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terça-feira, 19 de dezembro de 2023

A subordinação como requisito para a caracterização do vínculo empregatício


 

Autora: Palloma Ramos(*)


Os requisitos para a caracterização da relação jurídica de emprego podem ser analisados conjuntamente nos artigos 2.º e 3.º da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT. Dessa forma, os requisitos cumulativos são: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, subordinação e pessoa jurídica. Essa relação jurídica requer proteção à parte vulnerável (trabalhador) para haver equilíbrio, uma vez que, ao assumir os riscos do negócio, o empregador obtém o poder diretivo e a subordinação, a qual são as bases para orientar as atividades da empresa.

Com base nisto, as interpretações doutrinárias identificam a subordinação do empregado, de forma que a proteção, em contrapartida, é necessária para mitigar a dependência do trabalhador em relação ao empregador:
[...] essa ideia fundamental de dependência hierárquica do trabalhador ante o empresário assenta sobre a tese anterior de que a empresa é propriedade de alguém, que a dirige ou administra com amplo poder de deliberação. [...] O chamado poder diretivo empresário, realmente decorre deste fato social, histórico e econômico: o empresário corre os riscos do negócio e, em consequência, a ele cabe a prerrogativa de ditar ordens (RUSSOMANO, 1974, p.88 – 89).
Sendo assim, fundamenta-se a dependência dos trabalhadores na relação jurídica de emprego.

Quando há uma alteração nas alterações estruturais na dinâmica produtiva e a proteção concedida ao trabalhador é flexibilizada em detrimento da subordinação, há um desequilíbrio na relação jurídica de emprego, resultando em interpretações prejudiciais à parte hipossuficiente.

Para reequilibrar essa relação jurídica, o requisito de subordinação é adaptado consoante as novas formas de organização produtiva, tais como: jurídica, estrutural e algorítmica.

A subordinação jurídica é caracterizada pela prestação de serviços em virtude da existência de ordens diretas da Reclamada transmitidas por meios remotos e digitais (conforme o disposto no artigo 6.º da CLT, parágrafo primeiro), demonstrando a assimetria, o poder de subordinação e, ainda, os aspectos diretivos, regulamentares, fiscalizatórios e disciplinares do poder empregatício. Já a subordinação estrutural é caracterizada pela integral inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela empresa, dentro de sua dinâmica de funcionamento, cultura jurídica e organizacional.

Essas classificações são atribuídas à subordinação (organizacional e jurídica), seja pela prestação de serviços e existência de ordens diretas, seja pela inserção do profissional na organização da atividade econômica da organização. Dessa forma, sendo mais evidente, apesar de ainda necessitar de ajustes para assegurar a proteção ao trabalhador, quando há a necessidade de discussão sobre o reconhecimento do vínculo empregatício, a comprovação torna-se mais acessível ao trabalhador, via provas testemunhais, por exemplo.

Com a tecnologia, outras organizações produtivas foram sendo implementadas, como Uber, iFood, que usam sistemas sofisticados de arregimentação, gestão, supervisão, avaliação e controle de mão-de-obra intensiva, à base de ferramentas computadorizadas, de inteligência artificial e hipersensíveis, para arquitetarem e manterem um poder de controle empresarial minucioso sobre o modo de organização e de prestação dos serviços de transportes justificadores da existência e da lucratividade da empresa (Tribunal Superior do Trabalho – RR 100353-02.2017.5.01.0066-Voto Ministro Relator Maurício Godinho Delgado-06/04/2022).

Apesar dos meios econômicos disponíveis para afastar o reconhecimento do vínculo empregatício, essa modalidade de prestação de serviços, segundo plataformas digitais, permite que o trabalhador realize sua atividade com autonomia. Assim, as classificações anteriores (organizacional e jurídica) não asseguram a proteção do trabalhador como uma relação jurídica de emprego, sendo necessária uma nova interpretação, como a subordinação algorítmica.

