vítima leve adiante sua reclamação.

É por isso que sempre defendo que informação é ferramenta de justiça, defender essas vítimas é para mim mais do que um trabalho, é uma missão.

O Brasil precisa falar mais sobre essas práticas e reconhecer que não se trata de um problema individual, mas estrutural no qual o Judiciário tem papel decisivo na reparação, mas também na prevenção. Cada sentença que reconhece a fraude e condena a instituição financeira é um recado, cada decisão que aplica a responsabilidade objetiva ajuda a criar um padrão de conduta e é isso que buscamos, uma justiça que não apenas corrige, mas transforma.

REFERÊNCIA


SUSANNE VALE DINIZ SCHAEFER












Advogada graduada pela UNIESP (2017)

Pós- graduada em Direito Báncário pela PUC - Minas (03/2025)

 Pós-graduada em Direito civil e Processo Civil pela Faculdade Legale São Paulo (2020);

-Membro da Comissão de Direito Bancário e Comissão de Defesa do Consumidor na OAB Santos-SP;

-Agente de Crédito Bancária certificada de acordo com as normas do Banco Central, com mais de seis anos de experiência prática na área bancária especialista em crédito consignado;

-Sócia fundadora na Schaefer & Souza Advogados Associados, com equipe focada em processos envolvendo fraudes bancárias, possuindo o escritório além de área de amplo atendimento ao consumidor, nichos de atuação na esfera do direito civil, empresarial,trabalhista e previdenciário.

 -Autora do Canal "Via do Direito" no YouTube onde se compartilham conhecimentos sobre direitos, especialmente conscientizando consumidores e ensinando como evitar e como lidar com fraudes envolvendo crédito consignado.

Nota do Editor:


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terça-feira, 15 de julho de 2025

O simulador do INSS não mostra que sua aposentadoria pode estar escondida


 


@ Renata Brandão Canella

Muita gente acessa o simulador do INSS, pelo portal gov.br, e sai de lá desanimada, achando que vai trabalhar até os 65 anos ou mais. Mas o que poucos sabem é que esse simulador não revela todas as possibilidades de aposentadoria. E isso pode custar anos de espera, e de dor.

A verdade é que o sistema do INSS deixa de fora diversos cenários previstos em lei, como a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, a aposentadoria híbrida (urbana e rural) e a aposentadoria antecipada especial, aposentadoria por idade rural ou na pesca artesanal, aposentadoria com os aceleradores de tempo (como por exemplo: trabalhos informais).

Um exemplo: uma mulher com 55 anos e 30 anos de contribuição, que sente dores na coluna, mas continua trabalhando, pode acreditar que ainda falta muito para se aposentar. No entanto, com base na Lei Complementar 142/2013, se ela conseguir comprovar que tem uma redução funcional, mesmo sem estar incapacitada, pode conseguir o benefício antes do tempo, com 100% da média salarial.

A lei protege quem tem sequelas de doenças ortopédicas, problemas de coluna, dores crônicas ou até sequelas leves de acidentes, mesmo que antigos. E mais: não exige idade mínima.

Outro caso comum é de pessoas que trabalharam parte da vida na roça ou em pesca artesanal e depois foram para a cidade. Mesmo sem contribuição na fase rural ou pesqueira, esse tempo pode ser somado ao tempo urbano para garantir a aposentadoria por idade híbrida.

Há ainda quem tenha trabalhado em condições insalubres até 2019 e possa converter esse tempo especial em tempo comum, somando mais rápido os anos necessários para se aposentar. Ou seja, existem muitos caminhos para antecipar o benefício, só que o INSS não mostra.

É por isso que o planejamento previdenciário é tão importante. Sem orientação, muita gente desiste ou recebe um valor abaixo do que teria direito.

A dica é não confiar apenas no simulador. Buscar análise personalizada, revisar os documentos e considerar todas as hipóteses previstas em lei pode mudar completamente o seu futuro.

RENATA BRANDÃO CANELLA












-Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL- 1999);

-Mestre em Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2003);

-Advogada previdenciária com atuação no âmbito do Regime Geral de Previdência Social  (RGPS), Regime Próprio (RRPS), Previdência Complementar e Previdência Internacional;

- Especialista em 

   -Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2000) e
   -Direito do Trabalho pela AMATRA;


- Autora de artigos especializados para diversos jornais, revistas e sites jurídicos;

 -Autora e Organizadora do livro “Direito Previdenciário, atualidades e tendências” (2018, Editora Thoth);

-Palestrante;

-Expert em planejamento e cálculos previdenciários com diversos  cursos avançados na área;

-Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários (ABAP) na atual gestão (2020-2024):

-.Advogada da Associação dos Aposentados do Balneário Camboriú -SC(ASAPREV);

- Advogada atuante em diversos Sindicatos e Associações Portuárias no Vale do Itajaí - SC 

- Sócia e Gestora do Escritório Brandão Canella Advogados Associados.

