domingo, 1 de outubro de 2017

Denunciar a falta para manter o desejo insatisfeito...



A Psicanálise tem efeito e faz sentido para todo e qualquer sujeito do desejo. Ao neurótico, não é muito fácil esse contato com o desejo, de todas as formas, ele irá tentar se boicotar, ele burlará o verdadeiro desejo o quanto ele puder, uma vez que, os desejos custam caros e se paga um preço por desejar, se responsabilizar e poder escrever a sua própria história. 

Vivenciar o seu próprio desejo, não é nada fácil, Forbes (2008) aos nos fazer a pergunta: "Você quer o que deseja?" nos respondeu com a seguinte questão: Muitas das promessas ficam só nas promessas porque é bastante comum não se querer o que se deseja. Essa relação com o desejo, ajuda, a nós analistas ao diagnóstico diferencial. 

"Obsessivos seriam o que só querem o que não desejam, pois assim não se arriscam a perder o que lhes é de mais precioso, mantendo-o escondido a sete chaves; e histéricas, aquelas que, eternamente insatisfeitas com o que obtêm, desejam sempre outra coisa. Querer o que se deseja, implica o risco da aposta - toda decisão é arriscada – e a coragem de expor sua preferência, mesmo sabendo que toda carta de amor tende ao ridículo, como lembra Fernando Pessoa. (FORBES, 2008, p. 61-61)"
Ribeiro (2006) nos esclarece que embora ambas sejam neurose de transferência, neuroses as quais o analista pode operar pela via do desejo, a histeria e a neurose obsessiva usam estratégias diferentes para lidar com o desejo. 

Hoje, reservo esse espaço de escrita, para de forma breve apresentar ao leitor algumas considerações sobre esse tipo de neurose questão inaugural da psicanálise e presente em nossa clínica até os dias atuais. Posso em escritas futuras, tecer considerações sobre a neurose obsessiva, uma vez que esta também traz consigo sutilezas, nuances delicadas ao ponto de ser considerada um dialeto da histeria. 

Mas, hoje; escrevo sobre histeria e esse "falso modo" que a histérica possui de achar que sabe lidar melhor com o desejo, pois pode se identificar com o outro, seu semelhante, por via deste. É o que Lacan (1960 – 1961) no seminário 8 nos diz:
"Há uma coisa, apenas, a acrescentar para defini-la plenamente, assim como à definição acabada da histeria e da obsessão é preciso acrescentar a metáfora do outro, no ponto onde o sujeito se vê como castrado, confrontado com o grande Outro. Dora por exemplo, é por intermédio do Sr. K. que ela deseja, mas não é ele quem ela ama, e sim a Sra. K.. É por intermédio daquele que ela deseja que ela se orienta em direção àquela a quem ama. (LACAN, 1960 – 1961, p. 353)"
Em nossa clínica, escutamos as "novas" Doras são as mulheres histéricas que adoram desempenhar o papel de amante, assim como histéricos são os homens que desejam é ser o amante da esposa casada com um outro homem. 

Na verdade o amor destes não estão na pessoa em si com quem eles realizam o ato sexual, mas sim no Outro que desempenha o papel de esposa para as mulheres e esposo para os homens. Por isso que com freqüência, também escutamos em nossos consultórios: há dois casamentos, e um par de amantes, se um desses casamentos acabar, o amante pulará fora, porque o objeto de amor não está mais na relação.

Brinco sempre em sala de aula: homens com aliança chamam atenção de muitas mulheres, todas histéricas! Porque na verdade elas desejam os homens, porém amam as mulheres. E vice- versa, mulheres casadas, sendo assediadas, "seduzidas", por homens histéricos, porque eles amam o homem.

A histérica denuncia a falta para manter o desejo insatisfeito, como fazem as mulheres nos dias atuais que se identificam com a falta de um namorado ou marido e sustentam um desejo insatisfeito de ter um namorado ou um esposo. 

