segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Reflexão sobre Resiliência e Alzheimer


Olá, prezados amigos e leitores. Trago para vocês hoje uma reflexão acerca de algumas vivências e pensamentos atuais. Estive recentemente em um evento direcionado à doença de Alzheimer aqui em Recife. O evento, riquíssimo, trouxe profissionais muito competentes de diferentes áreas, e discussões sobre os mais atualizados aspectos científicos deste universo. Uma das questões que sempre surge é: como prevenir? Como retardar a progressão? Essa dúvida é muito frequente, justamente porque ainda não há uma resposta definitiva em relação a isto. Hoje não conseguimos falar de forma 100% clara sobre como prevenir o Alzheimer, mas há cada vez mais fatores que vem sendo colocados como influenciadores; não exatamente sobre a prevenção, mas sobre quando e como o quadro pode evoluir. Estudos vêm mostrando cada vez mais que os hábitos que uma pessoa teve durante toda sua vida (alimentares, rotina, laborais, etc) repercutem no envelhecer e nos diversos acometimentos comuns a ele. Tem muita coisa sendo estudada e a tendência é que em breve tenhamos respostas mais definitivas (cruzo os dedos para que aconteça logo!).

Voltei do evento empolgada com tantas informações novas, mas o que mais chamou atenção (pasmem) não foi um dado científico, mas uma reflexão que uma médica neurologista fez sobre seus muitos anos de assistência. Ela percebeu que um fator decisivo em relação à evolução de seus pacientes é o modo como cada um encara a doença. Sim, uma pessoa que tem uma reação positiva às adversidades (nesse caso a doença de Alzheimer), evoluiu de forma bem mais satisfatória do que uma pessoa que optou por se recolher (e encolher) após esse difícil diagnóstico. É claro, não podemos afirmar que sempre acontece dessa forma, pois cada pessoa pode ser acometida de uma forma diferente (há vários comprometimentos cognitivos possíveis, e a progressão pode ser mais lenta ou severa). Mas é um fato, a forma como reagimos pode fazer toda diferença. Essa capacidade pode ser chamada de resiliência, que define-se, segundo Taboada (2006) como "processo onde o indivíduo consegue superar as adversidades, adaptando-se de forma saudável ao seu contexto". Na minha vivência como terapeuta ocupacional, tenho presenciado diariamente alguns exemplos. Há pessoas que se prendem totalmente em suas dificuldades atuais e acabam não conseguindo dar continuidade a seus projetos de vida, o que culmina nessa pessoa tornar-se comprometida funcionalmente e emocionalmente, antes mesmo da progressão da doença propriamente dita. E há pessoas que colocam à frente de suas dificuldades metas possíveis de vida, e assim conseguem dar seguimento à sua vida de forma mais leve, funcional e alegre. Se uma pessoa se mantiver focada nos aspectos significativos de sua vida, seja estar com a família, cuidar da casa, viajar, dançar, tocar instrumentos (e por aí vai!), provavelmente passará muito mais tempo realizando essa atividade. Mas e essa pessoa conseguirá evitar a perda de memória? Pode acontecer, pois essas atividades estimulam componentes cognitivos e o que chamamos de neuroplasticidade, que possibilita ao cérebro se "adaptar" ao processo degenerativo causado pelo Alzheimer. Pode ser também que esta pessoa evolua com declínio cognitivo, mas ainda sim permaneça realizando suas atividades de interesse, ainda que de forma parcial ou adaptada. ​Uma senhora que acompanho, sempre teve o hábito de ir diariamente à missa. Hoje, ainda que diagnosticada com demência, faz questão de permanecer acompanhando sua missa, ainda que se perca na leitura do folheto diversas vezes. Ela (quase sempre) percebe a dificuldade, e a frustração é inevitável. Mas faz questão de continuar, mesmo com dificuldade, pois além de uma atividade de interesse, este nada-pequeno hábito faz parte de sua identidade, de sua essência. Se isso faz alguma diferença? Toda!

Mas, rente a isso, faço algumas considerações. Sabemos que o diagnóstico favorece o acometimento de quadros paralelos, como a depressão. Nesse caso é necessária atenção e acompanhamento adequado, pois vai além do desinteresse pelas atividades! Como já é muito dito, mas vale repetir, depressão não é uma brincadeira, e sim uma doença que, como todas as outras, precisa de tratamento.

E como estamos falando de uma doença neurodegenerativa progressiva, sabemos da grande probabilidade de evolução para um comprometimento severo e assim, uma crescente dependência de terceiros. Dessa forma, o papel da família e/ou cuidador cresce e torna-se decisivo para este indivíduo. Vai caber ao cuidador, dentro das suas possibilidades, manter a essência desse indivíduo, mesmo quando ele mesmo não lembre quem é. Algumas formas como isso pode ser feito: permitir e estimular que o mesmo faça escolhas, ainda que simples, como decidir a roupa que irá usar ou o que irá comer, utilizar de recursos como músicas e fotografias, manter a socialização com a família e/ou amigos, ou mantê-lo frequentando algum lugar importante para ele. Acompanho um senhor que já cursa com um quadro severo que compromete significativamente sua memória e sua locomoção. Este, um empresário de sucesso com uma história de muita dedicação ao seu trabalho, hoje já não teria capacidade de desempenhar qualquer simples demanda. Algumas pessoas achariam perda de tempo retirá-lo de casa, pois o mesmo já está "off-line" - alguns diriam. Mas a família (e ele mesmo) faz questão de frequentar diariamente a sua empresa, e lá todos os funcionários o reverenciam e o cumprimentam, numa demonstração extrema de respeito, que trás a tona a pessoa competente e respeitada que ele sempre foi e de certa forma ainda é! A consciência remanescente desse senhor, ainda que mínima, é alimentada por essa demonstração de respeito à sua identidade, e os benefícios são imensos, ainda que invisíveis para muitos.

Voltando ao tema central, essa postura positiva diante das dificuldades, que podemos chamar de postura resiliente, pode ser naturalmente identificada em algumas pessoas e em outras não, a depender do seu perfil. Cabe a nós conscientizarmo-nos de sua importância e tentar desenvolvê-la! Um acompanhamento psicoterapêutico pode ser de grande valia neste processo.

E, em relação ao idoso já diagnosticado, não poderia deixar de citar a importância da Terapia Ocupacional neste processo. Pois este profissional, infelizmente pouco conhecido, tem como objeto de estudo a atividade humana e através de avaliação, orientação, adaptação, atividades e treinos, Terá como objetivo manter, restaurar ou adaptar atividades essenciais e significativas para seu cliente, mantendo ao máximo sua autonomia e bem-estar.

POR GABRIELA COSTA GUEDES





















-Terapeuta Ocupacional Graduada pela UFPE;
-Especialista em Neuropsicologia pela Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS-IMIP); e
Atualmente atende em clinica e domicílios localizados na cidade de Recife - PE.

Nota do Editor:
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