quinta-feira, 4 de maio de 2017

Pluriparentalidade- Entre o vínculo biológico e o afetivo



A sociedade, como célula viva, sempre teve uma evolução muito dinâmica, sobremaneira em função do amplo acesso às informações através da rede mundial de computadores - internet.

Neste sentido, o Direito, que é um reflexo do contexto social de convivência entre as pessoas, acompanha esta evolução através de decisões judiciais, até então impensáveis há anos atrás. Esta afirmação está lastreada nas recentes decisões judiciais que prestigiam o afeto à condição biológica.

Além do afeto ser o fator mais preponderante, há outra proteção jurídica que foge aos parâmetros tradicionais em que há somente parentalidade entre um homem e uma mulher, ou entre dois homens, ou entre duas mulheres.

Pode-se dizer sem medo de errar que, o judiciário entrega o pedido da vida de forma mais rápida que o legislativo, pois este demoraria anos para regulamentar questões de convivência familiar, que na maioria das vezes sequer deveriam passar pelo crivo de uma lei, pois são questões de foro íntimo, não devendo o poder público adentrar em certas questões familiares de convívio. 

A despeito de se pensar que se trata de ativismo judicial, não é, pois, decisões judiciais são tomadas para pacificar um fato da vida. O que não se pode é fingir e “guardar dentro do armário” questões que envolvam vínculos familiares novos, independente de preconceitos e religiões famintas por “apontar o dedo”, ao invés de acolher, entender, respeitar.

Neste sentido, surgem novos arranjos familiares que têm como única e exclusiva vontade e desejo, amar e ser amado.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que, em atenção às novas estruturas familiares, baseadas no princípio da afetividade jurídica, a permitir, em última análise, a realização do indivíduo como consectário da dignidade da pessoa humana, a coexistência de relações filiais ou a denominada multiplicidade parental, compreendida como expressão da realidade social, não pode passar despercebida pelo direito.

Por constatar a evolução da concepção de família, a doutrina vem pontuando que os alicerces familiares não mais repousam apenas na dependência econômica, tampouco estritamente na ascendência biológica, mas sim na cumplicidade, na solidariedade mútua e no afeto existentes entre seus membros. 

Neste sentido, segundo o Supremo Tribunal Federal, Corte máxima do Brasil e última instância jurídica das garantias de nossa Constituição Federal, informa que, a dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador.

O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares.

O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei.

A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (I) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (II) pela descendência biológica ou (III) pela afetividade.

Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º).

Cuida-se, assim, da assunção, pelo ordenamento jurídico, de que a eleição das próprias finalidades e objetivos de vida do indivíduo tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador.

No campo da família, tem-se que a dignidade humana exige a superação de óbices impostos por arranjos legais ao pleno desenvolvimento dos formatos de família construídos pelos próprios indivíduos em suas relações afetivas interpessoais.

Transportando-se a racionalidade para o Direito de Família, o direito à busca da felicidade funciona como um escudo do ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. É o direito que deve se curvar às vontades e necessidades das pessoas, não o contrário, assim como um alfaiate, ao deparar-se com uma vestimenta em tamanho inadequado, faz ajustes na roupa, e não no cliente.

A omissão do legislador brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não pode servir de escusa para a negativa de proteção a situações de pluriparentalidade. É imperioso o reconhecimento, para todos os fins de direito, dos vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos. 

Por isso, o reconhecimento da dupla parentalidade, deve ser garantido em todas as esferas judiciais, sem preconceito, com o obrigatório reconhecimento dos efeitos jurídicos dos vínculos genético e socioafetivo relativos ao nome, alimentos e herança.

POR FLÁVIO DE MELO FAHUR











- Advogado Fundador do Escritório de Advocacia Flávio de Melo Fahur;
-  Membro da:
   -Comissão de Direito de Família da OAB/RJ;
         -Comissão de Práticas Colaborativas da OAB/RJ;
          - Comissão de Direito Homoafetivo da OAB/RJ;
- Especialista em Mediação e Artbitragem pela FGV/RJ;
- Mediador do IBECOOP- Instituto Brasileiro em Estudos em Cooperativismo;e
- Professor na ESA - Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ.  
Nota do Editor:
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