Autora: Valéria Carvalho Ribeiro (*)
O término de um relacionamento amoroso pode ser uma das experiências mais dolorosas na vida de uma pessoa. Embora o parceiro(a) ainda esteja vivo, o rompimento representa uma perda simbólica, despertando uma série de reações emocionais intensas que, muitas vezes, se assemelham ao luto pela morte de alguém querido. Na psicanálise, essa vivência é vista como um processo de luto que mobiliza mecanismos inconscientes profundos. Freud e outros teóricos psicanalíticos exploraram como a mente lida com essa perda e de que forma ela pode impactar o psiquismo.
Luto e Melancolia: O Fundamento Freudiano
Em seu ensaio Luto e Melancolia (1917), Freud traça um paralelo entre o luto saudável e a melancolia. No luto, o indivíduo precisa se desvencilhar gradualmente do objeto amado, ou seja, da pessoa com quem manteve uma relação. Isso ocorre por meio de um processo doloroso, no qual o ego – a parte da mente responsável pelo equilíbrio psíquico – deve reconhecer a perda e deixar o investimento emocional naquele objeto perdido. Embora seja difícil, esse processo é considerado saudável e necessário para que o sujeito siga com a sua vida e estabeleça novos vínculos afetivos no futuro.
No entanto, Freud também introduz o conceito de melancolia, que se refere a um luto patológico. Nesse caso, o sujeito tem dificuldade em se separar do objeto perdido e, em vez de direcionar essa energia para fora, ele a internaliza. Esse processo resulta em autocrítica excessiva, sentimentos de vazio, culpa e depressão. A pessoa melancólica pode culpar a si mesma pela perda, desenvolvendo uma identificação inconsciente com o objeto perdido, o que agrava ainda mais o sofrimento emocional. O término de um relacionamento, nesse contexto, pode levar a um estado melancólico se o ego não consegue processar adequadamente a perda.
A Reativação de Conflitos Inconscientes
Outro aspecto relevante da psicanálise no contexto do luto amoroso é a reativação de conflitos inconscientes. Muitas vezes, o sofrimento que surge com o fim de uma relação está associado a experiências anteriores de perda, particularmente na infância. Melanie Klein, importante figura na psicanálise, sugeriu que a perda de um parceiro pode evocar as angústias primordiais de separação experimentadas nos primeiros anos de vida, especialmente em relação à figura materna. Segundo Klein, o término de um relacionamento pode reavivar fantasias inconscientes de abandono e rejeição, o que amplifica a dor psíquica. Para algumas pessoas, o fim de uma relação amorosa não é apenas a perda de um parceiro atual, mas também a revivência de sentimentos não resolvidos de perdas anteriores. O ego, então, pode recorrer a mecanismos de defesa, como a negação da perda ou a idealização do parceiro, dificultando a aceitação da separação.
Transferência e a Repetição dos Padrões
Outro conceito central da psicanálise, particularmente relevante no luto pós- término, é o da transferência. Durante um relacionamento, muitas vezes projetamos no parceiro emoções e expectativas que não são apenas nossas, mas que têm origem em experiências e vínculos passados, especialmente com figuras parentais. Ao terminar uma relação, o indivíduo não está apenas perdendo a pessoa com quem esteve envolvido, mas também está rompendo com as fantasias e projeções associadas a essa figura. Por exemplo, uma pessoa que, em sua infância, teve uma relação difícil com o pai ou a mãe pode transferir sentimentos não resolvidos para o parceiro, esperando dele ou dela a cura de antigas feridas emocionais. Quando o relacionamento acaba, o sofrimento não está vinculado apenas à perda do parceiro, mas à reativação de uma dor emocional mais antiga e inconsciente.Nesse sentido, o término pode ser visto como um rompimento com fantasiasprofundamente enraizadas na mente do sujeito.
A compulsão à repetição, outro conceito freudiano, também pode ser observada nesses casos. O indivíduo pode se ver repetindo, de forma inconsciente, padrões destrutivos de relacionamento, escolhendo parceiros que reencenam dinâmicas passadas de dor e rejeição. Ao final de cada relacionamento, a dor do luto se intensifica, pois a mente está presa a um ciclo repetitivo que não foi plenamente compreendido e elaborado.
A Importância da Elaboração do Luto
Para a psicanálise, o processo de superação de um término de relacionamento está intimamente ligado à elaboração do luto. Isso significa que o indivíduo precisa não apenas reconhecer a perda em um nível consciente, mas também processá-la emocionalmente, permitindo que o ego desfaça o vínculo com o objeto perdido de maneira saudável. Esse processo pode ser lento e doloroso, mas é essencial para que o sujeito consiga se reconectar consigo mesmo e, eventualmente, abrir-se para novos vínculos.
Na prática clínica, o terapeuta ajuda o paciente a trazer à tona as emoções reprimidas ou negadas, bem como os padrões inconscientes que estão impactando sua vida amorosa. Ao longo desse processo, o sujeito pode começar a reconhecer que a dor da separação atual pode estar ligada a uma série de conflitos não resolvidos do passado. Essa tomada de consciência permite que o indivíduo não apenas se recupere da perda, mas também adquira uma compreensão mais profunda de si mesmo e de suas relações.
Conclusão
Referências
Freud, S. (1917). Luto e
Melancolia. In: Obras Completas, Vol. XIV. Imago Editora.
Klein, M. (1957). Inveja e
Gratidão. Imago Editora.
Freud, S. (1920). Além do Princípio
do Prazer. In: Obras Completas, Vol. XVIII. Imago Editora.
Zimerman, D. (1999).
Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, Técnica e Clínica. Artmed.
* VALÉRIA CARVALHO RIBEIRO
- Graduada em Psicologia pela PUC RR (2014);
- Utiliza desde 2018 a escuta psicanalítica em consultório;
-Com experiência no atendimento clínico, ajudando seus pacientes a explorarem suas questões emocionais profundas, oferecendo suporte através de uma compreensão baseada nos princípios da psicanálise.
Nota do Editor:
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