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sábado, 25 de maio de 2024

Metaverso é a solução para a educação?


Autora: Adriana Soeiro Pino (*)



As ferramentas digitais e as novas tecnologias desempenham um papel importante na educação, pois facilitam o processo de aprendizagem, uma vez que proporcionam práticas inovadoras, dinâmicas e interativas. Por meio delas, é possível experienciar e desenvolver as habilidades digitais, essenciais hoje para os "nativos digitais", termo cunhado pelo norte americano Marc Prensky. Segundo ele, são características do aluno virtual do século XXI, a autonomia para aprender, gerir situações de grupo, com facilidade de adaptar-se a novas situações com maior mobilidade, sempre pronto a aprender e responsável por sua autoaprendizagem, ou seja, aprendizagem é centrada no aprendente. Mas do que devemos chamar esses "novos" estudantes de hoje? Alguns referem-se a eles como N para geração Net ou D para geração digital. Mas a designação mais adequada, segundo Prensky, é Nativo Digital. Atualmente, nossos alunos são "falantes nativos" da linguagem digital dos computadores, videogames e internet, na qual criavam Vlogs, publicam virtualmente os trabalhos desenvolvidos no site Institucional da escola ou em espaços digitais desenvolvidos pelos próprios alunos ou em qualquer outra plataforma virtual disponível.

Os docentes dessa geração, por sua vez, são em sua maioria aqueles que nasceram no mundo analógico, mas que se adaptaram e adotaram alguns aspectos dessas novas tecnologias, os chamados de "imigrantes digitais", que reconhecem nas ferramentas tecnológicas uma grande oportunidade de impulsionar a vida acadêmica dos estudantes. Por meio do uso dessas tecnologias, os alunos podem desenvolver habilidades digitais essenciais para o século XXI, além de outras, como o pensamento crítico, a resolução de problemas, a análise de cenários por meio de projetos, a colaboração e comunicação.

A tecnologia educacional também possui potencial de tornar o processo de aprendizagem mais envolvente para os estudantes, uma vez que oportuniza simulações, atividades interativas e colaborativas, como por exemplo jogos educativos, vídeos, e outros recursos digitais que podem ser empregados para dinamizar as aulas e despertar o interesse dos estudantes.

O metaverso hoje permite aos estudantes a imersão em ambientes virtuais, a fim de que seja possível a interação de forma dinâmica e envolvente com os conteúdos pedagógicos. Mas o que é Metaverso?

Metaverso é a terminologia utilizada para indicar um mundo virtual que tenta replicar a realidade por meio de dispositivos digitais. Este é um espaço coletivo e virtual compartilhado, que tende a extrapolar os limites de simulação do real e é utilizado para descrever os ambientes imersivos 3D, onde os humanos interagem por intermédio de avatares em diversos contextos de ordem social, educacional e econômico.

Segundo Schlemmer e Backes (2008), a ideia de metaverso, embora descrita com outros termos, surge em 1984, no Neuromance de William Gibson. Entretanto, o termo metaverso, em si, foi criado pelo escritor Neal Stephenson, no romance intitulado Snow Crash, também publicado como "Samurai, nome de código" no Brasil, escrito em 1992.

O autor do romance Snow Crash enfatiza que o metaverso tem caráter real, bem como utilidade real pública e privada, pois se trata de uma ampliação do espaço real do mundo físico dentro de um espaço virtual na internet. Um dos objetivos do metaverso é permitir que o usuário se sociabilize, principalmente, que experiencie realidades alternativas e imersivas, uma vez que o gamer sempre fará parte de algum grupo social dentro desse mundo virtual, numa rede integrante de uma "inteligência coletiva".

Nesse contexto, cabe retomar as ideia de Jenkins, Ford e Green (2014) sobre a "inteligência coletiva" na formação das redes colaborativas de aprendizagem, "que testam e reafirmam continuamente os laços sociais de um grupo", os quais acabam por consolidar o processo social de aquisição de conhecimento. Ou, seja, tecnicamente metaverso é um espaço virtual coletivo e compartilhado, criado por meio da convergência virtualmente aprimorada entre a realidade física e a digital. Em algum momento, esses destinos online se transformaram em sites armazenados em um espaço virtual compartilhado, de maneira similar a como um metaverso vai se desenvolver.

Lévy (1999) também contribui sobre as interações no mundo virtual e a criação coletiva, retratada como:
[...] um mundo virtual, no sentido amplo, é um universo de possíveis, calculáveis a partir de um modelo digital. Ao interagir com o mundo virtual, os usuários o exploram e o atualizam simultaneamente. Quando as interações podem enriquecer ou modificar o modelo, o mundo virtual torna-se um vetor de inteligência e criação coletiva. LEVY, 1999, p. 75).

No início desse tópico, salientamos que o Metaverso se originou na literatura, cuja narrativa extrapolou a mídia impressa e invadiu os ambientes virtuais. Atualmente, existem diversas obras do gênero narrativas digitais, dentre elas "Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço" de Janet H. Murray. Em seu título, existe a fusão da obra de Shakespeare e o Holodeck, retirado da série Star Trek, na qual os passageiros da nave passam momentos de socialização e recreação em uma sala, que possui projeções computacionais, temporariamente fisicamente materializados, onde é possível simular situações reais. Estamos longe de materializarmos um Holodeck, no entanto este pode ser transposto para o Metaverso e seu mundo 3 D.

