terça-feira, 25 de abril de 2023

Como fazer uma cláusula de resolução de litígios


Autor: Rodolfo Amadeo (*)

Na imensa maioria dos casos, as últimas cláusulas com as quais as partes se preocupam no fechamento de um contrato são aquelas destinadas à escolha do(s) meio(s) de resolução de litígios. Por tal razão, essas cláusulas são frequentemente chamadas de "midnight clauses", aludindo-se ao fato de que são redigidas após a meia-noite, sem a devida reflexão, sendo muitas vezes fruto apenas do ato de “recortar e colar” cláusulas de contratos anteriores que podem até não guardar qualquer semelhança com o contrato que está sendo negociado no momento.

Os motivos da falta de cuidado na redação das cláusulas de resolução de litígios não importam. Seja por ignorância das partes quanto às alternativas a elas disponíveis, seja por se considerar "de mau agouro" falar de litígio no momento do fechamento do negócio, seja, simplesmente, por não se querer aumentar o custo de transação no final da negociação, sua consequência é a mesma: dificultação ou, até mesmo, inviabilização da resolução dos litígios que eventualmente venham a surgir naquela relação contratual.

Imagine um contrato no qual surja um litígio no valor de R$ 500.000,00. Se o meio de resolução de litígios escolhido pelas partes for a arbitragem, com três árbitros, numa das principais câmaras de arbitragem do país, somente os honorários dos árbitros e as taxas de registro e administração da arbitragem podem beirar R$ 350.000,00. Se forem considerados, ainda, os honorários dos advogados que atuarão na causa, o valor pode facilmente se aproximar do próprio valor do litígio, desmotivando as partes a utilizarem tal meio de resolução de litígios. Ao mesmo tempo, a cláusula arbitral inserida nesse contrato desestimulará o demandante a buscar o Poder Judiciário, pois o réu poderá alegar a existência dessa cláusula, provocando a extinção do processo com base no art. 485, VII, do CPC e a condenação do autor nas verbas de sucumbência.

Não se está querendo dizer que a arbitragem não seja meio adequado para se resolver litígios de R$ 500.000,00. Há circunstâncias dos casos concretos (p. ex. a especificidade técnica do objeto do litígio, a grande complexidade fática da causa e a necessidade de sigilo) que podem recomendar a arbitragem como o meio mais adequado de resolução de conflitos para este contrato. O que procuramos ilustrar com o exemplo acima é o fato de que um erro estratégico na hora de redigir a cláusula de resolução de litígios pode, literalmente, custar muito caro aos contratantes ou, ao menos, a um deles.

Arbitragem, mediação, dispute boards, varas especializadas do próprio Poder Judiciário. Atualmente, há diversos meios de resolução de litígios e diversos entes estatais e privados que os oferecem, fornecendo às partes contratantes uma profusão de alternativas entre as quais elas poderão escolher. Mas como escolher, no momento de redação da cláusula de resolução de litígios, o meio que seja o mais adequado ao contrato ou, mais especificamente, aos litígios que dele possam emergir?

Não há uma fórmula definitiva para se responder a essa pergunta, mas certamente tal resposta passa pela necessidade de (1) conhecer as características dos diversos meios de resolução de litígios disponíveis; e (2) imaginar os litígios que poderão emergir daquele contrato em razão dos possíveis descumprimentos das partes.

Sem a pretensão de exaurir as características dos meios adequados de resolução de litígios neste curto artigo, podemos dizer que as principais características buscadas na arbitragem são a qualidade técnica e a definitividade de suas decisões, a celeridade do processo arbitral e o sigilo presente na quase totalidade dos casos (exceção feita aos litígios com a administração pública, cf. art. 2º, § 3º, da Lei de Arbitragem). Já a mediação é buscada também por seu sigilo e por favorecer o restabelecimento do diálogo entre as partes, preservando a relação de longo prazo existente entre elas. Os Dispute Boards vêm crescendo na realidade brasileira, principalmente nas grandes obras de engenharia, e têm como principal característica o fato de existirem de forma concomitante à execução do contrato, sendo constantemente municiados de informações sobre o seu andamento e, por tal razão, são capazes de proferir decisões ou orientações em curto espaço de tempo, impedindo que a obra seja paralisada pela existência do litígio. E lembramos, ainda, a possibilidade de combinar tais meios entre si ou mesmo com uma cláusula de eleição de foro judicial (tais cláusulas, que conjugam dois ou mais meios de resolução de litígios, são as chamadas cláusulas escalonadas).

Quanto aos litígios, a primeira pergunta que as partes precisam se fazer é o quão importante é a manutenção, no futuro, da relação entre elas, seja a que estão formando naquele contrato, seja uma relação eventualmente pré-existente. A importância da manutenção dessa relação é forte indício a recomendar a mediação como forma (ao menos inicial) de tentativa de resolução de litígio.

Outro aspecto a ser considerado é a complexidade técnica ou fática do objeto do litígio que venha a surgir na execução daquele contrato. Sendo o objeto tecnicamente complexo, este é um forte indício da adequação da arbitragem como meio de resolução de litígios provenientes daquele contrato. Litígios complexos do ponto de vista jurídico podem ser bem resolvidos solucionados tanto por arbitragem quanto pelo próprio Poder Judiciário, desde que eleito foro onde exista vara especializada com competência para a resolução de litígios sobre aquela matéria.

Por fim, as partes devem se perguntar se o objeto daquele contrato é de longa duração, com a expectativa do surgimento de diversos litígios pontuais ao longo de sua execução (como uma grande obra de engenharia ou a implantação de um complexo sistema de informática, como um ERP, por exemplo). Nesses casos, a escolha do Dispute Board como meio de resolução de litígios tem se revelado vantajosa para as partes.

Escolhido(s) o(s) meio(s) de resolução de litígios, as partes devem se perguntar qual seria o melhor ente privado para administrá-lo(s). Em relação a este aspecto é necessário escolher câmaras e centros de resolução de disputas com boa reputação no mercado e com boa estrutura para a condução do(s) meio(s) escolhido(s). É também necessário conhecer o corpo de profissionais que o compõem, seu regulamento e os valores que serão cobrados das partes pela prestação dos serviços. Tais informações são facilmente colhidas nos próprios sites dos entes na internet e em conversas com profissionais que já tenham se utilizado dos serviços daquele ente que se quer escolher.

Como se observa, não são muitos os pontos que separam a inclusão, às cegas, de uma cláusula qualquer de resolução de litígios (e os riscos a ela inerentes), de uma escolha informada, que conduzirá as partes à utilização do(s) meio(s) de resolução de litígios mais adequado(s) para aquele caso concreto. São reflexões que podem ser feitas rapidamente pelas partes, ainda que estejam próximas das doze badaladas.

 

* RODOLFO DA COSTA MANSO REAL AMADEO




 













-Graduado  em Direito  pela Universidade de São Paulo (1998);
-Mestrado em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo( 2005);
-Doutorado em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (2010);
-Professor dos Programas de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de São Paulo; e
- Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAR), da Dispute Resolution Board Foundation (DRBF), do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO) e do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia (IBDE).

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