sábado, 8 de junho de 2024

Quem se beneficia com a creche em três turnos?



Autora: Samira Daleck(*)


"Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana."

Carl Jung

Temos visto ultimamente uma apelação de parte da sociedade para a criação das creches em três turnos, onde os bebês e crianças teriam como horário de entrada  7h00 e saída 22h00. São quinze horas no total de atendimento, dentro de uma instituição de educação. O que vemos hoje, em sua maioria, é o atendimento das 7h às 17h o que completa dez horas de atendimento. Convido você caro leitor a refletir comigo, um bebê ou criança que passa dez horas longe de sua família, com horários para comer, brincar, descansar, uma rotina completa de atividades, tem na verdade uma rotina exaustiva como a de um trabalhador adulto. Esta criança fica em uma escola sim com professores qualificados e toda uma estrutura preparada para recebê-la, mas essa jamais substituirá sua família.

Por muitas vezes vemos crianças doentes, com febre, indisposição, falta de apetite, gripes e resfriados frequentando a creche normalmente porque a família não tem com quem deixar a criança para trabalhar. Veja bem a creche é um direito da criança assegurado por lei:

"A lei 8.069/90 definia como dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente atendimento em creche e de pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade."

Então cabe a ressalva de que a creche não é uma rede de apoio para que os responsáveis possam deixar as crianças para trabalhar e sim um direito da criança à educação infantil. Esclarecido este ponto será que cabe para uma criança que já fica dez horas na creche ficar mais cinco? Afirmo como especialista que não. Dez horas são mais do que suficientes para que a criança aprenda o que estabelece a base comum curricular brasileira BNCC para a educação infantil.

"Além de brincar e conviver, a BNCC estabelece outros direitos da aprendizagem no ensino infantil, como participar das ações na escola e na comunidade; explorar saberes sobre as próprias emoções; expressar-se sobre dúvidas, sentimentos e opiniões; e construir a identidade pessoal, social e cultural."

Então como poderíamos resolver esta questão dos responsáveis não ter com quem deixar a criança para trabalhar? A necessidade das famílias com a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho não existe apenas na educação infantil, mesmo porque as crianças não deixam de frequentar a escola quando vão para o ensino fundamental. Esta é uma demanda que ultrapassa a educação e passa à assistência social.

A maioria das crianças que ficam na creche em período integral apresenta sinais de fadiga física e emocional bem como nós adultos, com choro repentino, apatia, falta de interesse em participar das vivências propostas, irritabilidade, pouco antes dos momentos de pausa entre férias e recesso escolar. Ainda assim existem as crianças que durante as férias ficam em programas como colônia de férias, sem pausa para descanso emendando um ano letivo no outro. Os casos de pais que tiram férias do trabalho e as crianças continuam indo para a escola são incontáveis. É claro que existem as exceções com famílias supercuidadosas, mas a grande maioria é de famílias que só procuram um lugar para deixar as crianças, não participam das reuniões, dos eventos, das convocações, não olham as agendas, mochilas etc.

Acredito que para chegarmos a uma solução em sociedade deveriam existir instituições preparadas para receber as crianças depois da escola com profissionais capacitados para acolher estas crianças até que seus pais pudessem buscá-las após o trabalho ou faculdade. Nestas instituições as crianças poderiam tomar banho, receber alimentação e descansar com supervisão e segurança.

As mesmas instituições poderiam receber estas crianças no período de férias e recesso escolar, após o per´8iodo que participassem das atividades cotidianas. Não podemos nos esquecer de garantir descanso a todas estas crianças.

Este artigo não trata de situações de crianças que vivem em situação de vulnerabilidade estas com toda certeza devem ser encaminhadas a assistência social o quanto antes para que seus direitos básicos sejam garantidos.

Vimos aqui que a questão da creche em período integral de três turnos bem mais ampla do que apenas uma mudança de horário e necessita de um debate profundo com especialistas na área da educação e assistência social, pois quem não acompanha o cotidiano de dentro da escola não é capaz de avaliar as reais condições e necessidades dos bebês e crianças que frequentam as creches e escolas de período integral.