Murray destaca que as narrativas digitais se concretizam em interfaces computacionais, cujas regras são pré-definidas pelo programador. Portanto, as narrativas deverão ser codificadas pelos programadores, a fim de oportunizar a materialização do comportamento desejado na interação do autor e sua audiência. Nosso objetivo, nesse momento, está apenas em apresentar brevemente o Metaverso e suas potencialidades de cunho social e, principalmente, educacional, como uma ferramenta poderosa da Educação a Distância. Nesse contexto, a potencialização da interação é ampliada em relação aos já conhecidos Ambientes Virtuais de Aprendizagem.

Um "Mundo Virtual" é a representação em 3D, modelada computacionalmente por meio de técnicas de computação gráfica e usado para representar a parte visual de um sistema de realidade virtual, que se caracterizam pela dinamicidade, uma vez que o ambiente se modifica, em tempo real, à medida que os usuários vão interagindo com ele, propiciando o surgimento dos "mundos paralelos” contemporâneos.

Um metaverso não é independente de dispositivos, mas sim uma inovação combinatória de várias tecnologias e tendências para funcionar. As tendências que contribuem para isso incluem a realidade virtual (RV), realidade aumentada (RA), óculos de VR e computação espacial. Com esta abordagem mais interativa e imersiva, é possível criar experiências educacionais únicas, capazes de motivar e inspirar alunos de todas as idades e perfis.

A Realidade Virtual, a Realidade Aumentada e o Metaverso oferecem uma forma de aprendizagem que vai além das limitações físicas, geográficas e temporais da sala de aula convencional. É possível, por exemplo, se conectar em um ambiente virtual com outras pessoas do mundo, visitar lugares históricos em outras partes do planeta de maneira imersiva, jogar jogos interativos ou até mesmo vivenciar simulações de situações reais. Seria esta a solução para as dificuldades educacionais? Só o tempo dirá.


REFERÊNCIA:


Pino, Adriana Soeiro. Educação a distância: propostas pedagógicas e tendências dos cursos de graduação. / Adriana Soeiro Pino. 2017.

*ADRIANA SOEIRO PINO

























-Graduação em Pedagogia - Faculdades Integradas de Guarulhos (1991);
-Mestrado em Educação pela Universidade Nove de Julho (2012);  e 
-Doutorado em Educação pela Universidade Nove de Julho (2017);
-Atualmente é professora de ensino superior da Faculdade FATEC- Unidade Tatuapé -SP , Gestora de EaD  e Diretora do Externato José Bonifácio -SP  ;
-Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação a Distância, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação a Distância, tecnologias, linguagens, aprendizagem na era digital, educação em rede e inglês . 

Nota do Editor:

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sexta-feira, 24 de maio de 2024

Tragédias $ Oportunidades no Rio Grande do Sul

Autor: Álvaro Santos (*)

De tempos em tempos nosso Brasil tem tido ímpares oportunidades de se reinventar, mas tudo o que vemos são o mais do mesmo. Esta tragédia no Rio Grande do Sul é prova inconteste disto. Não importa o estado brasileiro as catástrofes se repetem. Neste caso específico, foram perdidas casas, o campo perdeu lavouras, estradas, indústria, comércio e serviços sofreram impactos imensuráveis.

Nossos governantes e nossos políticos se movimentam de olho na opinião pública, buscando ações que fortaleçam seus nomes para as próximas eleições, tomando medidas e liberações sem visão de futuro, critério e estudo de viabilidade.

Assim como na pandemia, bilhões estão sendo despejados, e, agora, com uma acintosa benevolência sem controle algum. Entendemos que o povo está sofrendo e necessita de medidas urgentes, mas estamos nos esquecendo que isso aqui é Brasil, terra dos espertalhões, dos que buscam oportunidades de ganho, é só ver os saques aos povoados arrasados; pergunto:

-Quem está controlando essas doações?

-Quem está monitorando esses bilhões repassados ao estado do Rio Grande do Sul é às prefeituras? 

-Onde estão as ações preventivas visando evitar a corrupção?

Sim, porque corrupção não se combate, se evita.

- O que está sendo planejado para  minimizar as próximas chuvas, não as chuvas do próximo mês, mas as chuvas dos próximos anos? 

Nós  estamos nos esquecendo que o Brasil só olha o futuro para quatro anos.

Conclusão 

Vamos perder a oportunidade de reconstruir cidades com o pensamento no futuro, fiação subterrânea, viadutos e estradas pensadas para mobilidade futura, bairros planejados, infraestrutura voltada para a segurança. Como dantes, estamos mandando dinheiro sem controle para na próxima eleição perdermos tempo com acusações de desvios e comparação de quem é mais incompetente; esquerda ou direita.