Nota do Editor:

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segunda-feira, 14 de julho de 2025

O equilíbrio entre a liberdade de expressão e a isonomia entre candidatos na propaganda eleitoral


 


@ Leonardo Mattos Regiani

1.INTRODUÇÃO

A propaganda eleitoral é um dos pilares do processo democrático, pois permite que os candidatos divulguem suas ideias, propostas e posicionamentos à sociedade.

No entanto, sua regulamentação visa assegurar que essa divulgação ocorra em condições equitativas, respeitando o princípio da isonomia entre os concorrentes e evitando abusos de poder econômico, político ou midiático.

Diante disso, surge o desafio de equilibrar a liberdade de expressão com a necessidade de garantir um pleito justo e igualitário. Este artigo tem como objetivo analisar as principais regras que disciplinam a propaganda eleitoral no Brasil, com enfoque nos limites impostos à livre manifestação do pensamento e nos mecanismos que buscam preservar a igualdade entre os candidatos.

2.FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DA PROPAGANDA ELEITORAL

A propaganda eleitoral está inserida no contexto dos direitos fundamentais, especialmente o direito à liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX, e art. 220 da Constituição Federal).

Contudo, essa liberdade não é absoluta, encontrando limitações na própria Constituição e na legislação infraconstitucional, notadamente o Código Eleitoral (Lei nº4.737/1965) e a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997).

A legislação eleitoral estabelece regras específicas sobre o período de início da propaganda (a partir de 16 de agosto do ano eleitoral), os meios permitidos (rádio, TV, internet, impressos, alto-falantes, entre outros), bem como as condutas vedadas, como a propaganda antecipada, o uso de bens públicos ou de caráter social, e a veiculação de conteúdo ofensivo ou sabidamente inverídico.

3.LIBERDADE DE EXPRESSÃO X ABUSOS NA PROPAGANDA

A liberdade de expressão no contexto eleitoral visa garantir que o eleitor tenha acesso a uma pluralidade de opiniões e informações. Entretanto, o uso indiscriminado dessa liberdade pode acarretar distorções no processo eleitoral, como a disseminação de notícias falsas, discursos de ódio e ataques pessoais.

Por essa razão, a Justiça Eleitoral atua para coibir excessos, inclusive com a possibilidade de aplicação de penalidades, como multas, direito de resposta e cassação de registro ou diploma.
ELEIÇÕES 2024. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. REPRESENTAÇÃO.PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. INTERNET. PROCEDÊNCIA NA CORTE REGIONAL. VEICULAÇÃO DE MENSAGEM OFENSIVA À HONRA DE CANDIDATO.EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. ART. 57-D, CAPUT E § 2º, DA LEI Nº 9.504/1997. MULTA. INCIDÊNCIA. CONFORMIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. SÚMULAS-TSE Nºs 28 E 30. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1.A conclusão do acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior (Súmula-TSE nº 30), segundo a qual "a garantia da livre manifestação de pensamento não possui caráter absoluto, afigurando-se possível a condenação por propaganda eleitoral negativa no caso de a mensagem divulgada ofender a honra ou a imagem de candidato, partido ou coligação, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos"(AgR-REspEl nº 0600328-07/SE, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 26.9.2023).2. Para além da descaracterização do dissídio jurisprudencial por força da Súmula-TSE nº 30, cumpre reiterar que o seu reconhecimento pressupõe a similitude fática e a divergência de entendimento entre as hipóteses confrontadas, o que não restou evidenciado na espécie. Incidência do óbice da Súmula-TSE nº 28.3. Agravo regimental ao qual se nega provimento. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060078976, Acórdão, Relator(a) Min. André Mendonça, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 01/07/2025. (Grifei)
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) manifestou-se de que a liberdade de expressão política possui especial proteção, mas pode ser restringida quando houver violação a outros valores constitucionais relevantes, como a dignidade
da pessoa humana e a honra  .

4. ISONOMIA E IGUALDADE DE CONDIÇÕES ENTRE OS CANDIDATOS

A isonomia entre os candidatos é princípio estruturante do Direito Eleitoral. A legislação busca assegurar igualdade de oportunidades na disputa, o que justifica restrições quanto à forma e ao conteúdo da propaganda.

