segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Reflexões jurídicas sobre o estelionato sentimental


Autora: Cecília Frazão(*) 

O crime de estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal, é definido como a prática de "obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento". Primeiramente, convém ressaltar que o estelionato também é considerado um crime patrimonial, mas, diferente dos outros delitos da espécie, não há uso de força ou violência. Há somente a enganação. Isto posto, além da modalidade "convencional" da infração penal, muito se tem falado de uma nova categoria deste crime: o estelionato sentimental.

Na sociedade atual, a busca por relacionamentos e por encontrar a sua "cara-metade" foi facilitada através de diversos artifícios, como aplicativos de namoro, redes sociais e afins, afinal, como Tom Jobim já dizia: "É impossível ser feliz sozinho". No entanto, durante este processo, as pessoas muitas vezes se deparam com indivíduos de má-fé, dispostos a utilizar a vulnerabilidade emocional do outro em seu próprio favor, de modo a aplicar golpes a fim de se beneficiar financeiramente. Neste contexto, o relacionamento amoroso se transforma em prejuízo monetário.

Sendo assim, no chamado estelionato sentimental, o estelionatário, em geral, demonstra, de forma dissimulada, um falso interesse amoroso pela vítima, com o objetivo de extrair vantagem patrimonial desta. A referida fraude pode ser classificada como o tipo penal previsto no art. 171 do CP, visto que "se utiliza de meio ardil para obter vantagem econômica ilícita da companheira, aproveitando-se da relação afetuosa, configurando o delito de estelionato." (Acórdão 1141866, 20170710039550 APR, Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO, Revisor: GEORGE LOPES, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 29/11/2018, publicado no DJE: 18/12/2018. Pág.: 117/142).

Conforme a 2ª Turma Cível do TJDFT, no Acórdão de n°1364563, Relator: ALVARO CIARLINI, Julgado em: 18/08/2021, Publicado em: 15/09/2021: "O estelionato sentimental ocorre no caso em que uma das partes da relação abusa da confiança e da afeição do parceiro amoroso com o propósito de obter vantagens patrimoniais".

A nomenclatura citada não está prevista na legislação, mas já é amplamente empregada no contexto do ordenamento jurídico brasileiro. Esta expressão foi utilizada pela primeira vez no ano de 2013, na 7ª Vara Cível de Brasília, em um processo (nº 0012574-32.2013.8.07.0001)em que as partes envolvidas eram ex-namorados. No caso em tela, o prejuízo patrimonial da vítima chegou a R$ 101.537,71. Posteriormente o processo foi remetido para a 5ª Turma, onde originou-se a jurisprudência a seguir:
PROCESSO CIVIL. TÉRMINO DE RELACIONAMENTO AMOROSO. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. RESSARCIMENTO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ABUSO DO DIREITO. BOA FÉ OBJETIVA. PROBIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Deve ser mantida a sentença a quo eis que, da documentação carreada para os autos, consubstanciados em sua maior parte por mensagens trocadas entre as partes, depreendendo-se que a autora/apelada efetuou continuadas transferências ao réu; fez pagamentos de dívidas em instituições financeiras em nome do apelado/réu; adquiriu bens móveis tais como roupas, calcados e aparelho de telefonia celular; efetuou o pagamento de contas telefônicas e assumiu o pagamento de diversas despesas por ele realizadas, assim agindo embalada na esperança de manter o relacionamento amoroso que existia entre os ora demandantes. Corrobora-se, ainda e no mesmo sentido, as promessas realizadas pelo varão-réu no sentido de que, assim que voltasse a ter estabilidade financeira, ressarciria os valores que obteve de sua vítima, no curso da relação. 2. Ao prometer devolução dos préstimos obtidos, criou-se para a vítima a justa expectativa de que receberia de volta referidos valores. A restituição imposta pela sentença tem o condão de afastar o enriquecimento sem causa, sendo tal fenômeno repudiado pelo direito e pela norma. 3. O julgador não está obrigado a pronunciar-se quanto a todos os dispositivos de lei invocados pelas partes, quando entender ser dispensável o detalhamento na solução da lide, ainda que deduzidos a título de prequestionamento. 4. Recurso conhecido e não provido.