 REFERÊNCIAS

https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/19/rs-registra-130-prisoes-por-crimes-relacionados-as-cheias-revoltante-diz-dona-de-loja-roubada.ghtml

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pf-investiga-desvio-de-r-3-2-bilhoes-em-verbas-destinadas-a-covid-19 

ÁLVARO SANTOS








-Microempresário na área de prestação de serviços
-Autodidata formado pela Faculdade da Vida.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 23 de maio de 2024

A Alienação Parental Autoinfligida


 

Vitória  Luiza  El Murr(*)

A ruptura da vida conjugal tem como consequência a manutenção da vida solo de um casal que viveu a dois. Principalmente por motivos de cunho emocional, um dos cônjuges não consegue viver o luto da separação: os sentimentos de rejeição, traição, insegurança, inconformismo acabam por fomentar um sentimento de vingança naquele que não aceita o fim. E adivinhem quem vira objeto de despique? Os filhos.

O genitor alienador promove uma campanha de desqualificação do outro, dificultando o contato físico e criando barreiras emocionais entre pais e filhos. Inicia-se um processo de lavagem cerebral na criança, e até, muito comumente visto, implantação de falsas memórias. A criança é inserida em um contexto malicioso, convencida pelo genitor guardião de situações que não ocorreram, ou não aconteceram da forma descrita.

Essa é a forma infelizmente "comum" de alienação parental. Em determinados casos, no entanto, o próprio genitor que se diz alienado é o responsável pelo afastamento da prole, em razão de seu próprio comportamento de desunião. Ele se utiliza, inclusive, do instituto da alienação parental como instrumento de desqualificação do genitor guardião. Esse tipo de prática configura a chamada alienação parental autoinfligida ou autoalienação parental.

É a alienação parental de forma inversa: na ânsia de atingir o genitor que detém a guarda, o autoalienador parental forja situações para se colocar no papel de vítima. Mostra, com esse comportamento, que tem um olhar apenas para os seus interesses e sentimentos, que não conseguiu elaborar o luto da separação e usa os filhos para atingir o outro genitor.

Mary Lund aponta que uma das maiores dificuldades no processo terapêutico que visa à reabilitação de famílias em conflito é que o genitor repudiado pela criança geralmente contribui diretamente para a alienação e para a perpetuação da situação de conflito com o outro genitor. É muito comum que um dos genitores, normalmente o pai, adote uma postura distante, rígida e autoritária.[1]

E de fato, assim como Mary Lund aponta, por ser uma atitude predominantemente masculina, entende-se que a autoalienação parental pode ser reflexo do desejo pela manutenção da supremacia da autoridade patriarcal que vigora no âmbito familiar.

Rolf Madaleno foi o pioneiro no reconhecimento dessa prática como uma forma de violação aos direitos das crianças e adolescentes. Para ele, a autoalienação pode ser causada "pelo progenitor destituído da guarda dos filhos, gerada pelo comportamento disfuncional de um pai que pode muito bem não ter conseguido superar a ruptura do seu casamento". No caso da alienação parental autoinfligida, um dos pais está tão obstinado pelo fato de as coisas não estarem funcionando como desejado, que atribui a responsabilidade dessa constatação a um suposto ato de deslealdade do outro genitor, sendo incapaz de observar que os filhos, bombardeados por uma série de agressões psicológicas, estão sofrendo com as situações que ele mesmo ocasiona[2].

A alienação parental autoinfligida pode se desenvolver de diferentes formas, observando-se comportamentos como a ausência prolongada e imotivada do genitor não guardião, e posterior descumprimento dos deveres de guarda, sustento e educação inerentes ao poder familiar, ou até mesmo a perpetração de agressividade, violência física e/ou verbal, desprezo com os filhos e, posteriormente aos atos alienadores, vem a tentativa de buscar o restabelecimento ou o desenvolvimento de vínculos com os filhos.

Diante de dificuldades na tentativa de retomada dos vínculos afetivos em decorrência do comportamento desmazelado com a prole, o genitor não-guardião promove a transferência da culpa ao genitor detentor da guarda, com a desqualificação de sua conduta ao tentar resguardar os filhos. Ao manifestar esse tipo de comportamento, o genitor não guardião se coloca, na realidade, no papel de alienador, e não de alienado (como tenta manipular), como uma forma perversa de vingança.

Sob a ótica de Ana Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno, na obra "Síndrome da Alienação Parental", a autoalienação apresenta-se como um desejo de manter a relação por meio do conflito:

A alienação parental também pode ser causada pelo progenitor destituído da guarda dos filhos, gerada pelo comportamento disfuncional de um pai que pode muito bem não ter conseguido superar a ruptura do seu casamento, pretendendo, por exemplo, manter a relação por meio do conflito ou simplesmente porque mantém desejos de vingança e considera a ex-mulher culpada pela separação, ou simplesmente porque tem medo de perder seus filhos[3].

Vejam que o genitor autoalienador, ao se coloca no papel de alienado, forjando uma situação, acaba por prejudicar a si mesmo, afastando a prole de si. Podem ser dadas, de forma mais detalhada, diversas atitudes que caracterizam a alienação parental autoinfligida, como, por exemplo, o pai que não tira fotos com o filho e culpabiliza a genitora guardiã, que impede a aproximação entre eles, o que não é verdade; o pai que fica meses sem contatar os filhos, e o faz intencionalmente para responsabilizar o outro, fazendo-se de vítima; entre outras.

