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domingo, 29 de junho de 2025

Quatro “I’s” para reelaborar e quatro para construir


 ©2025 Renata de Masi



A experiência analítica é atravessada por mudanças singulares. Nesse percurso, há pelo menos quatro pontos identificáveis dos quais o sujeito precisa reelaborar para possibilitar a emergência de uma posição desejante. Em contraponto, há quatro outros pontos a serem construídos, a partir da assunção da castração, do desejo e do vínculo. Escolhi essas oito palavras e vou desdobrá-los a seguir apenas para compartilhar essa reflexão.

I’s a serem abandonados: posições defensivas e alienações estruturais

1. Imaturidade

A imaturidade configura-se como defesa contra o desamparo estrutural. Enraizada em uma posição binária, sustenta o ego em um funcionamento primitivo, marcado pela cisão, projeção e demanda de completude. O Outro parental é mantido como suporte narcísico, e o sujeito evita o reconhecimento da própria divisão;

2. Injustiça

Quando a lei simbólica não é metabolizada, o sujeito introjeta um supereu feroz que o captura pela culpa. A injustiça vivida nos afetos impede a mediação simbólica e fixa o sujeito a uma posição de dívida e reparação. O amor se confunde com captura, e o desejo do Outro é vivenciado como prisão;

3. Intolerância

A intolerância emerge como resposta à angústia frente à alteridade. O desejo do Outro é percebido como ameaça, e o diferente é vivenciado como intrusão. Incapaz de sustentar a diferença, o sujeito apela à projeção e à segregação psíquica, recusando o enigma do próprio desejo e

4. Ideal

O ideal do eu funciona como suplência narcísica que mascara a castração. Mantido como referência imaginária, impede o sujeito de operar no campo simbólico. A cultura reforça esses ideais por meio de ideologias de sucesso, controle e perfeição. Romper com o ideal é aceitar a incompletude como fundamento subjetivo.

I’s a serem construídos: operações subjetivas em direção ao desejo

1. Inteligência

A inteligência psíquica diz respeito à capacidade de elaborar perdas, sustentar ambivalências e simbolizar experiências. Envolve não apenas o saber, mas a disposição para o não-saber, condição essencial para aprender com a experiência

2. Independência

Independência é o efeito da simbolização da separação. O sujeito que suporta a solidão estrutural torna-se capaz de operar escolhas não determinadas pela compulsão à repetição. Dar conta do próprio estranho é reconhecer o inconsciente como parte constitutiva de si. E a profissão é responsável como boa parte dessa questão;

3. Interesse

Ser interessante e se interessar é ser desejante; não para o Outro, mas a partir do Outro. A autoestima simbólica nasce do reconhecimento e não da validação imaginária. Amabilidade e abertura ao saber operam como efeitos da implicação subjetiva no laço e

4. Intimidade

Intimidade é o espaço onde o sujeito suporta suas verdades, sem recorrer à lógica persecutória. A confiança é efeito de um laço simbólico sustentado na ética do desejo. Onde há intimidade, há espaço para o desejo circular sem captura.

Considerações finais

O processo analítico é um percurso ético no qual o sujeito se desloca das posições defensivas que sustentam o gozo repetitivo e se inscreve como responsável por seu desejo. Os quatro primeiros “I’s” representam formas de gozo alienante; os quatro últimos, operações possíveis de subjetivação.

A clínica psicanalítica não propõe um ideal de cura, mas a abertura de um campo onde o sujeito possa se autorizar a existir, criando um estilo próprio a partir da travessia de suas questões. O sujeito analítico, ao final de um percurso, não é aquele que sabe, mas aquele que sustenta o não-saber como potência.

RENATA DE MASI














-Psicóloga e Psicanalista com atendimento a crianças e adultos em consultório particular em Santo André/SP;
-Psicóloga graduada na UniABC (2011);
-Pós em Psicopedagogia pela UniABC(2012);
-Supervisora clínica;
-Coordenadora do Espaço Rêverie
-Coordenadora do ILPC ABC
E-mail: reverieespaco@yahoo.com
Tel/WhatsApp: (11) 9.8487.6907

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

domingo, 29 de setembro de 2024

O luto após o término de um relacionamento sob a ótica psicanalítica

Autora: Valéria Carvalho Ribeiro (*)

O término de um relacionamento amoroso pode ser uma das experiências mais dolorosas na vida de uma pessoa. Embora o parceiro(a) ainda esteja vivo, o rompimento representa uma perda simbólica, despertando uma série de reações emocionais intensas que, muitas vezes, se assemelham ao luto pela morte de alguém querido. Na psicanálise, essa vivência é vista como um processo de luto que mobiliza mecanismos inconscientes profundos. Freud e outros teóricos psicanalíticos exploraram como a mente lida com essa perda e de que forma ela pode impactar o psiquismo.