Precisamos garantir os direitos fundamentais dos bebês e crianças, seu bem-estar físico e emocional e sua segurança. De acordo com a Constituição Federal do Brasil a educação:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Bibliografia

Constituição Federal

Base Nacional Comum Curricular  BNCC

Estatuto da criança e do Adolescente – ECA

*SAMIRA DALECK 

















- Professora Humanista;

-Graduação em Pedagogia pela UNICASTELO (2007);

-Pós- graduação em Neuropsicopedagogia pela FATAC 06/2022); 

-Psicanalista pelo Instituto Brasileiro de Terapias Holísticas (01/2024) e

-Terapeuta Holística pelo Instituto Eliana Lovieni (2021)

Nota do Editor:

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sexta-feira, 7 de junho de 2024

O “Bebê Rena” de todos nós


Autora: Maria Rafaela de Castro(*)


O "Bebê Rena" é uma complexa e angustiante série de 2024 da Netflix que vem arrebatando as audiências nos mais diversos países, suscitando muitos debates sobre as situações não apenas da condição de perseguidores, mas, principalmente, sobre os abusos e como podemos ser instrumentos conscientes ou não dos nossos "algozes" e quanto à capacidade de estabelecermos vínculos.

Além de despertar, no meu caso de jurista, uma série de questões do alcance do Direito, essa crônica revela mais do que isso, pois a série se torna um despertar de depoimentos sobre relações tóxicas humanas. Portanto, a ideia não é discutir sobre os efeitos criminais da perseguição e de todas as consequências de natureza civil.

É fato de que nossa sociedade está adoecida e muitos concordam que os efeitos pandêmicos, meio apocalípticos, tornaram o mundo mais sensível.

Os gatilhos emocionais e as fragilidades com que nos deparamos todos os dias com problemas e pessoas, torna-nos, muitas vezes, refém de nós mesmos quando buscamos a aceitação nos grupos de forma desenfreada, tal como aconteceu com o protagonista da série que tolerou os abusos do outro (da Martha) para fins de validar uma suposta aceitação enquanto ser humano e como profissional.

Quantas vezes nós fazemos isso?

Aceitamos o menos ou nos subjugamos a aceitar o inferior de nossa qualidade de vida para cabermos em algo que não é capaz de nos comportar como seres humanos e individuais em nossas vontades e perspectivas.

Às vezes, suprimimos ou reduzimos nossos sonhos e nosso tamanho pela necessidade angustiante de ter a atenção de alguém. Tentamos entrar em compartimentos sociais que não cabe nossa necessidade e entramos numa ideia de zonas utópicas de conforto que nos enfraquecem progressivamente.

O Bebê Rena, muitas vezes, é que o fazemos com o outro quando temos o poder de formar ou influenciar uma opinião e somos fracos até mesmo para dizer um "não" necessário e fundamental para o crescimento do outro.

Não sou terapeuta, mas faço terapia (felizmente!) e acredito que essa série nos arrebata para discutir as falhas de nossa sociedade sobre como estamos sendo coniventes injustificadamente com erros que deveriam ser consertados em vez de enaltecidos.

Estamos numa sociedade em que se cultivam curtidas frenéticas nas redes sociais em busca de atenção superficial de alguns segundos deixando na berlinda nosso caráter e nossa essência.

Na cena em que o personagem se depara com sua própria fraqueza (e não se trata de spoiler), torna-se quase que uma confissão, no palco, de toda a sociedade de como nos deixamos corromper por amores, amizades, trabalhos e comportamentos falsos e rasos pela simples necessidade de validação que, no interior de nossas angústias, possivelmente não tenham a menor importância.

É uma série para se pensar, discernir e separar sobre nossos monstros e demônios que nos fazem aceitar quase tudo pela validação do outro ou de um determinado grupo social.

Seremos, nesse momento, "Bebês Renas" ou "Marthas"?