Dois são os reflexos mais preocupantes deste tipo de atitude: o psicológico do menor, que claramente carregará traumas por tornar-se instrumento de disputa, e a judicialização do problema. Muitos autoalienadores ajuízam ações contra os genitores alienados, posicionando-se como vítimas. E, como supramencionado, quem mais sofre nessa competição é o menor, inserido no contexto judicial de disputa, passando por diversas avaliações psicológicas, além do desgaste emocional em ver os pais nesta situação de conflito.

Os traços psicológicos das crianças ajudam a diferenciar um caso real de alienação parental de uma autoalienação parental. Por meio de estudos da equipe interdisciplinar, são analisados os sentimentos que a criança e adolescente manifestam e suas respectivas origens, sendo esse o ponto-chave para identificação dos problemas no seio familiar.

No que tange a alienação parental comum, pode-se identificar em alguns casos a falta de espontaneidade com relação à manifestação de determinadas histórias, vontades e pensamentos, como se observa no relatório de uma assistente social que acompanha uma criança vítima de alienação parental:

A pedido de Luíza, brincamos de "mãe e filha"; onde ela era "minha mãe" e eu a "filha dela", durante a brincadeira ela me dizia que eu (a filha) teria que ser uma filha boazinha, se não ela (a mãe) iria morrer e "eu iria morar com uma família muito ruim. Seria a família do meu pai e que meu pai ia colocar o dedinho na minha bundinha e no meu xixi". Após falar isto, ela me beijou e disse: "Não é verdade! É minha mãe Gislaine que me diz isto quando eu não obedeço". E mudamos a brincadeira. ” (...) Quando a Luiza viaja comigo ela chega mais tranquila, ela conversa o tempo todo, conta da escolinha, das coleguinhas, da mãe, etc., pede para que eu não conte que ela "ama o pai" porque sua mãe fica ‘muito braba’. " (...) "A menina brinca, corre, abraça e beija o pai, quando lembra pede que eu "não comente com a fada" pois sua mãe diz que ela "só é amada pela mãe e só pode amar a mãe. A menina disse: "eu amo meu pai mas digo para minha mãe que não gosto, para ela não me bater"[4].

Vê-se claramente no relato acima, a tentativa de implantação de falsas memórias e atitudes agressivas por parte da genitora alienadora, que tenta impedir o surgimento de bons sentimentos da filha com o pai. Essa é a alienação parental na sua forma mais comum.

Todavia, nos casos de alienação parental autoinfligida, os sentimentos de rejeição ou de estranhamento por parte da prole surgem de forma espontânea, em decorrência de fatores diversos, como a ausência prolongada do genitor, autoritarismo extremo e desrespeito ao espaço, vontades e aos sentimentos dos filhos. Nota-se, portanto, que os elementos essenciais deste instituto, consistem na contribuição do alienado para sua própria alienação, com o exercício abusivo das responsabilidades parentais e o afastamento ou repúdio da prole em virtude deste comportamento.

A falta de previsão legal e a insegurança jurídica decorrente do desconhecimento da prática de autoalienação parental fazem com que muitos casos sejam conduzidos de maneira equivocada, atribuindo-se a um dos genitores a prática de alienação parental, quando, na verdade, se tem a situação inversa, que pode culminar em atos de autoalienação parental. Sem dúvida, apesar de a alienação parental não ter sido reconhecida como verdadeira síndrome, não se pode negar sua existência na vida prática e a importância de sua compreensão para a garantia do direito à convivência familiar dos infantes[5].

Infelizmente, não há decisões judiciais em larga escala que confirmam a existência e relevância da prática de autoalienação parental, limitando-se apenas a analisar, diante do caso concreto, a inexistência de alienação parental, sem atenção para a prática invertida. O fato de se trazer, ainda que para afastá-la, a possibilidade de autoalienação parental por uma das partes, indica o início de um reconhecimento do instituto pelos agentes atuantes no Poder Judiciário. No entanto, o desconhecimento desse outro lado ainda é notório e capaz de gerar muitas injustiças na análise dos casos que chegam em Juízo e que devem ser lidos à luz do melhor interesse da criança e do adolescente[6].

BIBLIOGRAFIA 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 7ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 70014814479. Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias. 
Julgado em: 07 jun. 06. 

MADALENO, Ana Carolina Carpes, MADALENO, Rolf. Síndrome da alienação parental. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 143;

LEAL, Livia Teixeira. A Importância do Reconhecimento da Autoalienação Parental para a Tutela do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente nos Conflitos Parentais. Rio de Janeiro: Escola da Magistratura do Estado do Rio De Janeiro. 2017. p. 62. 

REFERÊNCIAS

[1] LEAL, Livia Teixeira. A Importância do Reconhecimento da Autoalienação Parental para a Tutela do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente nos Conflitos Parentais. Rio de Janeiro: Escola da Magistratura do Estado do Rio De Janeiro. 2017. p. 50. APUD LUND, Mary. A therapist´s view of parental alienation syndrome, 1995;

[2] LEAL, Livia Teixeira. A Importância do Reconhecimento da Autoalienação Parental para a Tutela do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente nos Conflitos Parentais. Rio de Janeiro: Escola da Magistratura do Estado do Rio De Janeiro. 2017. p. 50. APUD MADALENO, Rolf. Autoalienação parental. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de; COLTRO, Antônio Carlos Mathias (Org.). Cuidado e afetividade. São Paulo: Atlas, 2016, p. 558;

[3] MADALENO, Ana Carolina Carpes, MADALENO, Rolf. Síndrome da alienação parental. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 143

[4] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 7ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 70014814479. Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias. Julgado em: 07 jun. 06. Disponível em: www.mariaberenice.com.br/manager/arq/70014814479.doc.

