Autora: Águida Barbosa (*)
Conheci a mediação em 1.989, na França, que foi pioneira na implantação deste método, alinhado a um novo modo de lidar com os conflitos, qual seja, em lugar de levá-los à apreciação do Judiciário, nascia uma instância que visava à diluição do conflito, tratando-o em circuitos fechados, capazes de garantir sigilo, imparcialidade, inclusão etc.
A mediação decorre dos valores insculpidos em decorrência da segunda
guerra mundial, com o desenvolvimento do princípio constitucional da proteção
da dignidade da pessoa humana, recepcionado pela Constituição Federal
brasileira de 1.988, acompanhando várias constituições europeias, com
pioneirismo da Itália e Alemanha, correspondendo ao movimento
contemporâneo de reconhecer a essência humana, que se manifesta pela
expressão do sentimento.
Em 1.999, dez anos após o início de minha pesquisa sobre o tema, em um
curso de mediação, em Paris, conheci a mediadora Annie Dépré, engenheira de
formação, encarregada pelo Centro Nacional de Mediação - integrante do
Ministério da Justiça da França - de elaborar um projeto de Cultura de Paz para
promover a distribuição de apartamentos a imigrantes de baixa renda, em um
conjunto habitacional construído nos arredores da Cidade Luz.
O desafio consistia em desenhar uma espécie de mosaico, com as famílias
multiculturais, visando à inclusão das diferenças destes núcleos, mesclando
características étnicas e religiosas. Para implantação do projeto a mediadora
promoveu sessões de mediação em grupo, seguidas de dinâmicas, para
entender onde estava o potencial latente de conflitos, que poderiam vir a eclodir
nesta comunidade.
Norteada pelo princípio da mediação, dividiu as unidades em vários blocos.
No primeiro bloco, formado por oito apartamentos, reservou a moradia central
para uma família disfuncional, com alcoolismo do pai, dependência química de
dois filhos adolescentes e gravidez da filha de 13 anos. Os apartamentos em
torno foram reservados a famílias funcionais: umas com filhos adolescentes
estudiosos, educados e afetivos, outro para um religioso mulçumano, outro para
um casal sem filhos e assim por diante.
O propósito deste desenho era o de propiciar à família disfuncional a
possibilidade de espelhamento em famílias funcionais, visando desenvolver
atitudes capazes de despertar, nas famílias disfuncionais, o desejo de pertencer
àquele grupo maior, formado pelos vizinhos acolhedores.
Encantada com o projeto, indaguei à mediadora qual era o conceito de
mediação que ela buscava implantar, ao que Annie Dépré me respondeu: " Mediação é perceber o espaço que existe entre mim e o outro, e preenchê-lo.
Mediação trabalha com o sagrado do humano: o sagrado do mediador dialoga
com o sagrado dos mediandos".
Depois de mais de duas décadas desta marcante vivência relatada, em
minha formação de mediadora, aplico este conceito de mediação em todos os
meus atendimentos, em busca de perfeiçoar esta nobre atividade de mediar.
O estado da arte da mediação na França encontra-se num patamar
bastante avançado, pois foi construída a partir da implantação de políticas
públicas ousadas, como o projeto acima descrito, focado em pequenos circuitos
de convivência humana, semeando o ideal de cultura de paz para alcançar a
máxima: educar para mediar.
No Brasil, o estado da arte da mediação anda a passos lentos, refletindo a
ausência de políticas públicas para alicerçar a implantação dos princípios da
cultura de paz. Ademais, falta empenho na construção teórica do conceito de
mediação, o que leva à falta de distinção entre conciliação e mediação, termos
usados, erroneamente, como sinônimos.
Enquanto a conciliação visa ao acordo, racionalmente, a mediação visa à
diluição do conflito, respeitando as diferenças entre os mediandos, em prol da
exacerbação do sentimento sobre a razão, concretizando a dignidade da pessoa
humana. Merece destaque acentuar que a mediação tem natureza preventiva,
pois tem por objeto o nascedouro do conflito, quando ele ainda está subjacente.
A necessidade de políticas públicas para conter a violência nas escolas tem
recebido sugestões de implantação de mediação junto às comunidades
escolares, o que pode representar um grande passo em prol do desenvolvimento
deste método que poderá garantir a conquista da cultura de paz genuinamente
brasileira.
ÁGUIDA ARRUDA BARBOSA
-Advogada especializada em Direito de Família;
-Mediadora familiar interdisciplinar;
- Doutora e Mestre pela FADUSP(1972)
Nota do Editor:
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Que máximo essa integração familiar através da mediação!!!
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