Autor: Edson Alves Domingues(*)
Nasci há setenta anos. As
experiências que vivi têm pouco do que acontece hoje. Vivia numa casa onde
tinha um poço, de onde tirávamos a água necessária para as tarefas e
necessidades diárias da minha família. O balde, vinha pesado, cheio, e
balançava, preguiçoso no sarilho, antes de despejar o seu conteúdo numa bacia,
ou outro recipiente qualquer.
Luz elétrica, eu já conheci cedo,
mas muita gente da vizinhança utilizava lamparina ou lampião, ou mesmo velas. O
banho quente era com água fervida, em fogão a lenha, e posta na bacia, que
fazia a nossa alegria no asseio diário.
Na copa do mundo em 1958,
ouvíamos os jogos pelo rádio, com todos reunidos na sala, vibrando com a
narração do Edson Leite, narrador famoso na época.
Andei de bonde, e no bairro onde
morávamos, ele era aberto, e os chamados Bonde Camarão, fechados, serviam
outros bairros, como a Penha, Santo Amaro, e Sumaré, pelo que me lembro.
Nos ônibus, o cobrador percorria
os corredores, coletando o dinheiro da passagem, e o recibo era um pequeno
impresso que ele destacava de um bloquinho padrão.
Fiz muitas viagens de trem, pela
Companhia Paulista de Estradas de Ferro, nosso destino era sempre Bauru, casa
da minha avó, e íamos de segunda classe, e o ponto alto era o sanduíche de
mortadela, que comprávamos no trem, pois a viagem demorava cerca de sete horas,
passando por Jundiaí, Campinas, Rio Claro, Itirapira, Brotas e Jaú.
Quando moleque, jogava bola na
rua, mas esta era feita de jornal bem amassado, encapado com meia de seda
feminina, mas ela não resistia muito tempo à água das sarjetas do nosso
campinho.
Andar descalço era comum, tanto
que as campanhas na escola tinham o Jeca Tatu como personagem, tentando
convencer as pessoas a andar de botina. Por andar descalço, peguei uma doença
na sola do pé, chamada mijacão, causada por urina de cavalo que passava pela
rua do bairro, puxando uma carroça que vendia banha e frango.
No primeiro ano do Grupo escolar,
onde cursava o primário, nós só usávamos lápis, pois a tinta só começava a ser
usada no segundo ano, com uma pena que era encaixada num suporte parecido com
um lápis, e molhávamos no tinteiro que cada um trazia de casa.
As carteiras escolares eram em
dupla, então, o desafio era ter um amigo para sentar junto durante as aulas,
para ser mais agradável o ano escolar.
Quando usava sapato, era comprado
o Verlon, um sapato de plástico, e o tênis, quando conseguia comprar, era o
Conga, ou o Sete Vidas, um mocassim de lona.
Quando entrei no Ginasial,
tínhamos a caderneta escolar, que registrava a nossa presença na escola, e eram
lançadas as notas, verdadeiro suplício, quando tinha de levar para os pais
assinarem.
Esses acontecimentos são
impensáveis nos dias de hoje para as crianças e adolescentes, e ao olharmos bem
a infância aqui narrada, está longe da opulência ou das coisas como acontecem
hoje.
Esse era o panorama vivido numa
época, que considero de certa forma romântica, e cujo desenvolvimento permitia
a cada criança resolver e viver com certa dose de liberdade.
Longe de mim dar o tom de queixa
a esses fatos, mas o objetivo é o de relembrar uma época muito cara e
importante que vivi.
É interessante recordar, e sentir
que a minha existência tem uma característica pessoal, criativa da qual me
orgulho, e escrever sobre isso traz junto uma nostalgia e satisfação.
Meus sonhos eram simples, e viver
o aqui e agora, embora reconheça que tenha amadurecido precocemente, e
preocupado com o futuro muito cedo.
Hoje a tecnologia facilita
sobremaneira a vida das pessoas, e eu a utilizo naquilo que consigo acompanhar,
pois o meu ritmo é mais lento tanto pela idade, quanto pela ignorância de tudo
que temos à nossa disposição, mas procuro me esforçar para aprender, e
aproveitar essas "modernidades", afinal, recordar é reviver, e os bons sonhos permanecem
como fiéis companheiros para o resto de nossas vidas.
*EDSON ALVES DOMINGUES