[5] LEAL, Livia Teixeira. A Importância do Reconhecimento da Autoalienação Parental para a Tutela do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente nos Conflitos Parentais. Rio de Janeiro: Escola da Magistratura do Estado do Rio De Janeiro. 2017. p. 62;

[6] Ibidem.

* VITÓRIA LUIZA EL MURR

-Graduada pela Faculdades Metropolitanas Unidas – UniFMU (2018);


-Pós graduada em Direito de família e sucessões pela Escola Paulista de Direito - EPD (2020); e


- Áreas de Atuação: Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário, Direito do Consumidor.




Nota do Editor:


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quarta-feira, 22 de maio de 2024

Armadilhas que podem ser evitadas quanto ao seguro do automóvel




 Autora: Silvana Cristina Cavalcanti (*)

Muitas empresas surgem no mercado de seguro de automóvel, prometendo mundos e fundos. Dentre as promessas estão o rastreamento do veículo, a substituição de vidros, retrovisores, carro reserva etc.

Mas cuidado. Há armadilhas que estão condicionadas ao tipo de apólice e ao tipo de seguro que você contratar.

Empresas que trabalham basicamente com rastreamento não são seguradoras. Geralmente elas tem seguradoras parceiras que mantém um contrato típico de seguro, mas neste caso, o consumidor sequer escolhe qual seguradora irá ser a responsável pelo ressarcimento se ocorrer furto ou roubo consumado.

Sim, porque geralmente aqueles serviços de rastreadores prometem o reembolso do veículo pela tabela FIPE, se o veículo não for encontrado em 30 dias, ou se as avarias encontradas no veículo representem mais do que 75% de seu valor de mercado.

Neste caso, especificamente, o consumidor deve atentar-se pela contratação e se realmente a cobertura é por uma seguradora ou apenas é de rastreamento. Porque se for pela seguradora, o consumidor tem o direito de receber inclusive a apólice de seguro pelo qual estará pagando.

Funciona assim: O consumidor paga pelo rastreamento do véiculo e tem a opção de contratar os adicionais como roubo, furto, acidente, terceiros.

Muitas vezes, o consumidor sequer é informado desta possibilidade, e a empresa de rastreadores promete que se o veículo não for encontrado, o consumidor terá o direito de receber o valor integral pela tabela FIPE.

Não são raras as vezes que esta promessa não se cumpre e o consumidor é obrigado a ingressar na justiça na tentativa de ter a promessa cumprida.

Por este motivo, é muito importante que o consumidor se cerque de todos os cuidados, e certifique-se qual a seguradora que vai ser a responsável naquele determinado contrato.

Entenda que o contrato de seguro não é entre o consumidor final e a seguradora, mas provem de uma parceria entre a empresa rastreadora e a seguradora. De qualquer forma, todos compoem a cadeia de consumo e são responsáveis solidários.

Ciente dessas informações, não deixe de colocar o rastreador e certificar-se de que o mesmo foi instalado adequadamente. Tire fotos, guarde conversas e não deixe de seguir as manutenções programadas e os agendamentos pois, se o veículo sofrer algum sinistro antes de ser colocado o rastreador, mesmo que o consumidor já tenha pago a primeira parcela, ele não terá direito ao ressarcimento do veículo se ele for furtado ou roubado e não for encontrado.

Todos sabem o quão a maioria das seguradoras dificultam o ressarcimento.

Em uma situação em que haja a contratação do seguro convencional, é de extrema importância não omitir nenhuma informação no preenchimento do formulário e checar varias vezes com o corretor se todas as informações estão corretas, desde o local que o veículo pernoita, até quem efetivamente irá conduzi-lo.

Em caso de sinistro de acidente é importante que se faça uma inspeção veicular paralela a do seguro, pois infelizmente, há companhias seguradoras, que muito embora tenham conhecimento de que o sinistro tenha afetado a estrutura do veículo colocando-o em risco, acabe autorizando o reparo ao invés da perda total.

Por isto, não confie. Se por acaso o consumidor desconfiar que possa ter havido o abalo na estrutura do veículo como longarinas e quadros de estabilização, capazes de reduzir a segurança do veículo, encomende uma perícia em paralelo de uma empresa de confiança credenciada pelo DETRAN ou agende uma inspeção técnica através da polícia civil.

Nesta perícia, o relatório certamente demonstrará se o veículo pode ser recusado por outra seguradora e o consumidor pode utilizar-se deste relatório para confabular com o regulador do sinistro. Em caso de não ser aceito o relatório, o consumidor deve guardar todas as informações e se houver depreciação razoável ao vender o veículo sinistrado, pode conseguir na justiça a diferença.

Fotografe tudo e peça para a seguradora um relatório de conformidade dos reparos – é seu direito.