Exemplo disso são os limites de gastos de campanha, o controle da mídia, a distribuição equitativa do tempo de rádio e televisão, e a vedação ao uso de estruturas estatais em favor de candidatos.

A atuação da Justiça Eleitoral, nesse ponto, é essencial para evitar que candidatos com maior poder econômico ou acesso privilegiado a veículos de comunicação desequilibrem o pleito.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem reafirmado a importância de medidas corretivas em casos de propaganda irregular, como a retirada de conteúdo, aplicação de multas e, em situações mais graves, ações de investigação
judicial eleitoral (AIJE) ou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), conforme exemplo abaixo.
ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA
ELEITORAL IRREGULAR. CANDIDATO. REELEIÇÃO.
MANDATÁRIO. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.
DISCURSO. VARANDA. EMBAIXADA DO BRASIL EM
LONDRES. REPRODUÇÃO DE VÍDEOS.
COMPARTILHAMENTO NAS REDES SOCIAIS. LIMINAR
INDEFERIDA. USO DE BEM PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO.
AFRONTA. ART. 37 DA LEI 9.504/97. MULTA.
APLICAÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL.

1 Informativo 969, Pet 7174 / DF, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Redator(a) do acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 10/03/2020 (Presencial).


SÍNTESE DO CASO


1.Trata-se de representação ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Jair Messias Bolsonaro, Walter Souza Braga Netto, da Coligação Pelo Bem do Brasil, de Carla Zambelli Salgado, Fábio Salustiano, Mesquita de Farias,
Alexandre Ramagem Rodrigues e de responsáveis por perfis no Twitter não identificados, sob a alegação de que o primeiro
representado - então presidente da República e candidato à
reeleição - proferiu discurso a apoiadores na sacada do prédio da embaixada brasileira em Londres, por ocasião de viagem oficial para comparecer ao funeral da Rainha Elizabeth II do Reino Unido, e cuja gravação em vídeo foi reproduzida e compartilhada em diversos perfis no Twitter.
2. Em decisão individual proferida no dia 15.5.2023, foi indeferida medida liminar e afastada a preliminar de perda de objeto da ação, determinando-se a exclusão na representação dos perfis de redes sociais não identificados, a qual foi referendada pelo plenário desta Corte Superior.
3. Foi homologada a desistência da representação quanto a Carla Zambelli Salgado de Oliveira, Alexandre Ramagem Rodrigues e Fábio Salustino Mesquita de Faria e, por conseguinte, extinto feito sem resolução de mérito em relação aos referidos demandados, nos termos do art. 485, VIII, do CPC.

ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO

Preliminar de perda do objeto

4. Não há falar em perda de objeto, porquanto, conforme consignado na decisão que indeferiu a liminar, o pedido formulado na AIJE 0601154-29, fundado na prática de abuso de poder, não abarcou o requerido na presente ação, persistindo o interesse jurídico da autora da representação em relação ao pedido de aplicação de multa por propaganda eleitoral irregular.

Mérito

Do caráter eleitoral da conduta

5.O evidente caráter eleitoral do conteúdo do discurso impugnado foi reconhecido no âmbito da AIJE 0601154-29, de relatoria do eminente Ministro Benedito Gonçalves.
6. Embora tenha examinado feito de natureza diversa, esta Corte Superior assentou que a sacada da Embaixada do Brasil em Londres foi convertida em palanque eleitoral, para enaltecimento do governo e mobilização do eleitorado, com vistas à reeleição do candidato, ferindo a isonomia entre os candidatos ao pleito presidencial.
7. Os representados não trouxeram elementos aos autos capazes de afastar as alegações da representante ou aptos a alterar a conclusão desta Corte de que, a despeito do princípio da interferência mínima da Justiça Eleitoral no debate democrático,a preservação da igualdade de oportunidade entre os candidatos que concorrem ao pleito eleitoral é uma diretriz para que esta Justiça Especializada exerça sua função de reguladora das eleições.
8. Foi realizado ato com caráter eleitoral em local pertencente ao Poder Público, contrariando regras eleitorais expressas na
legislação vigente, o que configurou a efetiva prática de
propaganda eleitoral em bem público, apta a atrair a aplicação
da sanção prevista no art. 37, § 1º, da Lei 9.504/97.Da ilicitude na atuação do representado como Chefe de Estado.