Luto e Melancolia: O Fundamento Freudiano

Em seu ensaio Luto e Melancolia (1917), Freud traça um paralelo entre o luto saudável e a melancolia. No luto, o indivíduo precisa se desvencilhar gradualmente do objeto amado, ou seja, da pessoa com quem manteve uma relação. Isso ocorre por meio de um processo doloroso, no qual o ego – a parte da mente responsável pelo equilíbrio psíquico – deve reconhecer a perda e deixar o investimento emocional naquele objeto perdido. Embora seja difícil, esse processo é considerado saudável e necessário para que o sujeito siga com a sua vida e estabeleça novos vínculos afetivos no futuro.

No entanto, Freud também introduz o conceito de melancolia, que se refere a um luto patológico. Nesse caso, o sujeito tem dificuldade em se separar do objeto perdido e, em vez de direcionar essa energia para fora, ele a internaliza. Esse processo resulta em autocrítica excessiva, sentimentos de vazio, culpa e depressão. A pessoa melancólica pode culpar a si mesma pela perda, desenvolvendo uma identificação inconsciente com o objeto perdido, o que agrava ainda mais o sofrimento emocional. O término de um relacionamento, nesse contexto, pode levar a um estado melancólico se o ego não consegue processar adequadamente a perda.

A Reativação de Conflitos Inconscientes

Outro aspecto relevante da psicanálise no contexto do luto amoroso é a reativação de conflitos inconscientes. Muitas vezes, o sofrimento que surge com o fim de uma relação está associado a experiências anteriores de perda, particularmente na infância. Melanie Klein, importante figura na psicanálise, sugeriu que a perda de um parceiro pode evocar as angústias primordiais de  separação experimentadas nos primeiros anos de vida, especialmente em  relação à figura materna. Segundo Klein, o término de um relacionamento pode reavivar fantasias inconscientes de abandono e rejeição, o que amplifica a dor psíquica. Para algumas pessoas, o fim de uma relação amorosa não é apenas a perda de um parceiro atual, mas também a revivência de sentimentos não resolvidos de perdas anteriores. O ego, então, pode recorrer a mecanismos de defesa, como a negação da perda ou a idealização do parceiro, dificultando a aceitação da separação.

Transferência e a Repetição dos Padrões

Outro conceito central da psicanálise, particularmente relevante no luto pós- término, é o da transferência. Durante um relacionamento, muitas vezes projetamos no parceiro emoções e expectativas que não são apenas nossas, mas que têm origem em experiências e vínculos passados, especialmente com figuras parentais. Ao terminar uma relação, o indivíduo não está apenas perdendo a pessoa com quem esteve envolvido, mas também está rompendo com as fantasias e projeções associadas a essa figura. Por exemplo, uma pessoa que, em sua infância, teve uma relação difícil com o pai ou a mãe pode transferir sentimentos não resolvidos para o parceiro, esperando dele ou dela a cura de antigas feridas emocionais. Quando o relacionamento acaba, o sofrimento não está vinculado apenas à perda do parceiro, mas à reativação de uma dor emocional mais antiga e inconsciente.Nesse sentido, o término pode ser visto como um rompimento com fantasiasprofundamente enraizadas na mente do sujeito.

A compulsão à repetição, outro conceito freudiano, também pode ser observada nesses casos. O indivíduo pode se ver repetindo, de forma inconsciente, padrões destrutivos de relacionamento, escolhendo parceiros que reencenam dinâmicas passadas de dor e rejeição. Ao final de cada relacionamento, a dor do luto se intensifica, pois a mente está presa a um ciclo repetitivo que não foi plenamente compreendido e elaborado.

A Importância da Elaboração do Luto

Para a psicanálise, o processo de superação de um término de relacionamento está intimamente ligado à elaboração do luto. Isso significa que o indivíduo precisa não apenas reconhecer a perda em um nível consciente, mas também processá-la emocionalmente, permitindo que o ego desfaça o vínculo com o objeto perdido de maneira saudável. Esse processo pode ser lento e doloroso, mas é essencial para que o sujeito consiga se reconectar consigo mesmo e, eventualmente, abrir-se para novos vínculos.

Na prática clínica, o terapeuta ajuda o paciente a trazer à tona as emoções reprimidas ou negadas, bem como os padrões inconscientes que estão impactando sua vida amorosa. Ao longo desse processo, o sujeito pode começar a reconhecer que a dor da separação atual pode estar ligada a uma série de conflitos não resolvidos do passado. Essa tomada de consciência permite que o indivíduo não apenas se recupere da perda, mas também adquira uma compreensão mais profunda de si mesmo e de suas relações.