A pretensão indenizatória está atrelada a dano ocorrido no bojo de relação de consumo conforme artigo 6º do CDC.
A relevância dos serviços prestados pela oficina devem ser categorizados e se não houver conformidade, não aceite receber o veículo, sem que antes a seguradora ateste, através do seu regulador de sinistro, que o veículo está em condições de ser retirado da oficina. Além disto, repare se as peças utilizadas para o reparo foram originais, genuínas ou genéricas.

A apólice de seguro deve trazer a informação do tipo de peça que foi contratado no seguro no caso de sinistro, ou seja, se genéricas, genuínas ou originais. No caso de necessidade de reparo, observe esta informação no orçamento e exija o que consta na apólice de seguro, afinal o preço do seguro é composto por diversos fatores, dentre eles, o tipo de peça a ser utilizada no caso de necessidade de reparo do veículo proveniente de um sinistro.

Muito embora existam benefícios especiais para o uso da rede de oficinas credenciadas pela seguradora, é direito do consumidor escolher a oficina que o veículo será reparado, conforme artigo 14 do Anexo Circular SUSEP nº 269/2004. A livre escolha pelo segurado da oficina que irá reparar o veículo não subtrai da seguradra o poder de avaliar o bem sinistrado e o orçamento apresentado que será avaliado por esta.

*SILVANA CRISTINA CAVALCANTI

- Advogada com MBA em Business Law pela FGV; 
Especializada em Direito do Consumidor;
Pós graduanda em Negócios Imobiliários pela Escola Superior de Advocacia;
Proprietária do Escritório  Cavalcanti Advocacia . 
Whats App 11 96136-1216 ou 11 2503-9988 
Seu escritório atua nos ramos do direito do consumidor, direito de família, direito imobiliário e de responsabilidade civil. Notadamente no ramo de direito empresarial, consagra sua experiência de mais de 25 anos.



Nota do Editor:

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terça-feira, 21 de maio de 2024

Tudo o que você precisa saber a respeito da Aposentadoria por Idade


 Renata Brandão Canella(*)

A aposentadoria por idade é um tema que envolve diferentes regras e nuances para homens e mulheres, especialmente após a reforma previdenciária.

Compreender essas regras é fundamental para quem busca se aposentar com segurança e, para muitos, pode significar a diferença entre se aposentar no momento ideal ou ter de esperar mais tempo para desfrutar dos benefícios.

Antes da reforma previdenciária, a idade mínima para aposentadoria era de 60 anos para mulheres e 65 para homens, com um tempo mínimo de contribuição de 15 anos para ambos. No entanto, após a reforma, algumas mudanças significativas foram introduzidas. Atualmente, a idade mínima para as mulheres subiu para 62 anos, enquanto permanece 65 para os homens. O tempo mínimo de contribuição para os homens aumentou para 20 anos, mas permaneceu 15 anos para mulheres.

Além das regras gerais de aposentadoria, há uma modalidade especial que pode ser relevante para aqueles que têm períodos de contribuição em atividades rurais ou urbanas, mas que não se qualificam integralmente em uma única categoria.

A aposentadoria híbrida permite combinar períodos de atividade rural com períodos de atividade urbana para alcançar o tempo mínimo de contribuição exigido.

Esta modalidade possibilita que trabalhadores rurais que migraram para a cidade e passaram a contribuir em regime urbano possam somar ambos os períodos para a aposentadoria.

Um aspecto crucial do planejamento previdenciário é a averbação, que consiste no reconhecimento de períodos trabalhados que não foram computados adequadamente no CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais).

Podem ser períodos como trabalho rural, tempo especial ou mesmo períodos de contribuição feitos de maneira autônoma, por exemplo. A averbação correta desses períodos pode fazer toda a diferença para atingir os requisitos da aposentadoria ou melhorar o benefício a ser recebido.

Para garantir o melhor benefício possível, é importante que o segurado busque orientação especializada.

Uma análise detalhada de seu histórico contributivo pode identificar oportunidades de averbação e apontar a modalidade de aposentadoria que melhor se encaixa em sua situação.

Seja com uma aposentadoria convencional, híbrida ou através de uma das regras de transição, o conhecimento sobre os direitos e oportunidades é essencial para uma aposentadoria segura e confortável.

* RENATA BRANDÃO CANELLA












-Advogada previdenciária com atuação no âmbito do Regime Geral de Previdência Social  (RGPS), Regime Próprio (RRPS), Previdência Complementar e Previdência Internacional;

-Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL- 1999);

-Mestre em Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2003);

- Especialista em 

   -Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2000) e
   -Direito do Trabalho pela AMATRA;

- Autora de artigos especializados para diversos jornais, revistas e sites jurídicos;

 -Autora e Organizadora do livro “Direito Previdenciário, atualidades e tendências” (2018, Editora Thoth);

-Palestrante;

-Expert em planejamento e cálculos previdenciários com diversos  cursos avançados na área;

-Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários (ABAP) na atual gestão (2020-2024):

-.Advogada da Associação dos Aposentados do Balneário Camboriú -SC(ASAPREV);
- Advogada atuante em diversos Sindicatos e Associações Portuárias no Vale do Itajaí - SC 
- Sócia e Gestora do Escritório Brandão Canella Advogados Associados.

Nota do Editor:

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A responsabilidade das construtoras em desastres ambientais


 Autora: Larissa Gonçalves Rodrigues (*)


Não é de hoje que as mudanças climáticas oriundas do aquecimento global vêm causando desastres ambientais e deixando um rastro de destruição em diversos centros urbanos do planeta.

