quarta-feira, 9 de abril de 2025

A judicialização da saúde no Brasil e os planos "falso coletivos”

Autora: Laura Marson Lopes Morelli Trolese(*)



A judicialização da saúde é um fenômeno que vem crescendo exponencialmente no Brasil e afeta tanto o sistema público quanto o sistema privado. Além da judicialização para fornecimento de medicamentos, insumos, realização de cirurgias e tratamentos, também houve um aumento abrupto de ações buscando a equiparação dos planos coletivos (por adesão ou empresariais) aos planos individuais/familiares.

Nos últimos anos, os chamados "planos de saúde falso coletivos" têm se tornado um problema crescente no setor de saúde suplementar no Brasil. Muitas operadoras de planos de saúde comercializam esses produtos como se fossem coletivos por adesão ou empresariais, quando, na realidade, não cumprem os requisitos legais para essa categoria, tratando-se, na verdade, de planos de saúde individuais.

Inicialmente, é de suma importância explicar o que são esses planos popularmente conhecidos como "falso coletivos".

Os planos de saúde falso coletivos são aqueles que, embora formalmente registrados como planos coletivos empresariais ou por adesão, na prática funcionam como planos individuais ou familiares. Ou seja, esses contratos possuem menos de 30 segurados e são compostos por indivíduos de um mesmo núcleo familiar, possuindo ou não qualquer vínculo representativo com a entidade contratante do plano de saúde.

Este artifício é utilizado por operadoras para evitar as rígidas regulamentações impostas aos planos individuais e familiares pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), como a impossibilidade de rescisão unilateral pelo plano e a fixação dos percentuais de reajustes anuais pela ANS e não pelo plano.

Trata-se de uma prática abusiva e fraudulenta que prejudica diretamente o consumidor. Serão mostrados a seguir os principais riscos para os beneficiários de planos de saúde "falso coletivos".

Reajustes abusivos: os planos de saúde coletivos não seguem os limites de reajuste anual impostos pela ANS aos planos individuais, ou seja, a operadora, nesta modalidade de plano, possui a liberdade de aplicar aumentos exorbitantes e em total desacordo com as porcentagens aplicadas pela ANS; e

Rescisão unilateral: diferentemente dos planos individuais ou familiares, que só podem ser rescindidos pela operadora em caso de fraude ou inadimplência, os planos coletivos por adesão e/ou empresariais podem ser cancelados sem qualquer justificativa pelo plano, deixando os beneficiários desassistidos.

Uma das principais formas de enfrentamento dos planos de saúde "falso coletivos" é a ação judicial que visa a revisão do contrato firmado entre o plano e o beneficiário e a equiparação do plano atual ao plano individual. Essa ação busca, além de restituir o beneficiário dos valores pagos a maior devido à aplicação de reajustes abusivos (podem ser cobradas diferenças dos últimos 3 anos de contrato em relação aos reajustes aplicados pela ANS), além de garantir ao consumidor os direitos e as proteções estabelecidos pela ANS para os planos individuais e familiares.

Os tribunais estaduais têm reconhecido, em diversas decisões, que esses contratos coletivos firmados sem vínculo real com uma entidade profissional ou empresarial, assim como àqueles contratos empresariais de menos de 30 segurados que só possuem como segurados membros de uma mesma família, devem ser tratados como planos individuais, garantindo maior proteção aos consumidores. Assim, a judicialização se apresenta como um meio eficaz para garantir os direitos dos beneficiários afetados por essa prática abusiva.

Seguem abaixo, a título de conhecimento, decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca do tema:

PLANO DE SAÚDE – REAJUSTE ANUAL DE CONTRATO COLETIVO EMPRESARIAL – Contrato coletivo empresarial com apenas 05 beneficiários ("falso coletivo") – Majoração baseada em "percentual de reajuste único", composto de sinistralidade e VCMH – Embora seja possível o reajuste do contrato em valores acima daqueles emitidos para planos individuais, em observância da Resolução 309/2012, da ANS, não houve indicação do parâmetro utilizado para a apólice da parte autora, nem mesmo qualquer comprovação de elevação dos preços de serviços médicos e hospitalares, ou do aumento da sinistralidade – Reajustes abusivos –Determinação para aplicação de reajustes lançados pela ANS nos anos de 2020 a 2023, com devolução de valores limitada a três anos antes do ajuizamento da ação – Sentença reformada – Apelo provido.

(TJ-SP - Apelação Cível: 1039038-90.2023.8 .26.0100 São Paulo, Relator.: Hertha Helena de Oliveira, Data de Julgamento: 21/02/2024, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/02/2024

PLANO DE SAÚDE. FALSO COLETIVO. Reajustes por sinistralidade e variação dos custos médico-hospitalares (VCMH). Plano coletivo empresarial não sujeito em tese aos índices previstos pela ANS. Plano da autora, contudo, que se qualifica como "falso coletivo", pois cobre apenas núcleo familiar de quatro vidas. Contratação de plano nitidamente individual – pelo seu escopo e função econômica – como plano coletivo tem a finalidade de tangenciar e fugir do controle de normas cogentes. Aplicação do Código de Defesa Consumidor. Reajustes limitados aos índices da ANS. Pretensão restitutória corretamente acolhida. Ação procedente. Sentença mantida. Recurso improvido.

(TJ-SP - AC: 10162072520208260562 SP 1016207-25.2020.8.26 .0562, Relator.: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 09/11/2021, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/11/2021)


Nos casos julgados acima, a Câmara de Direito Privado do TJSP reconheceu se de planos "falso coletivos" e equiparou os contrato a um plano individual, garantindo aos segurados reajustes anuais com base nos índices da ANS, assim como a restituição dos valores pagos a maior pelos últimos 3 anos e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Fica claro que os chamados planos de saúde "falso coletivos" representam uma prática abusiva que compromete a proteção dos consumidores e desvirtua a regulamentação do setor de saúde suplementar no Brasil. A utilização indevida dessa modalidade contratual possibilita os ilícitos de reajustes exorbitantes e rescisões unilaterais, colocando os beneficiários em total situação de vulnerabilidade.

Com isso, a judicialização tem se mostrado um instrumento fundamental para combater essas irregularidades, garantindo aos consumidores a equiparação dos contratos coletivos por adesão e empresariais fraudulentos aos planos individuais e restituindo valores pagos indevidamente. As decisões favoráveis dos tribunais demonstram a crescente preocupação do Judiciário em assegurar o cumprimento das normas da ANS e do Código de Defesa do Consumidor, promovendo maior equilíbrio na relação entre operadoras e beneficiários.

Portanto, é essencial que os consumidores estejam atentos aos seus direitos, além do papel do poder público em reforçar a fiscalização para coibir essas práticas abusivas. Somente com um sistema regulatório eficaz e a devida intervenção judicial será possível garantir maior transparência e segurança jurídica aos beneficiários de planos de saúde.

*LAURA MARSON LOPES MORELLI TROLESE























Advogada formada pela Fundação Armando Alvares Penteado -FAAP (2021); 

Pós-graduada em Direito Médico e da Saúde pela  Pontifícia Universidade Católica do Paraná -  PUCPR (2023);

Advogada no escritório Vainer & Villela Advogados (São Paulo), com atuação nas áreas de direito médico, direito do consumidor e direito aéreo.

Telefone: (19) 99136-5735
E-mail: 
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