Autora: Isabella Perseguim(*)
O mundo enfrenta uma das maiores pandemias da história, acarretando uma enorme crise econômica na esfera nacional e internacional, o Coronavírus (Covid-19).
O Brasil teve seu primeiro contato com o vírus no fim de fevereiro de 2020 e, desde então, tem adotado uma série de medidas com o fulcro de minimizar os devastadores efeitos da crise.[1]
Dentre todas as medidas adotadas pelo Governo Brasileiro destacam-se as econômicas e trabalhistas que visam a manutenção dos contratos de trabalho, o fluxo do comércio, a paralisação das atividades, suspensão de contratos e flexibilização de regras trabalhistas.
Todas as referidas medidas objetivam evitar uma queda significativa da economia brasileira com o consequente aumento do desemprego.
Importante destacar que o Governo Brasileiro não decretou a quarentena no país, apenas a recomendou.[2]
Sendo que, por determinação do STF, a competência para a decretação de quarentena caberia aos governadores dos Estados e prefeitos dos Munícios e DF, de forma concorrente ao Governo Federal.[3]
Além de afetar diretamente e gravemente a economia e as relações de consumo, a pandemia de Coronavírus também tem consequências nos aspectos trabalhistas.
Todos os contratos que regem as relações trabalhistas e comerciais seguem alguns princípios comuns e basilares.
Mormente às relações civis em geral podemos mencionar a impossibilidade de cumprimento de diversas obrigações assumidas, mediante caso fortuito e de força maior, artigo 393 do Código Civil, ou, ainda, a possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por questões imprevisíveis e extraordinárias, a prestação de uma das partes se tornar desproporcional e exageradamente onerosa (teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva), artigos 478 a 480 do CC/202.[4]
Sob o prisma das relações trabalhistas, escopo do presente artigo, também há implicações como consequência da pandemia.
Ao empregador, a situação se enquadra na hipótese de "força maior", pois os efeitos não foram causados nem poderiam ser evitados por sua vontade, assim busca-se a manutenção dos contratos de trabalho e o bem-estar dos seus empregos, de maneira a não onerar desproporcionalmente o empregador.
As relações trabalhistas, neste momento atingidas pelos efeitos da pandemia do Coronavírus, necessitam ser interpretadas sob a ótica da lei nº 13.979/2020, a "lei da quarentena", editada em 06 de fevereiro de 2020.
A referida lei fita a proteção da coletividade determinando uma série de medidas atreladas ao isolamento social, que acarretaram em fechamento parcial do comércio e suspensão de inúmeras atividades pelo país.
Muitas empresas foram afetadas pela falta de insumos, que ocasionou inclusive pausa nas produções.
Desta maneira, a lei o impacta na atividade econômica dos empregadores e a viabilidade de execução dos contratos de trabalho.
Primeiro ponto da lei nº 13.979/20 é considerar como falta justificada o período de ausência decorrente de isolamento ou quarentena, sem prejuízo salarial ao empregado.
As situações de isolamento social devem obedecer às orientações médicas e das autoridades responsáveis pela vigilância sanitária.
Caso o empregado esteja acometido pela doença (supostamente ou comprovadamente), os 15 primeiros dias de afastamento do empregado serão remunerados pela empresa, já os demais, pelo INSS.
Aos trabalhadores sadios e não infectados, poderá ser adotada a regra contida nos artigos 59 e 61 da CLT sobre prorrogação e compensação das horas trabalhadas a mais ou a menos.
Portanto, o regime de banco de horas é perfeitamente aplicável a situações como esta, cabendo ao empregador fazer a gestão das horas positivas ou negativas do banco por um prazo máximo de seis meses ou de acordo com a previsão de acordo ou convenção coletiva, conferindo maior eficiência para cada tipo de negócio, visto que os efeitos da crise afetarão de maneira diferenciada todos os segmentos.
Mister se faz destacar o papel das negociações coletivas em meio da pandemia, sendo uma boa saída para adaptar as relações trabalhistas à nova realidade, buscando o máximo de segurança possível.
Já para os empregados que possam desempenhar as atividades a partir de outros locais que não a sede do empregador, é facultada a ocorrência de teletrabalho, o famigerado home office.
Para que isso aconteça, empregado e empregador deverão realizar ajuste bilateral por escrito, e a empresa deverá conceder os equipamentos e a tecnologia necessária para viabilizar o trabalho à distância, compatível com a natureza do serviço sem maiores prejuízos.
Para os casos em que seja necessária a redução parcial das atividades ou a paralisação total ou temporária, é possível adotar medidas por meio de negociações coletivas tais como: suspensão dos contratos de trabalho para requalificação; redução de jornadas e/ou de salários; licença não remunerada.
Neste tópico, o Governo federal editou algumas Medidas Provisórias polêmicas.
Tanto a MP 927, posteriormente editada pela MP 928, visam a manutenção dos contratos de trabalho, a serem negociadas de forma individual diretamente entre empregado e empregador e, portanto, à revelia dos representantes de classe, alguns direitos trabalhistas.
Alhures já citadas algumas medidas contidas na MP como o afastamento em razão do isolamento e o teletrabalho.
Também, já mencionado o banco de horas e compensações.
Existe a possibilidade da concessão de férias.
Assim, para concessão de férias individuais ou coletivas, antecipando-as, ainda que não tenha sido concluído o período aquisitivo, a legislação exige que os empregados sejam comunicados com antecedência.