Casos do tipo têm acontecido de forma cada vez mais frequente e recebido mais visibilidade. Em julho deste ano, o programa "Fantástico", reproduzido pela TV Globo[1], noticiou o caso de Caio Henrique da Silva Camossato, acusado por 09 (nove) mulheres de ter aplicado golpes que já somam cerca de R$ 1,6 milhão. O investigado conhecia as pretendentes através de aplicativos de relacionamento, prontamente estabelecia um vínculo amoroso e, logo após ganhar a confiança das vítimas, solicitava empréstimos de grandes quantias, causando imenso dano patrimonial na vida das mulheres com as quais se relacionava.

Como forma de evitar a incidência deste tipo de delito, o Deputado Julio Cesar Ribeiro o Projeto de Lei n° 6444/2019[2], que visava alterar o art. 171 do Código Penal, para dispor sobre o estelionato sentimental, o qual seria definido legalmente como: "induzir a vítima, com a promessa de constituição de relação afetiva, a entregar bens ou valores para si ou para outrem".

O Projeto de Lei foi declarado prejudicado em face da aprovação da Subemenda Substitutiva Global ao Projeto de Lei nº 4.229/2015[3], adotada pelo relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Esta subemenda foi aprovada em 04/02/2022 e trouxe a nomenclatura "estelionato emocional", prevendo pena superior para o crime de estelionato cometido em relações amorosas e contra pessoas idosas e vulneráveis, e estabelece punições para quem utilizar as redes sociais para aplicar o golpe.

Consoante o exposto, é possível compreender que, ainda que não seja descrito de forma específica em nossa legislação, o crime de estelionato sentimental já é extensivamente tratado no ordenamento jurídico. Por esse motivo, o tema merece atenção, tanto por parte dos estudiosos do Direito, quanto da sociedade, para que estejam todos atentos no combate à esta prática.

Consequentemente, por ser uma modalidade do crime de estelionato, o estelionato sentimental possui a sua pena prevista conforme o disposto no art. 171 do Código Penal. A pena para o estelionato comum é reclusão de 01 (um) a 05 (cinco) anos, e multa. Outrossim, nos casos de fraude eletrônica, a pena é de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, podendo ser aumentada em até 2/3 (dois terços), caso o crime seja cometido com uso de servidor (computador para armazenar dados) que esteja fora do Brasil; ou acrescida em até 1/3 (um terço), na hipótese de o crime ser cometido contra entidade pública, instituto de economia popular ou assistência social.

BIBLIOGRAFIA:


BRASIL. Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Brasília, DF: Senado, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del2848compilado.htm. Acesso em: 11 set. 2023;

FENELON, Fernanda. O que é estelionato sentimental e o que fazer caso seja vítima deste golpe. Migalhas. 31. jan. 2023. 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (TJDF)., 
Acórdão n.1364563, 0 7015482520208070009

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS (TJDF). Apelação Cível 20130110467950. Disponível: https://tjdf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/189615512/apelacao-civel-apc-20130110467950. Acesso em: 12 mai. 2020;

TRIBUNAL REGIONAL DO DISTRITO FEDERAL. 
Acórdão 1141866, 20170710039550 Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/fui-vitima-de-estelionato-sentimental-o-quedevo-fazer/1278818793. Acesso em 13 set. 2023;

FENELON, Fernanda. O que é estelionato sentimental e o que fazer caso seja vítima deste golpe. Migalhas. 31. jan. 2023. 
Disponível https://www.migalhas.com.br/depeso/380792/o-que-e-estelionato-sentimental-e-o-que-fazer-caso-seja-vitima
 Acesso em: 12. Set. 2023.

REFERÊNCIAS

[1] 

[2] 
Disponível:

[3] Disponível:

*CECÍLIA FRAZÃO DAMACENA CARVALHO












- Graduada em Direito pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA (2023);

- Advogada inscrita na OAB/PA n° 36.675;

- Membro da Comissão da Mulher Advogada OAB/PA;

- Linkedin: www.linkedin.com/in/cecilia-frazão

Nota do Editor:


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