Algumas interpretações doutrinárias e decisões na justiça do trabalho afirmam que o empregador tem um vínculo empregatício com a plataforma (gig economy), conforme o direcionamento apresentado abaixo:
(...) a autonomia concedida é uma "autonomia na subordinação". Os trabalhadores não devem seguir mais ordens, mas sim a ‘regras do programa’. Uma vez programados, na prática os trabalhadores não agem livremente, mas exprimem "reações esperadas". O algoritmo, cujos ingredientes podem ser modificados a cada momento por sua reprogramação (inputs), garante que os resultados esperados (outputs) sejam alcançados, sem necessidade de dar ordens diretas àqueles que realizam o trabalho. (OITAVEN, CARELLI e CASAGRANDE, 2018, p.33).

Porém, não há regras que protejam o trabalhador em novas formas de trabalho. Isso dificulta reconhecer o vínculo de emprego, uma vez que há divergências entre autonomia e subordinação, o que não é possível diante da interpretação perfunctória da legislação disponível.

A Justiça do Trabalho atribui o vínculo empregatício, uma vez que entende que o controle (ainda que por algoritmos) é subordinação, uma vez que existem regras para permanecer na plataforma, além de avaliações dos usuários.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal – STF[1], afastou o vínculo empregatício entre trabalhadores que prestam serviços em gig economy, uma vez que a Constituição Federal permite outras formas de trabalho, como a autonomia para aceitar ou não corridas e a liberdade de horário. Vale destacar que a interpretação da relação jurídica exarada no voto, equipara-se com o vínculo empregatício fundamentado na subordinação jurídica e organizacional, dificultando assim, a garantia de proteção aos trabalhadores.

No seu voto, apesar de ter concordado em afastar o vínculo empregatício, a Ministra Carmen Lúcia demonstrou preocupação com a proteção do trabalho e os efeitos previdenciários e sociais.

Debatem-se sobre as novas formas de trabalho: um contraste entre a autonomia que as empresas e o Supremo Tribunal Federal atribuem na relação existente entre os trabalhadores e as empresas proprietárias da tecnologia, e a subordinação algorítmica, interpretação doutrinária cujo objetivo é assegurar direitos dos trabalhadores. Todavia, o entendimento de que a garantia do vínculo empregatício nessas novas organizações produtivas seria equiparar aos trabalhadores que atuam sob a subordinação organizacional e jurídica, que têm uma relação direta com o empregador, afasta o reconhecimento do vínculo empregatício. Assim, não seria possível fazê-lo com base em uma interpretação mais ampla da subordinação, como a algorítmica, uma vez que a autonomia é um pressuposto relevante para a fundamentação jurídica que afasta a subordinação, um requisito necessário.

Portanto, com essas novas formas de trabalho que utilizam a tecnologia, afastando as formas tradicionais de subordinação jurídica e organizacional, é necessário estabelecer um regulamento específico para assegurar o mínimo de proteção, pois, com o aumento de trabalhadores nessas condições, haverá um desequilíbrio social e previdenciário.

REFERÊNCIA

[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-12/stf-nega-vinculo-trabalhista-entre-motoristas-e-empresas-de-aplicativo

*PALLOMA PAROLA DEL BONI RAMOS 














Advogada graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho - (2014);
Pós-graduada em Direito Constitucional e Direitos Humanos pelo Ius Gentium
Conibrigae - Universidade de Coimbra (2020).
Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie (2018)
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
(Bolsa CAPES/PROSUC - 08/2023).
Doutoranda (Bolsa Mérito do Instituto Presbiteriano Mackenzie)

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Revisão de aposentadoria é possível para quem trabalhou em atividades concomitantes?


 Autora: Renata Canella(*)

A possibilidade de revisão nas aposentadorias para segurados que exerciam duas ou mais ocupações simultaneamente encontra respaldo no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ao desempenhar mais de um emprego, resultando em múltiplos salários de contribuição no mesmo mês, configura-se a existência de atividades concomitantes. Profissionais como professores, médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem frequentemente se encontram nessa condição.

