Todos sabemos que, atualmente, um dos grandes problemas que enfrentamos está na má qualidade da comunicação interpessoal e em seus desdobramentos. A sensação que muitos temos, nós, pais, professores e educadores em geral, é de que fracassamos no ensino de nossa própria língua, pois uma grande parte da população não fala nem escreve corretamente, além de ter dificuldade de compreender textos relativamente simples. Seria muito fácil jogar a culpa em programas educacionais públicos que mudam seus projetos a cada gestão, gerando perdas para o que já havia sido iniciado e criando confusão e insegurança para o que vai ser implantado. Esse é um problema sério, mas não é o único.
A minha proposta está baseada na leitura, ou melhor, na formação de indivíduos apaixonados pela leitura. Isso não resolveria todos os problemas educacionais que vivenciamos, mas os minimizaria. Essa responsabilidade seria de todos: escola, professores, pais, amigos, familiares etc. Cada um faria sua parte para melhorar o futuro de nossos jovens.
Sei que muitos se perguntam: Como fazer com que as crianças gostem de ler se eu mesma não leio nada? Ora, passe a ler! O exemplo é a melhor forma de educação. Casas em que há muitos livros ao alcance das crianças, em que há pais leitores, geram filhos leitores. Salas de aula em que os alunos percebem que seus professores carregam livros e são apaixonados por leitura geram alunos leitores.
Bom, mas nem sempre a realidade é bonita. Há muitas escolas públicas que não possuem biblioteca e muitas casas em que não se encontra nem um livro sequer.
Mas com força de vontade algumas ações benéficas podem ser realizadas. Uma delas é a criação de cantinhos de leitura nas salas de aula da educação infantil e do ensino fundamental I. Esse espaço deve ser agradável e aconchegante e deve estar guarnecido de livros variados: um dicionário de português e outro bilíngue, uma enciclopédia atualizada de, no máximo, dois volumes, um atlas, um livro sobre o corpo humano, livros de poesia apropriados para a idade, livros de contos, suspense, aventura, gibis etc.
O acesso aos livros deve ser fácil e livre, para que as crianças se acostumem com esse material e aprendam a manipulá-lo através do contato. Há casos absurdos como o de uma escola que abrigava uma biblioteca maravilhosa, mas o diretor a mantinha fechada, para os alunos não estragarem os livros. A biblioteca era só enfeite!
Os pais ou familiares também podem ajudar nessa tarefa. Quantos de nós não íamos dormir encantados quando, na nossa infância, nossos pais nos contavam belíssimas histórias infantis?
Quantas histórias nossos avós nos contaram? Esse é o tipo de rotina que os pais modernos não podem menosprezar, pois ele é muito importante para a formação de uma criança leitora. Aqui a leitura fica associada à segurança e ao carinho.
Ler ou contar uma história ajuda a criança a trabalhar com a abstração e a se tornar criativa, mesmo que a história seja repetida muitas vezes.
Outra atividade positiva, que envolve escola e família, é a sacola de livros confeccionada pelos professores com a ajuda dos próprios alunos. A sacola serve para colocar o livro que vai ser emprestado ao aluno durante o fim de semana. Os pais são importantes nessa atividade, pois devem ajudar os filhos que ainda não sabem ler e apoiar aqueles que já sabem. Há pais que se recusam a levar a sacola para casa pois não querem se responsabilizar pelo livro nem pela atividade, criando um trauma e uma tristeza muito grande no filho. Mas há casos em que os livros revolucionam a vida não só da família como de todo o entorno. Ivete Pieruccini conta como a vida de uma senhora mudou: “depois que uma de suas crianças passou a levar para casa livros de histórias emprestados da biblioteca da escola, a rotina da casa se transformou. A mãe, mesmo cansada do trabalho como empregada doméstica, começou a reunir os filhos para a hora da leitura. Os livros, trazidos na sacolinha de pano, que ficava pendurada num prego – a estante da casa – aguardando pelo tão esperado encontro com seus leitores, eram variados. Havia contos de fadas, histórias de suspense, de assombração, de amor e até poemas e adivinhas. Era uma festa! As vozes que manifestam alegria ou medo, assim como as palmas pela vitória dos heróis sobre os vilões, acabaram por atrair os vizinhos, principalmente as crianças, que passaram a ouvir a leitura das histórias pelos vãos das portas e pelos buracos das paredes da casa, um simples barraco. Logo, juntaram-se também os adultos. Em pouco tempo, a sala de chão batido e tapetes de papelão quase ficou pequena para tanta gente interessada nas histórias lidas em voz alta pela moradora.