Mensagem para você: Que não sejamos ideias "renas" de terceiros e tenhamos a fortaleza de sermos mais do que "Marthas". Eu, assim, desejo a todos vocês boas escolhas. Enviado do meu Iphone (riso irônico).

* MARIA RAFAELA DE CASTRO
















-Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará(2006);
-Pós -Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá (2008);
-Mestrado em Ciências Jurídicas na Universidade do Porto Portugal(2016);
-Doutoranda em Direito na Universidade do Porto/Portugal;
Juíza do Trabalho Substituta da 7a Região; 
-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;
-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;
-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;
-Professora do curso Gran Cursos online;
-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e
-Palestrante.
- Instagram @juizamariarafaela

Nota do Editor:

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quinta-feira, 6 de junho de 2024

Notas sobre a Ação de Exoneração de Obrigação Alimentar


 Autor: Sergio Luiz Pereira Leite (*)

Muitas pessoas que estão obrigadas a prestar alimentos a seus parentes (filhos, ascendentes ou mesmo colaterais) acreditam que se livram dessa obrigação, no caso dos filhos, apenas com a ocorrência da sua maioridade civil e que essa obrigação se extingue automaticamente.

Entretanto não é assim que ocorre. O que se cumpre, com esse lapso temporal, é a obrigação decorrente do chamado vínculo de parentesco, ou seja, a obrigação decorrente dessa condição e da menoridade civil do alimentado, no caso de filhos menores.

Mesmo assim, a exoneração da prestação alimentícia não se dá de forma automática, mesmo porque ela pode ser pleiteada por quem dela necessita para a sua sobrevivência.

Para que a exoneração da pensão alimentícia aconteça, torna-se mister que o alimentante ingresse em Juízo para que, através de uma ação declaratória, se exonere do encargo alimentar judicialmente imposto.

E o fundamento legal para embasar o pedido de exoneração de obrigação alimentar encontramos no artigo 1.699 do Código Civil, que pode servir também para proceder a majoração ou a diminuição do encargo alimentar, dependendo do caso.

Diz o mencionado artigo, verbis:

"..Se fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.."

A Súmula 358 emanada do STJ com a redação que lhe foi dada, não permite a exoneração automática da pensão, carecendo o Autor ingressar com pedido expresso nesse sentido, razão pela qual se torna impositiva a formulação expressa de pedido de exoneração de obrigação alimentar.

É a seguinte a sua redação: O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.

Essa redação também é fator de contingência para que ocorra a chamada tutela antecipada, pois como acima visto, a modificação da obrigação alimentar apenas ocorre mediante contraditório. Assim se tem manifestado o Poder Judiciário sobre o tema:

"...Tratando-se de pedido de concessão de tutela de urgência, impõe-se observar que a discussão do presente, deve se circunscrever aos limites definidos pelo artigo 300, caput, do Código de Processo Civil, segundo o qual "a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo." Significa dizer que se está diante de questão submetida à denominada cognição sumária, de natureza precária, exercida sem o exaurimento do contraditório pelas partes e sem base probatória segura. Dentro desta ótica, o que cabe realçar no caso em apreço é que tratando-se de ação exoneratória de pensão alimentícia com a qual o alimentando paga suas despesas, apenas em situações extraordinárias se mostra cabível a concessão da tutela de urgência, circunstância, que, todavia, não foi suficientemente comprovada nos autos pelo requerente. Com efeito, neste momento processual, não se vislumbra a existência de provas suficientes a comprovar o exercício de atividade remunerada pelo alimentando. Não se despreza a possibilidade de o alimentante ter razão quanto ao seu pedido exoneratório, mesmo assim não se mostra prudente o cancelamento da pensão sem dar oportunidade para a parte contrária se manifestar a respeito porquanto os fatos alegados na inicial da ação exoneratória dependem de comprovação à luz do contraditório. Recomendável, pois, se mostra a regular instauração do contraditório e a dilação probatória, uma vez que tratando-se de pedido de exoneração de alimentos, a cautela deve ser redobrada, dadas as prováveis consequências da interrupção do pagamento da pensão alimentícia..."