A ocorrência de vínculos laborais com duas ou mais empresas simultaneamente não é incomum, mesmo sendo mais frequente entre profissionais liberais. A Lei de Custeio da Seguridade Social, Lei nº. 8.212/1991, em seu artigo 28, inciso I, define o salário-de-contribuição como a remuneração auferida em uma ou mais empresas, abrangendo a totalidade dos rendimentos destinados a retribuir o trabalho.

Em muitos casos de duplicidade ou multiplicidade de remunerações no mesmo mês, o INSS calculava erroneamente o benefício, resultando na concessão de aposentadorias em valores inferiores ao devido.

Antes da data crucial de 18/06/2019, marcada pela promulgação da Lei nº 13.846/2019, o INSS adotava uma prática divergente da lógica esperada. Nos casos de atividades concomitantes, o instituto segregava as atividades entre "primárias" e "secundárias", incluindo integralmente os salários de contribuição da atividade primária e considerando apenas um percentual da média dos salários da atividade secundária no cálculo da aposentadoria. Essa abordagem resultava em uma expressiva redução no valor do benefício.

Diante da irregularidade desse método de cálculo, o STJ, ao julgar o Tema 1.070, determinou que, em casos de atividades concomitantes, as contribuições realizadas no mesmo mês devem ser somadas. Como resultado, todas as aposentadorias concedidas até 18/06/2019, abrangendo períodos de concomitância, podem ser revisadas, permitindo o recebimento dos atrasados referentes aos últimos cinco anos.

Em resumo, essa revisão foi julgada pelo STJ e está pacificada pelos tribunais pátrios, ela busca incluir todas as contribuições vertidas no mês pelo segurado no cálculo da sua aposentadoria. A intenção é garantir o melhor benefício possível ao segurado, conforme prevê a legislação previdenciária.

Dada a complexidade desse processo revisório e a necessidade de análises específicas, torna-se imperativo o envolvimento de um profissional especializado em aposentadorias. Esse especialista pode calcular o novo valor, analisar a elegibilidade para a revisão e, consequentemente, orientar sobre os atrasados a serem reivindicados.

Dica Extra: O prazo para solicitar a revisão é de 10 anos após o recebimento do primeiro valor integral do benefício, limitado a 18/06/2019 (data da lei que oficialmente regulamentou a soma das contribuições).

*RENATA BRANDÃO CANELLA












-Advogada previdenciária com atuação no âmbito do Regime Geral de Previdência Social  (RGPS), Regime Próprio (RRPS), Previdência Complementar e Previdência Internacional;

-Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL- 1999);

-Mestre em Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2003);

- Especialista em 

   -Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2000) e
   -Direito do Trabalho pela AMATRA;

- Autora de artigos especializados para diversos jornais, revistas e sites jurídicos;

 -Autora e Organizadora do livro “Direito Previdenciário, atualidades e tendências” (2018, Editora Thoth);

-Palestrante;

-Expert em planejamento e cálculos previdenciários com diversos  cursos avançados na área;

-Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários (ABAP) na atual gestão (2020-2024):

-.Advogada da Associação dos Aposentados do Balneário Camboriú -SC(ASAPREV);
- Advogada atuante em diversos Sindicatos e Associações Portuárias no Vale do Itajaí - SC 
- Sócia e Gestora do Escritório Brandão Canella Advogados Associados.

Nota do Editor:

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segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

De volta à questão da prisão em segunda instância


 Autor: Sergio Luiz Pereira Leite (*)

                

O Direito penal e processual penal brasileiro andam às voltas com interpretações divergentes entre os nossos tribunais superiores, mormente o STF.

Tormentosa, essas questões têm recebido manifestações de todos os setores. Uma das mais emblemáticas, é a que trata da prisão depois da decisão em segunda instância. Em 2016 da Suprema Corte havia decidido que a confirmação da condenação em segunda instância obrigaria o réu condenado a iniciar o cumprimento de sua pena. Esse entendimento jurisprudencial estava consolidado em todas as instâncias da Justiça, tanto que réus que aguardavam o trânsito em julgado de suas condenações, foram recolhidos aos estabelecimentos penitenciários para o início do cumprimento de suas penas.