O obsessivo e a histérica, são tipos clínicos da neurose, mas não correspondem rigorosamente ao gênero sexual dos sujeitos. Embora na clínica possamos encontrar um maior número de homens obsessivos e mulheres histéricas, a experiência e a literatura psicanalítica mostram que existe tanto homens histéricos como mulheres obsessivas. 

Em psicanálise, o masculino e o feminino são definidos a partir da posição que o sujeito assume em relação ao falo. O falo está no fato de que ele representa o órgão do desejo. Freud é muito claro quando diz que, em psicanálise, o falo que importa é aquele que falta a mulher.

Dessa forma, Nasio (1991) esclareceu o porque da inibição genital se traduzir na vida sexual do histérico. Essa inibição sexual histérica não significa retraimento, mas movimento ativo de rechaço. Um rechaço tão característico que Freud não relutou em dizer: 
"Tomo por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em quem uma oportunidade de excitação sexual provoque nojo, quer essa pessoa apresente ou não sintomas somáticos". E tratou de acrescentar, em outro trecho:
"O enigma contraditório suscitado pela histeria (...) [é] o par de opostos constituído por uma necessidade sexual excessiva e uma rejeição exagerada da sexualidade". 
Segundo Nasio (1991) a hipererotização global do corpo não – genital se opõe, portanto, a uma profunda aversão pelo coito genital. A impotência, a ejaculação precoce, o vaginismo ou a frigidez, todos são distúrbios característicos da vida sexual do histérico, os quais de uma maneira ou de outra, exprimem a angústia inconsciente do homem de penetrar no corpo da mulher, e a mulher angústia inconsciente de se deixar penetrar.

O paradoxo do histérico diante da sexualidade caracteriza – se, portanto, por uma contradição: de um lado, há homens e mulheres excessivamente preocupados com a sexualidade, procurando erotizar toda e qualquer relação social, e, de outro, eles sofrem – sem saber por que sofrem – por ter que passar pela experiência do encontro genital com o sexo oposto.

Temos como casos clínicos homens que se interrogam sobre o tamanho o seu pênis, ou ainda a propósito de sua beleza muscular, e que manisfestam, correlativamente, uma baixo interesse pelas mulheres ou, mais exatamente, uma baixa pulsão em penetrar o corpo da mulher. São homens narcisistas, exibicionistas, por vezes muito sedutores, e com um grau variável de homossexualismo e masturbação. 

Se pensarmos por sua vez, nas mulheres histéricas, Nasio (1991) afirmou ser o paradoxo muito mais complicado e obscuro. De fato, a multiplicidade de aventuras amorosas em algumas mulheres contrasta com o sofrimento manifestado por diferentes tipos de inibições durante o ato sexual.

Dentre essas inibições, há uma, essencial e secreta, que afeta a histérica no ponto extremo de seu ser mulher.

Mesmo vivendo uma relação carnal aparentemente feliz com um homem, a histérica pode se recusar a se abrir – quase que sem sabê-lo, mas resolutamente – para a presença sexual do corpo do outro.

A histérica se oferece, mas não se entrega; ela pode ter relações sexuais orgásmicas (clitoriano ou vaginal) sem por isso comprometer nelas seu ser mulher. 

Referências:

FORBES, Jorge. Você quer o que deseja? – 7.ed. – Rio de Janeiro: BestSeller, 2008;

LACAN, Jacques. O Seminário livro 8: A Transferência (1960-1961). – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1992;

NASIO. J. – D. A Histeria: teoria clínica e psicanalítica. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1991;

RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A Neurose Obsessiva. – 2.ed.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2006.

POR CLARISSA LAGO












-Psicanalista;Psicóloga,Pedagoga e Especialista em Psicopedagogia;
- Mestre em Educação (UFBA);e
- Pesquisadora do PPGAC-UFBA. (Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas – UFBA).

Nota do Editor:

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