Tais despachos iniciais, proferidos em ações de exoneração de encargo alimentar, não têm logrado receptividade nos tribunais superiores, com o indeferimento de agravos interpostos contra tais decisões.

Dessa forma, o pagamento de verba alimentar durante a tramitação da ação que visa a exoneração da obrigação é impositiva, apenas podendo cessar depois de sua decisão favorável, cabendo ao alimentante arcar que tal custo.

Estas, em suscintas palavras, as notas sobre a ação de exoneração de pensão alimentícia.

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE

-Advogado graduado pela Faculdades de Ciências Jurídicas e Administrativas de Itapetininga (03/76) e
-Militante há mais de 45 anos nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.


Nota do Editor:

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quarta-feira, 5 de junho de 2024

O que são os superendividados e como sair dessa situação


 Autora: Ana Luiza  Gonçalves  de Souza (*)


Pesquisas apontam que atualmente o número de brasileiros considerados superendividados equivale a mais ou menos 33% da população!

Por isso, importante ter conhecimento da Lei do Superendividamento, Lei nº 14.181/2021, que á uma proteção especial pra quem está atolado em dívidas. Na verdade, apesar do nome Lei do superendividamento o assunto veio como alterações no Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, nela incluindo artigos que tratam sobre o tema, artigos 54-A a 54-G.

A famosa palavra superendividamento tem que ser entendida no sentido jurídico, pois a proteção legal destina-se aos superendividados que se encaixam no conceito legal e não no conceito leigo, que está na boca do povo.

Em termos jurídicos, o superendividamento é a impossibilidade de pagar as dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial pra sobreviver.

A Lei do Superendividamento, como já dito, complementa o Código de Defesa do Consumidor, nos artigos 54-  a 54-G  e traz procedimentos que devem ser seguidos pra renegociar as dívidas. Esse é o objetivo principal: disciplinar a concessão de crédito e possibilitar a negociação dos débitos.

A lei tem, como ponto chave, a opção de renegociar todas as dívidas de uma só vez, com um plano de pagamento aos credores, mas sem tirar do devedor o mínimo que ele precisa pra sobreviver. Assim, ela protege quem tem muitas dívidas ao mesmo tempo que garante a satisfação do credor.

E quem é o tal superendividado? Será que todas as dívidas entram na renegociação permitida pela lei?

A primeira informação é que apenas as pessoas físicas podem sem consideradas endividadas; portanto empresas estão excluídas da proteção legal.

Lei define superendividado como aquela pessoa que não consegue pagar suas dívidas (vencidas e vincendas) e manter o mínimo pra sobreviver. Ou seja: é a pessoa que não consegue pagar tudo o que deve e ainda viver de forma digna.

E quais dívidas entram na Lei do superendividamento? Somente as chamadas dívidas de consumo, ou seja aquelas oriundas da aquisição de bens e serviços, como: contas de luz, água, internet e telefone; boletos,  carnês; crediário, dívidas no cartão de crédito, empréstimos com bancos e financeiras e parcelamentos.

Dívidas de tributos e crédito habitacional ou aquelas geradas pela compra de produtos luxuosos estão excluídas.

Dívidas de pensão alimentícia também não podem ser renegociadas valendo-se da lei do superendividamento.

E como usar a lei em favor do superendividado? Soma-se todas as dívidas do endividado; soma-se todas as contas mensal do devedor e de sua família, que mora com ele, referente aos gastos mensais necessários para subsistência; chega-se a um valor que possa ser pago pelo endividado, para pagar as dividas e que não comprometa o sustento básico de sua família.

Essa renegociação pode ser feita diretamente com o credor ou através de uma ação judicial própria, feita por um advogado.

