sexta-feira, 18 de julho de 2025

Correntes Invisíveis da escravidão moderna


 @ Maiara Tintiliano Teixeira


A escravidão moderna não se revela com correntes de ferro ou leilões públicos.

Ela se esconde atrás de contratos ambíguos, promessas vazias e dívidas impagáveis. É silenciosa, mas devastadora. Uma realidade que aprisiona milhões de pessoas em um ciclo de exploração, onde a liberdade é negociada pela simples chance de sobreviver.

A dívida, em sua forma mais perversa, tornou-se uma ferramenta de dominação. Trabalhadores são atraídos por promessas de emprego, educação ou migração, mas ao chegarem ao destino, descobrem que devem pagar por transporte, alojamento, alimentação e tudo a juros abusivos.

O salário nunca cobre o débito. E assim, o tempo, o corpo e a vontade tornam-se propriedade de outro. Essa forma de escravidão se manifesta em campos agrícolas, fábricas têxteis, minas escondidas e casas onde mulheres e crianças trabalham sem salário, sob ameaça constante.

Um exemplo recente e chocante de escravidão moderna no Brasil ocorreu em fevereiro de 2023, quando mais de 200 trabalhadores foram resgatados em condições análogas à escravidão em vinícolas de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.

Esses trabalhadores, em sua maioria migrantes nordestinos, eram submetidos a jornadas exaustivas das 5h às 20h com folgas apenas aos sábados, relatos indicam que recebiam comida estragada, eram espancados, e sofriam agressões com choques elétricos e spray de pimenta. Além disso, muitos estavam com documentos retidos, o que os impedia de deixar o local, caracterizando o trabalho forçado.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, 918 pessoas foram resgatadas de situações semelhantes apenas no primeiro trimestre de 2023, o maior número registrado em 15 anos.

Em redes de tráfico humano, dívidas fictícias são usadas para manter vítimas presas em ciclos de exploração sexual.

Vivemos em uma era que se orgulha de avanços tecnológicos e direitos humanos, mas a escravidão moderna é uma ferida aberta no tecido da sociedade global.

Ela prospera nas zonas cinzentas da legalidade, alimentada por desigualdade, pobreza e corrupção. Empresas terceirizadas são as que mais se beneficiam da degradação das condições de trabalho em suas cadeias de produção. Aproveitam-se da vista grossa de quem deveria fiscalizar e punir práticas abusivas.

O fato é que embora seja do conhecimento de toda a população a existência dessa forma de exploração, a cadeia de consumo é alheia a qualquer tipo de atitude que serviria para frear esse tipo de produção, o consumo sempre virá em primeiro lugar, o capitalismo nos escraviza.

Combater a escravidão moderna exige mais do que leis, exige consciência coletiva de que o mau do mundo é o capitalismo, o consumo na sua forma de prisão: quando a ânsia de querer e desejar algo fútil e em excesso garante o luxo de grandes bilionários que se aproveitam da miserabildade e dificuldade do pobre para ofertar, partindo do desespero da pessoas, trabalhos degradantes: ratificam a escravidão moderna.

Essa forma de escravidão é o reflexo sombrio de um sistema que ainda privilegia o lucro sobre vidas. Mas ao reconhecer suas formas e causas, educando a população, dando acesso ao pensamento crítico, podemos começar a desmantelar suas estruturas. Porque liberdade não é apenas ausência de correntes é presença de dignidade.

Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Segundo o relatório Global Estimates of Modern Slavery da OIT, mais de 50 milhões de pessoas vivem em situação de escravidão moderna no mundo, sendo 28 milhões em trabalho forçado, muitas vezes relacionado à servidão por dívida.


MAIARA TINTILIANO TEIXEIRA

















- Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista - UNIP - 2020;

- De esquerda, feminista e apaixonada pelas discussões políticas.

Nota do Editor:

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