Autor: Marcio Cavalcante (*)
Está ocorrendo em Santos o 10º Santos Film Fest e assisti a um documentário chamado “Eu sou da Vila Margarida” que se propõe mostrar a região na visão dos moradores, trazendo um olhar positivo, sensível e pessoal sobre o local, relatando a história, as dificuldades e evolução dos diversos personagens que habitam a Vila Margarida, uma das comunidades mais conhecidas de São Vicente.
Numa das entrevistas um jovem diz: "Um salve de um adulto da quebrada as vezes é mais significativo do que uma ordem de um professor dentro da sala de aula"
Essa frase me pegou de tal forma que fiquei um tempo pensando como seria possível para as pessoas em geral , alunos, pais, professores, aceitarem que escolarização e educação, respeito e orientação, vivências e obrigações não podem estar restritas aos muros da escola e seus sistemas educacionais, a sua rigidez e estreitamento de conhecimentos.
A aprendizagem na "rua" é constante e faz parte do dia a dia desses jovens, que não estão inseridos no mundo das escolas particulares. Por essa razão, a rua é mais atraente, ainda que permeada das mesmas influencias e intenções consumistas. Em contraste, a escola pode parecer tediosa, mas, para essas crianças e adolescentes, ela tem seu valor, pois eles sabem que precisam aprender a ler e a escrever, e demais habilidades que a escola deve proporcionar.
Posso então entender que a frase do jovem e as ideias de Paulo Freire sobre educação libertadora estão centradas na valorização da experiência e do conhecimento do cotidiano dos alunos: "Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes."
Ambos ilustram, portanto, que o conhecimento, relações, experiências da quebrada são tão valiosos quanto o conhecimento acadêmico do professor. A troca de "salves" entre membros da comunidade pode ter um impacto significativo porque é um reconhecimento de saberes que o jovem já possui e valoriza.
Na indissociável relação entre escola e rua, abre-se a possibilidade de reavaliar os discursos, as linguagens e as convivências que ocorrem fora do ambiente escolar. Isso permite a contextualização da ação pedagógica e a articulação do conhecimento com o cotidiano, tornando o ensino mais enriquecedor ao permitir que o aluno se narre, se expresse e se construa.
Paulo Freire defendia uma educação libertadora que reconhecesse e respeitasse os saberes dos educandos, promovendo um diálogo genuíno entre professor e aluno. Ele acreditava que a educação deveria partir da realidade concreta dos alunos, incorporando suas experiências de vida e conhecimentos adquiridos fora da escola. E essa realidade está na "rua", nas redondezas físicas e sociais dos alunos.
Isso não significa somente a contemplação que nos faria ficarmos imobilizados ou presos em uma ilusão utópica. Pelo contrário, trata-se de compreender a dimensão educacional dentro do contexto mais amplo em que a sociedade se encontra. É necessário analisar a educação à luz dessa forma de sociabilidade, considerando sua constituição ao longo do processo histórico real. Antes seja um processo crítico, criativo, relacional, curioso, inteligente e transformador que desafie as estruturas de dominação e capacite os indivíduos a buscar a emancipação, promova a consciência crítica e a transformação social.
"A educação não pode ser um processo de adaptação ao status quo..."
István Mészáros.
Referências:
FREIRE, Paulo . Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008.
*MARCIO CAVALCANTE
-Graduação com Licenciatura e Bacharelado em História - 2012 - PUC – SP;
-Graduação em Licenciatura em Geografia EAD – Facuminas – MG – 2020;
-Pós-Graduação em História Indígena e Afro
Brasileira – Facuminas - MG – 2020; e
-Professor de História e Geografia no Colégio
Moderno – Santos – SP.
- Ramo de pesquisa: Trabalho: Saúde, Higiene
e Segurança, suas representações e articulações por parte dos trabalhadores.
Instagram @historia.poiesis
Nota do Editor:
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Excelente texto, professor Marxcio!
ResponderExcluirOi Anônimo rssss Grato por sua interação. Mas quem é tu ?