Em passado recente, a nossa Corte Suprema modificou esse entendimento, voltando a considerar que o início do cumprimento da pena aplicada ao condenado em duas instâncias do sistema judiciário, apenas passaria a acontecer depois de haver percorrido todas as instâncias judiciais e chancelada pelo trânsito em julgado. Essa modificação de entendimento foi aplaudida por alguns e criticada por muitos. E eu engrosso essas críticas, porque causa enorme insegurança jurídica e faz medrar a ideia de impunidade.

Dentre outros inúmeros efeitos que uma condenação criminal acarreta, o exemplo dado com a pena fixada é um dos mais significativos, pois o indivíduo passa a considerar que uma atitude delituosa traz consequências imediatas, a prisão sendo a mais grave delas. O abrandamento desse exemplo cria a sensação da impunidade, aquele sentimento de que a lei não é igual para todos e que apenas os que podem pagar as bancas de advogados famosos, não se submetam a esse exemplo.

Isso acaba por gerar uma grita geral da população contra aqueles que, de forma ilícita, amealharam grandes fortunas, alguns dilapidando fragorosamente o patrimônio público, outros com negócios escusos de todos os matizes, encampando até mesmo os considerados como crimes hediondos, caso, por exemplo, do tráfico de drogas. E ao longo dos últimos anos, com a demolição da Lava Jato, essa sensação de impunidade e de fracasso de nosso sistema judicial fica ainda mais patente.

E esse inconformismo é dirigido a alguns dos ministros garantistas que se alojam principalmente nos tribunais superiores, mormente no Supremo Tribunal Federal. Isto porque é sabido que a prescrição, naquela corte, acontece na maioria dos casos, mesmo porque ela não está aparelhada para atender às instruções criminais, nem mesmo daqueles que tem o foro privilegiado por função, quando mais dos recursos que dormitam nos escaninhos dos gabinetes de seus ministros. E a questão do foro privilegiado é a que mais recrudesce e aumenta em proporções geométricas, pois a verdade aflorada demonstra o pouco apreço que alguns congressistas tem pelo seu eleitor, preferindo locupletar-se às custas do Estado.

Pois bem, em recente decisão ocorrida no Plenário do STF, a maioria de seus membros decidiu que a condenação em segunda instância acarreta a interrupção do prazo prescricional dos crimes. Ou seja, o condenado continuará a responder o seu processo solto.

Ocorre que a prisão do condenado pela confirmação de sua pena por um órgão colegiado, é uma medida já está prevista no inciso IV do artigo 117 do Código Penal, com a redação que lhe foi conferido com a edição da Lei federal nº 9.268, de 1º de abril de 1996, que trata dessa questão.

Como visto, essa decisão de nossa máxima corte de justiça apenas se dá em razão de algumas interpretações divergentes, no sentido de que a prescrição só ocorre na hipótese de que a sentença condenatória seja confirmada pela instância superior, não sendo aplicada nos casos de diminuição ou aumento de pena.

Mas ela não vai resolver a questão dos escândalos mais notabilizados, principalmente aqueles que demandam em apenas uma instância, o STF ou o STJ, dependendo do cargo ou função exercido de seu protagonista. Segundo alguns dados estatísticos, existem mais de 55.000 cargos exercidos no Brasil sob essa rubrica. É um exagero absurdo, que anda de mãos dadas com a impunidade.

Pior, desde o início deste ano, as prisões arbitrárias se fazem imensas, onde a vontade do ministro relator nem se preocupa com a participação do Procurador Geral da República.

Em próximo artigo comentarei mais profundamente a total inversão judicial que a atual composição de nossas cortes superiores tem feito em inquéritos e processos, sempre com profundo desprezo pela nossa Carta Magna, com o que contam com a passividade de um Congresso fisiológico e refém do STF.

* SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE










 
-Advogado graduado pela Faculdades de Ciências Jurídicas e Administrativas de Itapetininga (03/76) e
-Militante há mais de 45 anos nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.

Nota do Editor:

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