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segunda-feira, 20 de março de 2023

Aspectos técnicos sobre o crime de homicídio contra mulheres


 Autora :Lane Oliveira (*)


Atualmente muito se fala nos crimes de morte cometidos contra a mulher, em que o senso popular denomina simplesmente como feminicídio.

Contudo, o popular crime de feminicídio é sobretudo um crime de homicídio, cuja motivação gera o aumento da pena, decorrente da causa do crime ocorrer por menosprezo, ódio à mulher, em delitos contextualizados pela violência doméstica ou familiar.

Assim, o crime de homicídio com a condição qualificadora do feminicídio está previsto no código penal, no artigo 121, parágrafo 2º, inciso VI, e posteriormente, no parágrafo 2º-A : homicídio cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino em condições que envolvem violência doméstica ou familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher, aumentando a pena do homicídio que inicialmente é de seis a vinte anos, para doze a trinta anos.

Desde que a causa de aumento de pena do homicídio qualificada pelo feminicídio entrou em vigor, pela lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, alterando o Código Penal, o número de crimes registrados com essa condição foi assustador, justificando para os legisladores o porquê do agravamento da pena para crimes contra a mulher.

Mas será que todo crime de homicídio que envolva a situação de relação afetiva entre homem e mulher cuja vítima é uma mulher deve ser qualificado como feminicídio?

A doutrina e a jurisprudência trazem inúmeros casos de homicídio conhecidos popularmente como "crimes passionais".

Doutrinariamente, um crime "passional" é um crime violento motivado por uma relação de afeto, ou seja, motivado pela paixão! Todavia, a expressão "crime passional não é encontrada no código penal vigente.
"A palavra paixão, etimologicamente, vem de pathos que em grego tem a mesma raiz de "sofrer", "suportar", "deixar-se levar por". A paixão não depende de nossa vontade, pois os sentimentos e as emoções nos afetam independentemente de nosso consentimento. São características da paixão a intensidade, a efemeridade e a exclusividade (FERREIRA; AQUOTTI, 2009)[1].
O homicídio, cuja motivação tenha como enredo um crime passional, considerando cada caso, pode amoldar-se nas circunstâncias que envolvem a violenta emoção e ser desqualificado da condição de feminicídio.
"A violenta emoção pode acarretar um sentimento de ódio repentino, podendo chegar ao homicídio passional. Apesar disso, o atual Código Penal não exclui a imputabilidade penal em atos cometidos por emoção ou paixão[2]."
Os crimes motivados pela violenta emoção, mesmo quando passionais, não excluem a imputabilidade do agente, ou seja, o autor será julgado e poderá ser condenado pelo ato.

Na condição de violenta emoção o código penal considera o homicídio de caráter "privilegiado", condição essa que decorre da ausência de premeditação, de planejamento e motivada por um torpor de emoção, que impede de agir com a razão, o que justificaria a condenação com pena mais branda, onde o juízo poderá diminuir a pena de um sexto a um terço da condenação pretendida, conforme expresso no artigo 121, parágrafo 1º do código penal:
"Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço".
Considerando a qualificadora do homicídio que trata do feminicídio, pelas razões acima descritas, cuja classificação é objetiva, ou seja, basta existir a relação doméstica e familiar para poder considerar o feminicídio, como poderemos diferenciar as circunstâncias entre o homicídio motivado objetivamente pelo feminicídio e homicídio privilegiado, cuja motivação envolve a violenta emoção?

Resta uma linha muito tênue entre as duas situações! Todavia, a pena imposta a cada uma delas é extremamente diversa, como aqui exposto, em suas respectivas dimensões no código penal vigente. Um julgamento equivocado pode condenar uma pessoa a uma pena muito maior do que de fato lhe deveria ser imposta como condição de justiça ao ato praticado.

Não obstante ao fato de avaliar todas as circunstâncias que envolvem o caso concreto para o acolhimento ou desclassificação do feminicídio, bem como a consideração da condição de violenta emoção, dois fatores são fundamentais para análise: a averiguação de situações de violência pretérita entre o autor e a vítima e a premeditação do ato criminoso.

As situações que envolvem feminicídio em sua grande maioria são o resultado de atos de violência pretérita, de caráter físico, psicológico e/ou patrimonial.

Nos casos de violenta emoção que resultam na morte da esposa, namorada ou companheira, em análise pretérita da situação de relação afetiva, o casal vivia pacificamente, sem casos de violência de nenhuma ordem, resultando o crime em uma surpresa para o próprio autor sobre algum fato ou condição, que para ele é supostamente decorrente de ato da vítima, como na ciência de um caso de traição, mentira ou surpresa de forma diversa, descoberta pelo agente em condição flagrante, que lhe tome a razão e justifique a perda desta pela violenta emoção.

Todavia, não se justifica no presente texto que praticar um crime por violenta emoção seja mais brando que em outras circunstâncias. Todas as causas devem ser consideradas e combatidas, visando a mitigar a violência contra a mulher. A justiça deve agir no rigor da lei para que o bem da vida seja preservado.

Contudo, registrar todas as situações de homicídio de mulheres como feminicídio pode trazer registros quantitativos equivocados, apresentando resultados diferentes da realidade da sociedade.

Para que a justiça seja cumprida sem equívocos, caberá à autoridade policial, fundamentar por vasto arcabouço probatório em inquéritos bem construídos remetidos ao Ministério Público para oportunamente prover denúncia, e por sua vez, aos defensores constituídos do acusado, cumprirem o seu papel de defesa, direito constitucional de qualquer cidadão brasileiro, objetivando que o autor seja julgado de forma justa, em decorrência do delito cometido.

REFERÊNCIAS

[1] Trecho extraído de: “Homicídio passional: quando a paixão se transforma em crime”. Cadernos de graduação de Ciências Humanas e Sociais Unit-Aracajú, v. 1, n. 2, p.87-99, março.2014. Disponível em: file:///D:/USER/Downloads/1265-Texto%20do%20artigo-4538-1-10-20140324.pdf

[2] Trecho extraído de: “Homicídio passional: quando a paixão se transforma em crime”. Cadernos de graduação de Ciências Humanas e Sociais Unit-Aracajú, v. 1, n. 2, p.87-99, março.2014. Disponível em: file:///D:/USER/Downloads/1265-Texto%20do%20artigo-4538-1-10-20140324.pdf

LANE SAMPAIO DE OLIVEIRA















-Advogada graduada em Direito pela Universidade de Taubaté - UNITAU (2020);

-Especialista em Direito e Processo Penal com ênfase na Advocacia Criminal pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC (2021);

-Militante na Seara Criminal;

- Atua na defesa de crimes hediondos e acompanhamento de execução penal em todo estado de São Paulo.

E-mail: laneoliveira.adv.@gmail.com

Telefone para contato: (12) 97407-2058 (Taubaté-SP).

Nota do Editor:

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