O mais recente deles ocorreu no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em maio de 2024, devido a chuvas torrenciais que culminaram na maior enchente da história do povo gaúcho. Inúmeros foram os estragos causados pela cheia dos rios e consequente tomada das águas nos centros urbanos, resultando no alagamento de casas, veículos, prédios públicos e edifícios residenciais.

Apesar da verticalização das residências, inúmeros foram os condomínios atingidos pela catástrofe. Diante desse quadro, a gestão condominial se depara com a necessidade de reparação do edifício, o que faz surgir a indagação do que pode ser ressarcido pela construtora, diante do comprometimento da edificação.

Inicialmente, há de ser levado em conta o fato de que, em desastres naturais, é típica a exclusão de responsabilidade geral, por se tratar de um caso de força maior.

Todavia, cada caso tem de ser avaliado individualmente. Para tanto, é importante a realização de uma inspeção predial pelo síndico, após a baixa das águas da enchente, para fins de levantamento da condição e dos danos causados à parte estrutural, elétrica e hidráulica do condomínio. Com isso, será possível ter um vislumbre da razão do alagamento e, consequentemente, se os estragos foram causados, ou contribuídos, por conta de erro humano, ou se ocorreram exclusivamente por força da natureza.

Se a obra entregue pela construtora foi comprometida devido à falta de estrutura para suportar a água da chuva, ela pode ser responsabilizada civilmente pelos vícios construtivos do empreendimento, observados os prazos necessários para tanto.

No entanto, é de suma importância a verificação da origem do dano, ou seja, se ele ocorreu exclusivamente por força da natureza, ou se ele poderia ter sido evitado no caso de conduta humana diversa.

Exemplificando: no caso de condomínios inundados pela enchente oriunda da cheia dos rios, cuja água se alastrou por meio do solo, tomando ruas e cidades inteiras, a exemplo da citada catástrofe climática ocorrida no Rio Grande do Sul, via de regra, não há que se falar em responsabilidade da construtora por vícios construtivos, afinal, trata-se indiscutivelmente da força da natureza e, portanto, é um caso de força maior.

De outra banda, sendo o caso de condomínios afetados pela água das chuvas torrenciais, por meio de infiltrações no telhado, por exemplo, a construtora pode, sim, ser responsabilizada civilmente por vícios construtivos existentes na edificação. Afinal, neste exemplo, os danos são oriundos de falha humana na ação da construtora, por entregar obra incapaz de conter a entrada de água das chuvas em seu interior.

Para a possível cobrança da construtora, se faz imprescindível a elaboração de laudo técnico, a ser providenciado pela gestão condominial, relatando a origem e também os impactos dos danos causados pelas chuvas.

Outra saída para os edifícios afetados pelas enchentes é a análise da apólice do seguro obrigatório do condomínio[1], para fins de verificação de eventual cobertura de alagamento e inundação. Se houver cobertura do seguro para esse tipo de sinistro, orienta-se que a gestão comunique o sinistro o mais rapidamente possível, mesmo que a água da enchente ainda não tenha baixado completamente, de modo a agilizar o processo, tendo em vista o prazo legal de 30(trinta) dias concedido às seguradoras para finalizar a análise do sinistro reclamado.

Apesar da imprevisibilidade dos eventos climáticos, realizar uma assertiva avaliação de riscos ao condomínio é uma tarefa muito importante da gestão, seja para demandar antecipadamente a construtora por vícios construtivos, de modo a evitar danos significativos à segurança do empreendimento, seja para contratar seguro adequado aos novos riscos ao condomínio.

REFERÊNCIA

(1) Artigo 1.346 do Código Civil: "É obrigatório o seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição, total ou parcial."

*LARISSA GONÇALVES RODRIGUES















- Advogada inscrita na OAB/RS n° 107.592;

- Graduada pela Universidade de Caxias do Sul, em 2017;

-Especialista em Direito Imobiliário e Condominial pela Universidade Cruzeiro do Sul, em 2021; e

-Vice-Coordenadora da Comissão de Direito Imobiliário - OAB/RS Subseção Caxias do Sul.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Breves Notas sobre a Audiência de Custódia


Autor: Sergio Luiz Pereira Leite (*)

Muito se tem falado sobre a instituto jurídico denominado audiência de custódia, mas poucos sabem exatamente a sua origem e a sua finalidade. Neste artigo limitar-me-ei a discorrer sobre o instituto, sem fazer avaliações com o momento atual pelo qual atravessa o nosso Poder Judiciário. Essa avaliação deixo a cada um dos leitores.

A ORIGEM

O projeto da audiência de custódia, no Brasil, foi lançado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 6 de fevereiro de 2015 e trouxe à efetivação das previsões formuladas anos antes pelo Pacto de São José da Costa Rica, que derivou do Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos, objeto do Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mundialmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, escrita em 1969, estabeleceu, em seu item 2, do artigo 5º, o seguinte, verbis:

"Ninguém será submetido a torturas, nem e apenas ou trabalhos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano".
Também previu, no item 5 do artigo 7º que "toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou posta em liberdade, sem prejuízo de que o processo prossiga. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo."