ExcluirTambém comungo a ideia central do texto. Acredito que o respeito ao professor, profissional e até mesmo um adulto, se dá com mais eficiência, quando há a troca não só conhecimento, mas de respeito. Os alunos e jovens, estão precisando de um norte, um horizonte a ser apontado, e esse referencial é obtido, mostrando-se com exemplos, com diálogo, nunca irá imposição e obrigatoriedade.
ResponderExcluirOpa Sr. Tavares !! lembra de quando estudavamos no Borges....
ExcluirCaro Márcio, suas indagações e citações de Paulo Freire, me fizeram pensar: Quando as escolas sejam elas públicas ou privadas, responderão aos anseios dos nossos educandos?
ResponderExcluirInfelizmente temos um quadro social capitalista, que supervaloriza o imediatismo e o utilitarismo. Dentro das comunidades suponho que essa lógica também se faz presente, pois as habilidades e competências dos nossos jovens não são exploradas por um currículo efetivamente democrático e sim imposto.
Olá anônimo, quem és ? Dentro desse quadro reducionista da educação para compor mão de obra e cada um por si que tem como organizadores politicos e empresários a formação social, artística, relacional vai ficando legada a Projetos específios que são transformados em campanhas eleitoreras, ainda que os trabalhadores (professores e demais profissionais) destes projetos tenham a maior boa vontade de fazer a diferença e que sabemos que sempre ocorrem mudanças.
ExcluirÓtima abordagem primo, parabéns por fazer a diferença na educação.
ResponderExcluirValeu Belinha. Espero que tu ainda trabalhe com nutrição em escola.
ExcluirExcelente texto! Como educadores devemos respeitar os conhecimentos que os educandos trazem além dos muros escolares. A escola deve ser um lugar onde todos aprendem, inclusive o professor. Um grande abraço.
ResponderExcluirOlá professora !! Precisamos ativar a escuta social para com os alunos. Demanda tempo de qualidade, mas somos atropelados pelas burrocracias....
ExcluirExcelente texto ! Nós professores e nossos educandos agradecemos, por ter educadores como vc , que sempre está nos motivando com boas práticas para dinamizar a sala de aula !
ResponderExcluirOlá moça !!! Imagino que sua experiência na educação pública acrescente ainda mais sentido e emergência a este assunto.
ExcluirParabéns pelo texto
ResponderExcluirVocê é o cara, Márcio! Dim Dim Dom...o rap é o som! 🇯🇲❤️
ResponderExcluirAmigo, Márcio! Você e suas indicações que nos fazem refletir sobre os caminhos da educação! Parabéns pelo texto e também pelo seu compromisso em educar BEM...e pelo BEM da educação!
ResponderExcluirOpa amigo Anônimo. Quem és ? Educar é antes de tudo um ato de amor e responsabilidade. E a experiência vai aprimorando em meio aos desânimos.
ExcluirAmigo, Márcio! Você e suas indagações que nos fazem refletir sobre os caminhos da educação! Parabéns por educar BEM e para o BEM! Um abraço, profa Sandra!
ResponderExcluirComo sempre seus comentários são sempre abrangentes, em níveis sociais diferentes tenho que concordar em uma parte com professor Tavares, sobre as escolas particulares e não particulares, por outro lado nos deparamos com professores não tão bem preparados para chegarmos a esse bom nível sugerido
ResponderExcluirBoa garoto!!!!
ResponderExcluirOpa parmerista !!! Bem vindo ao mundo da História como ciência !!
ExcluirÓtima reflexão!!! A escola não pode ser limitada pelos seus muros ! Parabéns pelo texto amigo. Um abraço Adriana Freire
ResponderExcluirOlá professora !! E agora que entrei no mundo da Geografia, mais referencias dos alunos eu tenho tido e entendido suas relações espaciais.
ExcluirVocê é excelente, professor Márcio, um profissional relevante e muito comprometido com a educação.
ResponderExcluirOpa Aninimo, quem és ?? Grato pelo incentivo a continuar.
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