 *ANA LUIZA GONÇALVES DE SOUZA

-Sócia fundadora do escritório Gonçalves Advocacia e Consultoria; e

-Especializada em Direito de Família e Direito do Consumidor


 Nota do Editor:

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terça-feira, 4 de junho de 2024

Impactos atuais da suspensão da prescrição da Lei nº 14.010/2020 nas relações trabalhistas


Autora: Milena Martins de Oliveira (*) 

A emergência de saúde causada pela Sars-Covid 19, que levou a Organização Mundial de Saúde a decretar calamidade e pandemia em 2020, causou impactos não somente nas relações  econômicas, sociais e financeiras. O impedimento de deslocamento e a decretação de isolamento social afetou também as relações jurídicas, principalmente as referentes aos contratos de trabalho.

A MP 936/2020, convertida na Lei nº 14.020/2020, previu e regulou medidas para diminuir o fluxo de pessoas, tais como a regulação do trabalho remoto, redução de carga horária, antecipação de férias, licenças remuneradas e suspensão dos contratos de trabalho com percepção de parcelas equivalente ao seguro-desemprego, além de garantia provisória de emprego para trabalhadores que tiveram seus contratos suspensos.

Por outro lado, a Lei nº 14.010/2020 instituiu normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da pandemia do coronavírus (Covid-19), determinando a suspensão de prazos prescricionais e decadenciais (art. 3º, caput, §§ 1º e 2º).  No entanto, não se aplicam as disposições do referido artigo enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional. Aplica-se, contudo, à decadência, observada a ressalva do art. 207 do Código Civil Brasileiro.

É inegável a incidência da referida norma aos contratos de trabalho, tendo em vista a classificação do Direito do Trabalho no ramo do Direito Privado[1], bem como a proteção do crédito trabalhista, de natureza alimentar e privilegiada. A Lei nº 14.010/2020 aplica-se ao Direito do Trabalho por força do disposto no art. 8º, § 1º, da CLT , inexistindo conflito com o art. 11, § 3º, da CLT, que traz regra geral de interrupção da prescrição trabalhista, mas não afasta aplicação subsidiária da norma de direito comum de suspensão dos prazos, que possuiu caráter transitório e emergencial em razão da pandemia de Covid-19.

De acordo com o art. 7º, XXIX, da CF a "ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”. No mesmo sentido o artigo 11, caput, da CLT.

A Lei nº 14.010/2020 tratou da suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais, fixando em seu artigo 3º que "Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020", ou seja, de 12.06.2020 a 30.10.2020. A quantidade de dias compreendida no prazo de suspensão da prescrição determinada pela Lei nº 14.010/2020 é de 141 dias.

Portanto, a consequência prática da referida lei é que, nesse período, não se produziram efeitos jurídicos entre as partes, postergando a prescrição bienal e interferido na contagem da prescrição quinquenal parcial dos créditos trabalhistas (art. 7º, XXIX, da CRFB  e art. 11 da CLT). Além disso, a prescrição intercorrente, tratada no art. 11-A da CLT, também foi afetada pela suspensão da prescrição.

Todavia, passados quase quatro anos da entrada em vigor da Lei nº 14.010/2020, parece que o seu regramento transitório resta esquecido na contagem da prescrição e na fixação do marco prescricional, como se observa na quantidade de julgados tratando desse assunto. Como exemplo, citam-se os seguintes excertos de Tribunais Regionais do Trabalho de diversas regiões:


"PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS. LEI Nº 14.010/2020. Na contagem do prazo prescricional bienal deve ser observada a suspensão disposta pelo artigo 3º da Lei nº 14.010/2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do coronavírus (COVID-19). Recurso provido.” (TRT-1 - AP: 01000421320215010020 RJ, Relator: MARCELO ANTERO DE CARVALHO, Data de Julgamento: 12/11/2021, Décima Turma, Data de Publicação: 24/11/2021)

"RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. LEI N. 14.010/2020. Conforme disposto na Lei n. 14.010/2020 os prazos prescricionais ficaram suspensos da sua vigência, 12/06/2020, até 30/10/2020, em virtude das restrições impostas durante a pandemia do Coronavírus. In casu o prazo prescricional se iniciou em 17/01/2020, data da dispensa do reclamante, e foi suspenso em 12/06/2020, retomando fluxo em 31/10/2020, razão por que, quando do ajuizamento da presente ação, 31/05/2022, o prazo prescricional de dois anos ainda não havia se completado. Assim, dá-se provimento ao recurso do reclamante para afastar a prescrição e determinar o retorno dos autos à Vara de origem para prosseguimento do feito. Recurso ordinário conhecido e provido." (TRT-11 00004743520225110012, Relator: LAIRTO JOSE VELOSO, 2ª Turma)