9. Não merece acolhida a alegada ausência de ilicitude em razão da atuação de Jair Messias Bolsonaro ter ocorrido na condição de Chefe de Estado comparecendo a compromisso oficial. Isso porque essa circunstância não exime o agente público de atuar dentro dos parâmetros legais e pautar-se pela observância à precípua finalidade dos atos praticados.


10. Ao proferir discurso para os seus apoiadores, visando notabilizar a sua imagem de candidato à reeleição ao fazer referência à sua possível vitória no primeiro turno das Eleições de 2022, o primeiro representado agiu distante da liturgia do cargo de presidente da República, realizando ato de natureza eleitoral ao arrepio da legislação de regência.

Do princípio da continuidade administrativa

11. Não obstante o legislador constituinte tenha privilegiado o princípio da continuidade administrativa ao permitir a reeleição dos candidatos ao Poder Executivo sem a necessidade de desincompatibilização, é certo que o governante-candidato deve pautar sua conduta pela extrema cautela, a fim de não provocar o indevido entrelaçamento das figuras de chefe de Estado e chefe de governo.

Da caracterização do uso de bem público
12. A sacada da residência oficial do embaixador brasileiro em
Londres pertence ao Poder Público, pois as embaixadas são qualificadas como missões diplomáticas permanentes no exterior, as quais compõem o Ministério das Relações Exteriores.
13. O caráter eleitoral do discurso proferido pelo primeiro representado e a utilização de bem de natureza pública não se traduzem em indiferente eleitoral no que se refere à configuração de propaganda eleitoral e, assim sendo, a aludida conduta submete-se às vedações impostas pela legislação eleitoral.

Da inexistência de violação ao princípio da liberdade de
expressão

14. Embora o princípio da liberdade de expressão seja direito fundamental, ele não se reveste de caráter absolutojustificar óbice para imposição de sanção ao representado. Ao lado do direito de liberdade de expressão, a Constituição da República também tutela a normalidade e a legitimidade das eleições, conforme disposto no art. 14, § 9º, velando por outros princípios também importantes, como o da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

Da ausência de responsabilidade pela conduta irregular praticada pelo primeiro representado

15. O representado Walter Braga Neto foi mero beneficiário da propaganda irregular, não participou da conduta irregular ou anuiu com esta, não havendo nenhum indicativo de que tenha compartilhado ou divulgado a propaganda impugnada, assim como não há comprovação de seu prévio conhecimento a respeito da prática ilícita, o que afasta a sua responsabilidade pela propaganda irregular.

16. No que se refere à responsabilização da coligação representada pela conduta irregular praticada por Jair Messias, Bolsonaro,"este Tribunal firmou o entendimento de que a regra do art. 241 do Código Eleitoral, a qual prevê de modo expresso a responsabilidade solidária das agremiações pelos excessoscometidos por seus candidatos no tocante à propaganda eleitoral, aplica-se às coligações. Precedente" (AgR-AREspE 0603550-27, rel. Min. André Ramos Tavares, DJE de 8.9.2023).

Da aplicação de multa por propaganda irregular
17. Considerando a grande relevância da performance discursiva para o processo eleitoral, além do fato de que a conduta foi realizada em viagem oficial do mandatário da presidência da República para participar da cerimônia de falecimento da soberana do Reino Unido, revelando o desvio de finalidade do ato praticado na condição de Chefe de Estado, justifica-se afixação da multa em patamar máximo previsto em lei. Além disso, a propaganda irregular se reveste de maior gravidade por ter sido cometida em local pertencente ao Poder Público em que o primeiro representado só teve acesso por ser Chefe de Estado, afetando a paridade das armas entre os candidatos e repercutindo na normalidade do processo eleitoral, de tal sorte que se afigura razoável e proporcional condenar Jair Messias Bolsonaro e a Coligação pelo Bem do Brasil ao pagamento de multa individual na quantia R$ 8.000,00, em virtude da veiculação de propaganda eleitoral irregular em bem público, com base no art. 37, § 1º, da Lei 9.504/97.

PROCEDÊNCIA PARCIAL. FUNDAMENTO

18. A procedência parcial da representação se justifica pelo reconhecimento da ausência de responsabilidade do candidato a vice-presidente Walter Braga Neto pela conduta irregular.

CONCLUSÃO

Representação julgada parcialmente procedente. Representação nº060115866, Acórdão, Relator(a) Min. Floriano de AzevedomMarques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico,06/06/2024. (Grifei)

4. NOVOS DESAFIOS: PROPAGANDA NA INTERNET E REDES SOCIAIS

Com o avanço da tecnologia, a internet se tornou um dos principais meios de propaganda eleitoral, exigindo constante atualização normativa e jurisprudencial.

