quarta-feira, 20 de maio de 2020

É Tudo uma Questão de Competência


Autora: Mônica Gusmão(*)

Antes de se aperfeiçoar como um feixe de obrigações entre duas ou mais pessoas, o contrato de trabalho normalmente passa por uma fase pré-contratual, que também obriga os contratantes, mas tecnicamente nem é contrato. Mas há, em certos casos, um limbo, em que não se superou a fase do pré-contrato nem se chegou ainda ao contrato propriamente dito. Nessa fase, é preciso definir a quem cabe decidir eventual divergência entre as partes.

No exame do Recurso de Revista n° 18200-11.2007.5.02.0008, o TST decidiu que a competência para examinar uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) era da Justiça Comum, e não da Justiça do Trabalho, porque a lide trazia uma relação de consumo, e não de emprego. 

Na ação, o MPT pedia a condenação de dois jornais paulistas a se absterem de recrutar empregados ou estagiários por meio de anúncios que contivessem referência ao sexo, etnia, raça, idade, cor aparência, religião, condições de saúde, identidade sexual, situação familiar, estado de gravidez, opinião política, nacionalidade, origem, requisitos de boa aparência ou boa apresentação ou qualquer outra forma de apresentação, além de multa diária por descumprimento da obrigação e multa milionária por dano moral coletivo.


O relator entendeu que a convocação de futuros empregados por meio de anúncios não configurava fase pré-contratual nem contrato de trabalho, mas típica relação de consumo para a qual a Justiça do Trabalho não detinha competência.


De fato, durante a convocação de pretensos empregados aos postos de trabalho oferecidos aleatoriamente por meio de classificados de jornal não havia ainda nenhum laço ligando as empresas jornalísticas e os eventuais candidatos ao emprego. Não havia, portanto, relação de trabalho, e a Justiça do Trabalho não tinha de intervir porque até então se tratava de duas empresas de um lado e de um grupo indeterminado de pessoas, de outro. Alguns desses candidatos até poderiam vir a ser contratados, e aí se poderia falar em vínculo de emprego e de competência da Justiça do Trabalho, mas enquanto isso não ocorresse, a relação seria mesmo de consumo.

Sobre o tema:
"EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO ABRANGÊNCIA DE DANO COM NACIONAL. COMPETÊNCIA. Tratando-se de determinar a competência nas ações civis públicas é imperioso aferir a causa de pedir e pedido e, especialmente, se a pretensão de reparação do dano é local, regional ou nacional, com vistas a aplicar as regras dos arts. 2° da LACP e art. 93 do CDC. ln casu, a pretensão deduzida na inicial pelo MP foi de condenação da Ré em obrigação de não fazer, consistente em abster-se de veicular anúncios de emprego de caráter discriminatório, segundo alega, em âmbito nacional e estadual (fl. 4), bem como pleiteia danos morais coletivos. A abrangência de condenação em âmbito nacional pretendida na inicial pelo MPT foi por este ratificada na audiência de fl. 138, ao requerer a aplicação da OJ n° 130 da SDI-II do C.TST ao presente caso. Assim, em face da causa de pedir e pedidos formulados na presente ação civil pública, com eventual condenação sobre todo o território nacional, é de se manter a declaração de incompetência deste Tribunal Regional e direcionar os autos a qualquer das Varas do Egrégio Tribunal Regional da 10” Região, por regular distribuição, por se tratar da exata hipótese contida no entendimento da OJ n° 130 do C.TST: “Ação civil pública. Competência territorial. Extensão do dano causado ou a ser reparado. Aplicação analógica do art. 93. do Código de Defesa do Consumidor. (DJ 0_4. 05.2004). Para a fixação da competência territorial em sede de ação civil pública, cumpre tomar em conta da extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado; se for de âmbito supra-regional ou nacional, o foro e o do Distrito Federal.” Afasta-se, igualmente, a alegação de eventuais prejuízos à ré, pelo deslocamento da ação para jurisdição' diversa do local em que se encontra sediada, vez que se trata de empresa que atua em âmbito nacional, com publicações em todo o país. Desse modo, se dispõe de meios para promover negócios com tal abrangência, igualmente poderá exercer, sem maiores transtornos, seu regular direito ao contraditório e à ampla defesa, com a produção das provas que se fizerem necessárias no Distrito Federal, na Vara a que couber o feito por distribuição. Não há falar, portanto, em violação ao devido processo legal, tratando-se de hipótese de mera aplicação, do procedimento adequado ao caso particular da ação civil pública que tutela direito de âmbito nacional, movida em face de empresa que, igualmente, tem ação negocial em esfera nacional."

Em resumo: prevaleceu o bom senso.

*MÔNICA  GUSMÃO  
                                  



-Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes(1993);

-Pós Graduada pela Universidade Cândido Mendes(1995);
-Professora de Direito em diversas instituições;
-Membro da Comissão de Juristas de Língua Portuguesa e
- Autora de vários livros e articulista.


Nota do Editor:

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