"LEI N. 14.010/2020. SUSPENSÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS. PANDEMIA DA COVID-19. PRESCRIÇÃO TRABALHISTA. A Lei n. 14.010/2020, que dispõe sobre o "Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19)", suspendeu os prazos prescricionais, nos seguintes termos: "os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020" (art. 3º, caput). Trata-se de mandamento legal e geral e que, portanto, aplica-se no cômputo da prescrição trabalhista." (TRT-3 - ROT: 0011595-31.2022.5.03.0029, Relator: Maristela Iris S.Malheiros, Segunda Turma)
A questão, inclusive, já chegou ao Colendo Tribunal Superior do Trabalho:

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017 E DA IN 40 DO TST. PRESCRIÇÃO BIENAL. PANDEMIA. SUSPENSÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS. LEI 14.010/2020. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. REQUISITOS DO ARTIGO 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. No caso em tela, o debate acerca da caracterização da prescrição bienal e a aplicabilidade da Lei nº 14.010/2020 ao processo do trabalho, quanto à suspensão do prazo prescricional, em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19, detém transcendência jurídica , nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT . Transcendência reconhecida. A discussão dos autos refere-se à caracterização da prescrição bienal, e a aplicabilidade da Lei nº 14.010/2020 ao processo do trabalho, quanto à suspensão do prazo prescricional, em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19. No caso, segundo fundamento da sentença, reiterado pelo Regional, o contrato de trabalho encerrou-se em 10/2/2019 (já incluído o período do aviso prévio), e a ação em apreço foi ajuizada em 25/3/2021. A Lei nº 14.010/2020, contudo, suspendeu os prazos prescricionais entre 12/6/2020 e 30/10/2020, conforme teor do art. 3º. Uma vez ocorrida a suspensão dos prazos processuais entre 12/6/2020 e 30/10/2020, ou seja, pelo prazo de 141 dias, tem-se que a prescrição bienal apenas ocorreria em 1/7/2021. A ação em apreço, por sua vez, foi ajuizada em 25/3/2021. Por outro lado, a norma regente de prescrição trabalhista é, por definição, norma restritiva de direito, não comportando exegese ampliativa que a faça prevalecer em detrimento de regra geral de suspensão dos prazos prescricionais, a pretexto de ter o titular do direito sinalizado aptidão para propor a ação antes do início da suspensão processual. Conclui-se, portanto, que não se operou a prescrição bienal das pretensões do reclamante. Recurso de revista conhecido e provido."” (TST - RR: 0010296-02.2021.5.15.0132, Relator: Augusto Cesar Leite De Carvalho, Data de Julgamento: 28/02/2024, 6ª Turma, Data de Publicação: 01/03/2024)

É cediço que o Direito do Trabalho não comporta a pronúncia de ofício da prescrição[2], exceto no que se refere à prescrição intercorrente (vide art. 11-A da CLT). Dessa forma, nos casos concretos, o operador do direito deve estar atento à pronúncia da prescrição bienal, à fixação do marco prescricional quinquenal e à pronúncia da prescrição intercorrente nas decisões judiciais, que devem considerar a suspensão do prazo prescricional prevista pela Lei nº 14.010/2020, para que o titular do direito não seja prejudicado. O advogado da parte lesada deve ser vigilante para que a suspensão da prescrição seja aplicada.

 A previsão legal da causa impeditiva da prescrição na Lei nº 14.010/2020 está amparada pelos princípios da inafastabilidade da jurisdição e do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CRFB), bem como pelo princípio do "contra non valentem agere non currit praescriptio" (o prazo prescricional não pode fluir contra quem não pode agir).