Outra das alternativas que a Medida Provisória 927/2020 havia trazido, em seu artigo 18, era a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses, por meio de negociação individual, para que o empregado participasse de curso ou programa de qualificação. [5]
Por conseguinte, o contrato de trabalho ficaria suspenso, não sendo devidos os salários ao empregado, nem o mesmo precisaria ficar à disposição do empregador.
Por pressão da sociedade quanto a redação do supracitado artigo, este foi revogado pela MP 928, muito embora a suspensão possa ocorrer (à frente veremos a MP 936), desde que pelos meios do art. 476-A da CLT, que prevê, dentre outros requisitos, a participação obrigatória dos sindicatos de classe na negociação, e não individualmente.
Outra medida importante abarcada pela Medida Provisória, para amenizar o impacto financeiro negativo da pandemia, é o diferimento do recolhimento do FGTS, podendo as competências de março, abril e maio de 2020 serem pagas em até 6 parcelas a partir de julho de 2020, o que pode desonerar o custo financeiro dos empregadores.
A Medida Provisória 927/2020, tratou, ainda, em seu art. 29[6], que:
"Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal".
Na hipótese de o empregado contrair o Coronavírus, no exercício de suas funções, poderá ser tratada como uma doença ocupacional, com possível responsabilidade civil do empregador.
Caso contrário, por meio desse artigo, poderá se afastar inúmeras ações trabalhistas aventureiras no futuro.
Difícil será a comprovação do ambiente de contaminação, caso seja o empregado fulminado pelo contágio.
Assim, é aconselhável sempre que o empregador forneça o equipamento individual necessário a diminuir ao máximo o risco de contaminação de seu empregado.
Adotando todas as medidas adequadas para proteção de seus funcionários, além do empregador manter seu negócio ativo, embora flexibilizado, em meio a pandemia, esta atitude ser uma boa defesa caso seja acionado em ação indenizatória por eventual contaminação, demonstrando não haver conduta própria, omissiva ou comissiva (nexo de causalidade), que tenha contribuído para o infortúnio que, por sua própria natureza, é de força maior.
Em meio ao cenário extraordinário de crise, importante lembrar serem cabíveis, a depender do caso concreto, o direito de recusa do empregado em ir trabalhar, bem como a extinção do contrato de trabalho por força maior ou pelo fato príncipe, que a Medida Provisória não regulou.
Sobre a recusa do empregado a realizar o seu trabalho irá depender da situação sobre sua exposição ao real risco de contaminação pelo COVID- 19.
Sobre a extinção do contrato de trabalho devemos observar, no primeiro caso, a extinção decorrente pela força maior, a qual permite o empregador a rescindir o contrato de trabalho frente a pandemia, com o pagamento das verbas rescisórias.
No segundo caso, em razão do fato príncipe, é o que dispõe o artigo 486[7] da CLT:
"No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável."
Sendo assim, a extinção do contrato de trabalho decorre de determinações impostas pelo Poder Público, a celeuma versa sobre a responsabilidade, se o empregador deveria ser isento de quaisquer responsabilizações ou o ente público é quem deveria arcar com as tais.
Outra MP editada pelo Governo Federal, nesta matéria, é a Medida Provisória 936, que permite a suspensão de contratos de trabalho ou a redução salarial e de jornada para reduzir a folha de pagamentos e evitar demissões em massa durante a crise mundial.
Embora duramente criticada a MP 927, a MP 936 não foi rechaçada, mesmo que verse sobre a suspensão do contrato de trabalho e demais cortes.
A referida MP estipula como prazo máximo 60 dias para suspensão completa do contrato de trabalho. Neste caso, a jornada fica paralisada, a empresa não paga salários e não poderá cobrar qualquer tipo de colaboração do funcionário.
Já para os casos de limitação de jornada, a MP estabeleceu três faixas possíveis de redução: 25%, 50% ou 70%. Os ajustes de salários são proporcionais aos cortes. Para esses casos, o limite de tempo é de 90 dias.
Importante gizar que a MP 936 garante também um período de estabilidade para qualquer trabalhador com contrato reduzido ou suspenso. Ao longo de todo o tempo em que estiver vigente o acordo, o trabalhador não pode ser dispensado. E fica estável por igual período ao fim do acordo.
E, trouxe também o auxílio emergencial para trabalhadores informais, desviando o foco dos contratos de trabalho nela presente.
Por fim, a conclusão é que em momento de grave crise mundial ocasionada pelo Coronavírus, com consequente impactos na economia e nas relações de trabalho e de consumo, deverá prevalecer o interesse da coletividade em detrimento do interesse do particular, buscando preservar a segurança e bem-estar de todos, devendo as autoridades públicas em parceria com o setor privado minimizar os efeitos da pandemia, em um cenário onde todos devemos trabalhar juntos e de maneira altruísta.
Deve-se abandonar a ideia sedimentada nas relações trabalhistas de "patrão x empregado", haja vista a referida crise trará prejuízo comum a todos. Pugna-se pelo bom senso do empregador em primar pela saúde dos seus empregados e pela paciência e discernimento do empregado em vislumbrar os prejuízos econômicos do patrão à longo prazo.
REFERÊNCIAS
-Advogada graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2014); ---Pós Graduada em Direito Tributário Empresarial e Processual Tributário (2015);
-Pós- Graduada em Processo Civil pelo Complexo Damásio de Jesus;
-Advogada militante nas áreas de direito do trabalho, cível , tributário e internacional
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