Conclusão

O luto após o término de um relacionamento, sob o olhar da psicanálise, vai muito além da tristeza comum associada à perda de um parceiro. Ele envolve mecanismos inconscientes profundos, como a reativação de conflitos infantis e a repetição de padrões de relacionamento. Ao lidar com essa dor, o sujeito é convidado a explorar suas próprias emoções, fantasias e defesas psíquicas, permitindo que a perda seja elaborada de maneira saudável. O apoio terapêutico pode ser fundamental nesse processo, ajudando o indivíduo a transformar o luto em uma oportunidade de autoconhecimento e crescimento emocional.

Referências

Freud, S. (1917). Luto e Melancolia. In: Obras Completas, Vol. XIV. Imago Editora.

Klein, M. (1957). Inveja e Gratidão. Imago Editora.

Freud, S. (1920). Além do Princípio do Prazer. In: Obras Completas, Vol. XVIII. Imago Editora.

Zimerman, D. (1999). Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, Técnica e Clínica. Artmed.

 * VALÉRIA CARVALHO RIBEIRO












- Graduada em Psicologia pela PUC RR (2014);

- Utiliza desde 2018 a escuta psicanalítica em consultório;

-Com experiência no atendimento clínico, ajudando seus pacientes a explorarem suas questões emocionais profundas, oferecendo suporte através de uma compreensão baseada nos princípios da psicanálise.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

domingo, 30 de junho de 2024

O vazio e a completude



Autora : Claudia Alaíde Silva(*)

A busca por relacionamentos perfeitos é algo recorrente em nossa sociedade. Talvez não "perfeito", mas o mais próximo do ideal. O fato é que, vivemos em tempos líquidos e, tanto quanto os eletroeletrônicos, também os relacionamentos passam a ser construídos para acabar.

Algumas dezenas de anos atrás, vivia-se exatamente a outra ponta desse novelo, os relacionamentos uma vez iniciados não podiam ser encerrados, senão pela imponente evidência da morte. Vivia-se ao pé da letra o famigerado "até que a morte nos separe", hoje adotamos como possibilidade, desde o início, o fim das relações.

Aparentemente o extremismo impera, quando a questão são os relacionamentos românticos.

O que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman propõe em sua teoria é que os relacionamentos líquidos têm por pano de fundo uma insegurança dos indivíduos, pois sendo solida a relação seus desafios se apresentam em igual dimensão. No entanto, nos encontramos em um oceano de desafios; pois embora se evite o peso das relações sólidas, as frustrações líquidas se apresentam bem concretas, apontando inúmeras vezes para um vazio.

Não estou, porém, entrando em defesa das relações tradicionalmente sólidas, pois é evidente que, também essas, se configuram a partir de uma busca por segurança e oferecem o risco da frustração e exploração dos mesmos vazios.

Quando olhamos os dois exemplos, liquidas e sólidas, as relações apresentam elementos muito similares: a busca por segurança que, pode ou não, desembocar num vazio a partir da frustração de uma expectativa. Quando falamos em emoções, nos adaptamos a uma espécie de compensação que, temporariamente, parece funcionar. Comemos para não chorar, compramos para esquecer... é uma fórmula bem difundida em nossa sociedade, mas, como dito, é temporária. Os relacionamentos têm também servido a esse propósito?

É normal nos depararmos com a sensação de completude na relação com um outro que, parece carregar nele o que nos falta, mas talvez seja o momento de considerar que não é no outro que nos completamos, pois, assim como nós o outro também possui suas faltas.

Um dos princípios da comunicação não violenta é o autoconhecimento; o reconhecimento de emoções e necessidades, não para transferi-las ao outro, mas justamente para a autorresponsabilidade.

Uma ferida recorrente em casamentos, namoros, amizades, relações familiares e profissionais, é ocasionada porque não sabemos como nos sentimos, o que precisamos, nem mesmo o que buscamos, mas colocamos no outro a responsabilidades de satisfação dessas necessidades.

Quando conhecemos nossas faltas, assumimos a responsabilidade e a liberdade para compreender que o outro pode fazer parte, não apenas do que completa, mas também do que falta. Afinal nem todas as faltas são preenchíveis. Isso nos diz que os relacionamentos, sólidos, líquidos e gasosos, podem ser completude se suportarem as incompletudes.

Mais sobre...

Alguns livros podem te auxiliar nesse percurso rumo ao autoconhecimento e construção de relações. Vou deixar 3 indicações:

Amor líquido: a fragilidade dos laços humanos – Zygmunt Bauman (2003);

A parte que falta – Shel Silverstein (2018); e

Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais – Marshall B. Rosemberg (2006)

*CLAUDIA  ALAÍDE SILVA















-Graduada em Psicologia pela FMU (2020);

-Especialista em psicologia fenomenológico hermenêutica pelo Instituto Daisen (2022) com foco nos fenômenos relacionais;

-Atua como biblioterapeuta e mediadora de grupos, além de ser intervisora de práticas clínicas. 

-É também psicóloga clínica, oferecendo atendimento a adultos em sessões individuais, de casal e em grupos.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.