Este
caso ocorreu em 1969, um ano bem conturbado, cheio de contradições, marcado
pela repressão violenta, censura,
tortura, emboscadas, desaparecimentos,
exílios, mortes e uma nova Carta
Constitucional que mantinha o AI 5.
O surgimento de grupos militantes da esquerda atuando na clandestinidade.
O milagre econômico com grande desigualdade social e expressivo aumento da dívida externa.
Os
Beatles sobem ao palco pela última vez e Neil Armstrong dá o "grande salto
da humanidade" ao pisar na Lua, como Comandante da Apolo XI.
Jovens descontentes com os padrões culturais da época lutam por liberdade e paz.
O
Festival de Woodstock, o Tropicalismo e o Cinema Novo simbolizam ruptura e uma
revolução estética no final daquela década.
As
músicas mais tocadas eram: "As Curvas da Estrada de Santos",
"Aquele Abraço", "Hoje", "Aquarius" e "País
Tropical"
Estava
no quarto ano da Faculdade e morava no " Ninho das Águias", como era
conhecida a " Casa do Estudante", na Avenida São João, 2044.
Tranquei
matrícula, retornei em 71 e tive o prazer de me formar com a Turma de 72.
Foi
neste contexto que comecei a trabalhar profissionalmente com Toninho Pensamento,
o Antônio Marcos que viria a ser um ídolo dos anos 70.
Éramos
vizinhos em São Miguel, fizemos o ginasial juntos, moramos na Baixada do Glicério
numa quitinete com mais três amigos e fomos despejados por falta de pagamento.
Então
ele passou a ocupar também a Casa do Estudante, fazendo uma oportuna companhia
para os boêmios ali residentes.
Cantor romântico, bom compositor, tinha acabado de gravar em seu primeiro compacto simples pela RCA as músicas "Perdi Você" e "A estória de alguém que amou uma flor". Participava do programa Sílvio Santos: " Os Galãs cantam e dançam".
Ao mesmo tempo, seu irmão Mário Marcos substitui o Gilberto no Grupo Vocal " Os Caçulas", formado por Yara, Verinha e Alvinho, que tinham feito sucesso com a música " A Chuva que Cai" no ano anterior e agora recebiam Marinho para o lançamento do LP "Pra Você".
O Sonho
O
aparecimento de novos astros no cenário da música brasileira atraiu a atenção
de Pierre Ricardo: jovem brasileiro, formado em jornalismo que viajou aos Estados
Unidos para completar o curso de roteirista de cinema.
Voltava
ao Brasil com a missão de descobrir novos talentos para a produção de um filme
sobre a música na América Latina.
Muito
emocionante receber naquele momento de ascensão da carreira de Antônio Marcos e
dos Caçulas um convite desta magnitude.
Vários encontros tivemos com o elegante e discreto cineasta.
Falava pouco, de forma pausada, às vezes se esquecia de algumas palavras, provavelmente por morar há muito tempo fora do Brasil.
Também não nos atrevíamos a arriscar nosso fraco inglês com ele.
Apesar do pouco dinheiro, nunca deixamos que ele pagasse a conta mesmo em jantares que eram caros pra gente.
Lembro
que uma vez fomos ao Bar Brahma.
Quando ele se dispôs a ir até São Miguel conhecer a família, D Eunice, a mãe do Toninho, preparou uma deliciosa comida mineira.
Na sequência, ele fez questão que escolhêssemos as melhores grifes da Cidade para seleção dos figurinos.
O Minelli na Rua 24 de maio ficou com as roupas masculinas e teve que recortar ternos para o Marinho e Alvinho, adolescentes com medidas fora do padrão.
Yara e Verinha tiveram um atendimento muito especial na Loja Vogue da Paulista.
Fecharam as portas por dois dias para a prova das roupas que seriam usadas em 2 estações do ano
Ele
também se encontrou com outro galã, Djalma Lúcio.
Pierre
já tinha um roteiro pronto e o filme começaria com uma flor trazida na aurora
pelas águas do mar.
A
mão de um mulher recolhe a flor e começa a música " A estória de alguém
que amou uma flor".
Passamos
com ele no City Bank pra ver o câmbio, acertamos com o Despachante Celestino a
emissão dos passaportes e passamos no Aeroporto de Congonhas, onde ele foi
chamado pelo alto-falante pra providenciar as vacinas.
Entrevistas
pra rádios, TV e publicação na Revista Intervalo destacavam a notícia
internacional
Foram
2 meses de preparação.
Como
demorava o contrato, eu e Eduardo, empresário dos Caçulas, começamos a nos
preocupar e olhar com mais rigor os passos do Pierre.
Minha
namorada Marilu, também achava que tinha alguma coisa fora da ordem.
O sonho acabou
Numa
tarde chuvosa e cinzenta, resolvemos acompanhar o nosso personagem até sua casa
na Vila Mariana.
Próximos
de sua casa, ele desceu do táxi que estava à nossa frente e procurou fugir
Corremos
atrás dele, descemos por um corredor, entramos pelos fundos na feroz
perseguição ao agora delinquente.
Nossa
credibilidade estava em jogo.
O
desespero era grande, tínhamos que saber
a verdade.
O
bairro estava sem luz.
Quando entramos na sala, Pierre abriu a última gaveta de uma cômoda.
Pensei que ele fosse sacar uma arma.
Pegou
a vela e acendeu.
Aí
aparece sua mãe e pergunta:
"O
que houve, meu filho?"
Expliquei
os problemas que ele causou e ela então explicou tudo:
"O
Oriovaldo sempre foi apaixonado por cinema.
Sonhava
morar em Los Angeles
Coleciona
várias revistas americanas.
Quando
serviu a Aeronáutica, sofreu um acidente e às vezes esquece das palavras".
Peguei
a identidade dele, exigi que fosse comigo até o Minelli onde eu teria que justificar
os fatos.
Fiquei
com muita raiva e pena, um sentimento confuso de culpa e ansiedade.
Entendendo
o desequilíbrio psicológico do Oriovaldo, o Pierre, fiz o relato da situação e
pedi prazo pra resolver a pendência.
Esse
foi o primeiro cano, um grande golpe, cercado de sonhos e romantismo na
carreira artística.
Lembro
da tristeza de todos, que não queriam acreditar na história real, o Delírio de
Pierre Ricardo.
Apesar
dos cuidados nos futuros negócios, surgiram outros Pierres com histórias e promessas
que mostram nosso poder de atração e vulnerabilidade.
Trechos
da música " A Chuva que cai" trazem
um pouco deste mundo em que vivemos:
"
Nesse mundo cheio
De
dinheiro e ambição
Tenho
andado procurando uma ilusão
Num
lugar que é bem tristonho
Percebi que a esperança é um sonho"
*GENILDO FONSECA
-Advogado graduado pela Faculdade de Direito da USP(1972) e produtor musical;
- Diretor da Circuito Musical
-Empresário artístico de Toquinho
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