A Lei nº 9.504/1997 passou a prever regras específicas para essa modalidade, como a obrigatoriedade de identificação do responsável pelo conteúdo, a vedação ao uso de perfis falsos e o combate à desinformação.

As redes sociais, em especial, têm se mostrado desafiadoras para a Justiça  Eleitoral, devido à velocidade e ao alcance das informações.

ELEIÇÕES 2024. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. DESINFORMAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. APLICAÇÃO DOS ENUNCIADOS NºS 24 E 30 DA SÚMULA DO TSE.

AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME
Agravo interno interposto de decisão que negou seguimento a  recurso especial eleitoral. A agravante busca reformar a decisão que manteve a condenação por propaganda eleitoral irregular, devido à divulgação de notícia sabidamente inverídica que ofendeu a imagem do então pré-candidato adversário.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

A controvérsia envolve a seguinte análise: se a publicação veiculada excedeu o exercício legítimo das liberdades de expressão e de informação, configurando ato ilícito ao promover desinformação com potencial de prejudicar a imagem de pré-candidato perante o eleitorado.

III. RAZÕES DE DECIDIR

A propaganda eleitoral que veicula desinformação ou ofensas contra adversário caracteriza propaganda negativa vedada, especialmente quando compromete a igualdade de condições entre os candidatos. Encontra óbice no Enunciado nº 24 da Súmula do TSE a pretensão de alterar o entendimento da Corte local que reconheceu, no caso, estar configurada a propaganda eleitoral antecipada negativa na internet, consistente na divulgação de informações sabidamente inverídicas, com o intuito de prejudicar candidato político.conclusão do Tribunal de origem encontra-se em conformidade com o entendimento desta Corte, que é firme no sentido de que a divulgação de propaganda sabidamente inverídica é vedada,inclusive no período de pré-campanha, como forma de garantir a lisura do processo eleitoral, o que atrai a incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE. O agravo interno não apresenta argumentos novos capazes de modificar a decisão recorrida, devendo ser mantida a condenação imposta pelas instâncias ordinárias.

IV. DISPOSITIVO

Agravo interno desprovido.

Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060001721,Acórdão, Relator(a) Min. Antonio Carlos Ferreira, Publicação:
DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 13/06/2025. (Grifei)

Nesse contexto, a Resolução TSE nº 23.610/2019 e posteriores atualizações estabeleceram diretrizes para a propaganda eleitoral digital, buscando garantir o respeito à legalidade, à veracidade das informações e à paridade de armas entre os candidatos.

5. CONCLUSÃO

A regulamentação da propaganda eleitoral no Brasil procura estabelecer um ponto de equilíbrio entre a liberdade de expressão e a igualdade de condições na disputa eleitoral.

Ainda que existam críticas quanto à rigidez de algumas regras, o objetivo maior é assegurar que o processo democrático ocorra de forma legítima, transparente e justa.
Diante dos desafios impostos pelas novas tecnologias e pelo cenário de polarização política, torna-se ainda mais relevante a atuação vigilante da Justiça Eleitoral e a constante atualização das normas para proteger tanto o direito de informar quanto o direito de ser informado de maneira ética e responsável.

Os atores do processo eleitoral precisam estar vigilantes quanto às regras eleitorais para que não sofram sanções durante o pleito. Estar alinhado com os ditames legais é essencial para que suas campanhas não apenas respeitem os limites estabelecidos pela legislação, mas também contribuam para um ambiente eleitoral saudável e democrático.

Em um cenário cada vez mais dinâmico, em que as redes sociais ampliam o alcance e a velocidade da informação, o respeito às normas de propaganda eleitoral se torna um diferencial de legitimidade. Assim, a observância das regras não deve ser vista apenas como uma obrigação jurídica, mas como um compromisso ético com o processo eleitoral, com os eleitores e com a democracia brasileira.

LEONARDO MATTOS REGIANI












·  Bacharel em Direito pela Unisal - Lorena /SP (2018);

· Pós-graduação em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil pela EBRADI (2022); e

· Pós-graduação em Direito Eleitoral  pelo GRAN Centro Universitário(2024);

-Atuação nas áreas de Direito Administrativo, Civil, Eleitoral e Público, com foco no consultivo e contencioso. 

-Sócio Proprietário do Leonardo Mattos Sociedade Individual de Advocacia 

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