E porque a implementação desse pacto somente ocorreu no Brasil tanto tempo depois de sua elaboração? A resposta encontramos no fato de que o Brasil somente aderiu e se tornou signatário desse Pacto no dia 6 de novembro de 1992; pouco após a sua adesão ao Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos, adrede mencionado e promulgado através do Decreto nº 592/92.

Passaram-se décadas entre o Brasil apresentar uma resposta prática em relação à audiência de custódia, sendo oportuno mencionar que o STF já havia se posicionado no sentido de que a Convenção Americana de Direitos Humanos tem valor supralegal, ou seja, está acima das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição, não sendo necessária, nesse caso, a promulgação de leis ordinárias para que ela pudesse ser aplicada (RE 466.343/SP e HC 87.585/TO).

FINALIDADE

Para evitar insegurança jurídica e o incômodo da ausência de legislação nacional sobre o tema, em 14 de julho de 2016, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno, o PLS 554/2011, que alterou o § 1º do artigo 306 do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), para determinar o prazo de 24 horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada a prisão em flagrante.

Dessa forma, a audiência de custódia, que tem natureza garantista e visa assegurar a validade e a eficácia dos atos produzidos, é o momento em que o acusado de um crime deverá ser apresentado ao juiz, no prazo de 24 horas de sua prisão em flagrante, devendo estar assistido por advogado ou defensor público e com o membro do Ministério Público.

Nessa audiência deverão ser analisadas duas questões, principalmente. A primeira, versa sobre a legalidade da prisão, ou seja, se foram respeitados todos os procedimentos legais, a dignidade do preso e se houve excesso por parte da polícia. Subsidiariamente, deverá ser analisada também a necessidade da manutenção da prisão decretada, convertendo-se a prisão em flagrante em prisão preventiva, se o caso.

Os procedimentos da audiência de custódia estão detalhados na Resolução 213 do CNJ, que elenca as etapas a serem percorridas e, na exposição de motivos ali insertos, vemos como fundamento para a audiência de custódia a questão carcerária. Percebemos que a audiência de custódia se propõe a trazer uma nova proposta à questão prisional, a ideia de que a prisão nem sempre é a melhor escolha e que talvez, uma atitude mais humana, um contato mais justo, possa trazer uma mudança no comportamento social.

A proposta dessa audiência é, em suma, aproximar a pessoa acusada de um crime em flagrante da figura do juiz, afim de que este avalie com mais propriedade, as características do personagem apresentado e as consequências que uma privação de liberdade pode gerar e humanizar a prisão, tudo com o intuito de despertar no julgador um maior interesse pelas medidas cautelares diversas da prisão, como as previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal.

Como esse instituto deriva de tratado internacional do qual o Brasil se tornou signatário, é oportuno lembrar que ele deve se enquadrar nos princípios norteadores de nosso direito, e em especial do direito processual penal.

Ora, as normas provenientes de tratados internacionais são hierarquizadas como normas supralegais, significando isto dizer que se encontram abaixo da Constituição e acima das leis ordinárias. Mas a audiência de custódia traz à lume alguns princípios constitucionais e a sua efetivação, destacando-se que o juiz deixa de ser apenas um aplicador da lei, mas sim um aplicador de justiça.

Ademais, a audiência de custódia tem algumas características que pretendem dar ao acusado uma série de direitos outorgados a todos os cidadãos, como por exemplo, o principio da dignidade da pessoa humana (CF, inciso III do artigo 1º), o princípio do juiz natural (inciso LIII, do artigo 5º da CF), também na previsão do inciso LV, ao mesmo artigo 5º da Constituição Federal, que versa sobre o principio da ampla defesa e do devido processo legal; o principio da celeridade processual, consistente na razoável duração do processo e dos meios que a garantam a celeridade de sua tramitação, previsto no mesmo artigo 5º, inciso LXXVIII do texto constitucional e, por fim, consagra o estado de inocência, pelo qual ninguém será considerado culpado até o trânsito da sentença penal condenatória.

Decorridos alguns anos de aplicação da audiência de custódia, não se pode afirmar com certeza de que o instituto está cumprindo a sua função primordial, mesmo porque alguns exageros se tem cometido por parte do Judiciário, no livrar acusados de elevada periculosidade, da segregação social. No mesmo passo, outros que nenhum perigo representam à sociedade, tem o benefício das penas alternativas denegado. Mas o futuro ainda dirá se tal instituto existirá em sua plenitude e justiça.

Estas, em rápida análise, as considerações que faço a respeito da audiência de custódia.

BIBLIOGRAFIA

Audiência de Custódia – publicado por Nádia Fressatto de Godoy, in jusbrasil.com.br;

Audiência de Custódia – LOPES JR, Aury; PAIVA, Caio;

CAPEZ, Fernando - Curso de Processo Penal – 22ª edição – Saraiva – 2015; 

TÁVORA, Nestor – Curso de Direito Processual Penal – 8ª edição – Salvador – JusPodium; e

Acessos a vários sites de tribunais superiores e Congresso Nacional

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE










-Advogado graduado pela Faculdades de Ciências Jurídicas e Administrativas de Itapetininga (03/76) e
-Militante há mais de 45 anos nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.

Nota do Editor:

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