Às vezes, os livros eram mais volumosos e a leitura acabava então dividida em capítulos diários. O que não representava um problema. No dia seguinte, a plateia estava lá, preparada para a continuidade da leitura. E mais: quando um livro estava por acabar, a criança já recebia novos pedidos e sugestões para o empréstimo de outros títulos.
As sessões passaram a ter hora para começar e terminar, porque no dia seguinte todos levantavam cedo para o trabalho. Só aos sábados os encontros iam até um pouco mais tarde.
Um dia, porém, uma enchente destruiu muitos barracos e quase tudo que havia dentro deles. Felizmente, as pessoas saíram ilesas. A criança pôde continuar frequentando a escola. A mãe, apesar de abalada com a perda de sua moradia e de seus bens, foi à biblioteca da escola explicar o ocorrido e desculpar-se pela perda dos livros.
Em meio à conversa e à consternação, uma revelação surpreendente: ‘Foi triste perder o barraco e as coisas que a gente tinha. Graças a Deus, ninguém se machucou. Meus filhos, eu e os vizinhos não estávamos em casa na hora da enchente. Mas, o mais triste, mesmo, é não ter mais o lugar para nossas leituras, à noite! Ah, isso sim está sendo difícil, porque a gente lia e conversava, juntando nossas histórias com as histórias dos livros, ficava junto...”
A falta do estímulo à leitura prejudica seriamente o desenvolvimento da criança. Quando ela é incentivada desde cedo, cria amor à leitura, passa a sentir vontade de ler textos cada vez mais longos e complexos. Desenvolve, assim, várias habilidades, como imaginação, abstração, criatividade, foco e atenção e ainda tem contato com a Língua Portuguesa escrita de forma correta. Com isso amplia seu vocabulário, ganha experiência e conhecimento e tudo isso de forma prazerosa. Como se não bastasse, estimula a memória, melhora seu discurso e a torna uma escritora competente. Forma, também, seu senso crítico, habilitada que está para avaliar e produzir argumentos que lhe sejam úteis para apresentar suas ideias e, porque não, persuadir seus interlocutores.
Com o desenvolvimento das tecnologias, enfrentamos problemas sérios. Se por um lado temos acesso a milhões de informações, isso é bom, por outro temos leitores perdidos no meio desse excesso, que acostumaram-se a ler apenas textos curtos, resumos, tópicos, ou seja, a informação compartimentada e diluída nessa nossa falta de tempo que pede que caminhemos cada vez mais rapidamente. O resultado disso é visível na produção de textos que, com raras exceções aparece sem lógica, com ideias desconectadas e contendo erros de português gravíssimos. Percebem-se falhas na escrita e também na interpretação de textos. A falta de experiência com a leitura faz com que, por exemplo, um aluno erre uma questão não por falta de conhecimento, mas porque simplesmente não compreendeu o que lhe estava sendo solicitado. Eu mesma, como professora universitária de Português, vejo que muitos alunos chegam ao ensino superior sem saber sequer dividir as sílabas corretamente. O que aconteceu para uma pessoa passar tantos anos nos bancos escolares e chegar à universidade com esse tipo de dificuldade?
É por isso que acho que esse problema não é apenas deste ou daquele governo. É um problema de toda a sociedade. Pais, professores, enfim, toda a sociedade é responsável por ajudar nossas crianças a adquirir uma competência leitora que a leve a se tornar um cidadão pleno, capaz de compreender o mundo em que vive e de tomar decisões conscientes que afetarão sua vida e a de outras pessoas.
Vamos ensinar nossas crianças não apenas a decodificar os textos, mas a se apropriar de sua compreensão para que possam ser cidadãos críticos e que possam reivindicar melhores condições de vida para elas mesmas e para o mundo em que vivem.
Bibliografia:
ROMÃO, L. M. S.(org.) SENTIDOS DA BIBLIOTECA ESCOLAR. São Carlos: Alphabeto, 2008;
PIERUCCINI, I. MUITOS LUGARES PARA LER. In: AIDAR, F. (org.) Abrelê 1. Ed. São Paulo:Ática, 2011, p. 75-100;
SANTAELLA, L. REDAÇÃO E LEITURA: guia para o ensino. São Paulo: Cengage Learning, 2013;
BRASIL. Ministério da Educação. BOLETIM SALTO PARA O FUTURO: a aventura de conhecer. Brasília: Secretaria de Ensino a Distância, v. 18, n. 15, set. 2008.
- Professora Universitária de Português e de Literatura Brasileira, formada pelo Mackenzie;
- Mestre e Comunicação e Semiótica pela PUC/SP;
- Tutora em programas de leitura como “Quem Lê Sabe Por Quê”.
mzappalenti@gmail.com
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