Trata-se exatamente da previsão da Lei nº 14.010/2020, pois é fato notório (art. 374 do CPC) que o cenário de incerteza trazido pela pandemia (Covid-19), em especial a necessidade de isolamento social como forma de combate, com diversas medidas de restrição imposta pelos Poderes Públicos de todas as esferas, com reconhecimento do "estado de calamidade pública", deve ser considerado causa impeditiva do exercício de direito por seu titular, ainda mais se cuidando do credor trabalhista, presumidamente hipossuficiente.

 

 REFERÊNCIAS

[1]DELGADO, Mauricio Godinho. "Curso de Direito do Trabalho", 18ª Edição, Editora LTR, , pág. 84;

[2] TST - RR: 00109956320215150141, Relator: Sergio Pinto Martins, Data de Julgamento: 21/06/2023, 8ª Turma, Data de Publicação: 26/06/2023


*MILENA MARTINS DE OLIVEIRA




















-Analista Judiciária  da Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região; 

- Formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;

-Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho 

-Amante de leitura, contos e poesia.

Nota do Editor:


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Usurpação Judiciária


 

 Autor: Luiz Antonio Sampaio Gouveia (*)

No recurso especial n. 2.097.460, do Estado de Mato Grosso do Sul, firme nos dispositivos do artigo 1.042, § 5º, do Código de Processo Civil e na Emenda Regimental n. 41, de 21 de setembro de 2022, do STJ, motivado pelo empenho de nosso colega, o advogado Alberto Zacarias Toron, no Supremo Tribunal Federal, consegui na 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, conversão de um agravo interno em agravo em recurso especial, superando o rito de um julgamento virtual, para o presencial e de sorte a poder sustentar oralmente naquela Corte o cabimento de um recurso especial. 

Sem dúvida o Poder Judiciário brasileiro vem usurpando funções da Advocacia, em que certamente os advogados concorrem em grosso modo e em sua maioria, para que isto ocorra porque cedem ao conformismo de se render a imposições de um sistema, que se afunila na burocracia de um regime em que muitas vezes a amplitude constitucional do Direito de Defesa e do necessário contraditório são relegados a uma fábula, como diria La Fontaine, do tempo em que os bichos falavam. 

Claro que, como na hipótese do moleiro de Berlim, ainda há juízes no Brasil. Mas a introspecção da Magistratura, converte-a em estamento corporativo, em que ela se põem como razão deturpada de seu poder constitucional de julgar, como se o processo existisse para seu conforto exclusivamente, quando o sujeito de sua própria existência deveria ser o jurisdicionado e não ela própria somente.

Cúmplices de uma ainda não bem explicada revolução cibernética, os ritos judiciários vêm sendo deturpados, culminando com uma monstruosidade que se chama processo virtual, que na polissemia deste vocábulo, virtual, significa mesmo o processo que deveria existir e efetivamente não existe.

O jurisdicionado é devorado por este tal de processo virtual, desprovido de qualquer virtude de Justiça, em que, no contencioso civil e criminal, faz-se lembrar a história de outros seres humanos, que na Grécia antiga, eram devorados pelos oráculos, em que em como muitos dos julgados modernos, o mote é, decifra me ou eu te devoro. 

Nesta marcha suicida vai se consumindo o pouco de civilização que ainda existia no Brasil, propendentemente a uma asfixia do Estado de Direito Constitucional, que ainda se aspira social, todavia que está sufocado em cada esquina de nossos tribunais e vai levando para a morte igualmente a justiça democrática, como se fora ela fruto de um misterioso processo de juízo final, em que o demiurgo celeste é o fautor de um processo cujas regras somente ele conhece e fosse assim, o ser humano um joguete de sua vontade, que nem sequer pode presenciar seus julgamentos divinatórios, quanto mais com ele interagir. 

A situação do Judiciário gravíssima – e não é apenas a questão do processo virtual – é também a incompreensão dos ritos em tudo inadequados, em uma ordem constitucional onde o Poder Judiciário é a chave de toda ordem democrática da Constituição de 1988, entretanto em que se vê o STF atacado por toda ignorância da polarização. Não obstante ele próprio por seu alvitre disfuncional seja igualmente culpado pela desordem jurídica que extravasa de seus plenários da Justiça, como se fosse o Judiciário o padre eterno e o jurisdicionado apenas uma marionete de sua veleidade. Como nas sagradas escrituras estamos como Sodoma e Gomorra. Aqui, em crise, quem se salva?

*LUIZ ANTONIO SAMPAIO GOUVEIA


















-Advogado graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP (Arcadas) (1973);
-Mestre em Direito Público (Constitucional) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
- Especialista pela FGV, em Finanças (EAESP) e Crimes Econômicos (GVlaw);
-Orador Oficial e Conselheiro do Instituto dos Advogados da São Paulo e
 -CEO de Sampaio Gouveia Advogados.

Nota do Editor:

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segunda-feira, 3 de junho de 2024

O Pilar Esquecido do Futuro Econômico do Brasil


Autor: André Luís Zorzi(*) 


É um consenso entre economistas que a educação é um pilar fundamental para o desenvolvimento de qualquer nação. No entanto, o atual modelo educacional brasileiro apresenta graves deficiências que não podem ser ignoradas, especialmente sob a ótica econômica. Este texto não se limita a mencionar a baixa remuneração salarial dos professores e servidores; o problema vai muito além disso.

O meu ponto aqui é que o sistema educacional brasileiro está desatualizado e não prepara adequadamente os indivíduos para as demandas do mercado de trabalho moderno. O processo de globalização apresenta um cenário de incertezas: "quais serão as profissões do futuro?". Nesse sentido, a minha crítica é de que a escola não deve moldar um aluno para um mercado de trabalho previsível, mas sim prepará-lo com ferramentas que aprimorem sua capacidade de aprendizado e adaptação às inovações que virão nos próximos anos.

Conforme os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, 2022), 27% dos alunos brasileiros atingiram o nível mínimo de aprendizado em matemática, enquanto apenas 1% alcançou os níveis mais altos, que estão relacionados à capacidade dos alunos de elaborar estratégias para resolver problemas complexos.

É praticamente inaceitável que um estudante complete o ensino médio sem dominar noções básicas de matemática, português e ciências (e eu nem vou entrar na discussão sobre educação financeira nas escolas). Em um mundo onde a tecnologia e a inteligência artificial estão transformando rapidamente o panorama dos empregos, essas habilidades são essenciais.

Muitos empregos tradicionais estão desaparecendo ou irão desaparecer em breve, enquanto novas oportunidades surgem em setores que exigem habilidades técnicas avançadas. O mercado de trabalho, por exemplo, está cada vez mais demandando profissionais que sejam capazes de lidar com grandes volumes de dados, automatizar processos e se adaptar rapidamente às inovações tecnológicas.

Infelizmente, o sistema educacional atual não acompanha essas mudanças. A falta de preparo em áreas importantes do conhecimento coloca os jovens brasileiros em desvantagem competitiva global, perpetuando um ciclo de baixa produtividade e crescimento econômico lento. Em outras palavras, a crise educacional é um problema de longo prazo que afeta gerações inteiras, e a preocupação política com esse assunto frequentemente se revela apenas demagógica, resultando em poucas ações efetivas.

Países que investem em educação de qualidade, especialmente em áreas tecnológicas, colhem os frutos em termos de maior inovação, produtividade e competitividade. O Brasil, ao falhar em atualizar seu currículo escolar para incluir competências essenciais como programação, análise de dados e finanças pessoais, está, na prática, comprometendo seu próprio futuro econômico. Finalizo este texto convicto de que a reforma econômica mais importante para o país é a reforma do sistema educacional.

* ANDRÉ LUÍS ZORZI

























-Graduado com Mérito Acadêmico em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG (2021); 

- Mestre em Economia Aplicada  na USP com ênfase em produtividade, gestão de riscos e seguro (01/2024);

-Doutorando em Economia pela Univerdsidade de Brasília (UnB) 

Nota do Editor:

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