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segunda-feira, 19 de junho de 2023

Os erros judiciais e o reconhecimento pessoal no Processo Penal


 

Autora: Sofia Toniolo  (*)

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC 206846/SP, decidiu que "a desconformidade ao regime procedimental determinado no art. 226 do CPP deve acarretar a nulidade do ato e sua desconsideração para fins decisórios, justificando-se eventual condenação somente se houver elementos independentes para superar a presunção de inocência".

Ainda no julgamento, dispôs que o reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa.

Mas antes de adentrarmos ao tema deste artigo, para que possamos chegar ao conceito do reconhecimento pessoal, insta analisar ao conceito de reconhecimento de pessoas.

Para Gustavo Badaró, o reconhecimento de pessoa ou coisa é um meio de prova no qual alguém é chamado para descrever uma pessoa ou coisa por ele vista no passado, para verificar e confirmar a sua identidade perante outras pessoas ou coisas semelhantes às descritas.

Neste sentido, considerando que este sistema depende da memória do indivíduo, não é incomum a ocorrência de erros judiciários causados pela falha sistêmica e os dados coletados em estudos realizados nos mostram exatamente isto.

A iniciar, uma pesquisa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro identificou que, em cinco anos, entre 2014 e 2019, 53 pessoas foram acusadas indevidamente no estado a partir de reconhecimento fotográfico. Todas acabaram absolvidas, mas 50 delas chegaram a ser presas preventivamente. Apenas 20% eram brancas – o que, para o magistrado, "sugere algo até intuitivo, o racismo estrutural".

Outra pesquisa, produzida por iniciativa da Comissão Criminal do Colégio Nacional dos Defensores Públicos-Gerais (Condege), reuniu dados apurados por defensores de dez estados, relativamente ao período 2012-2020, e revelou a ocorrência de pelo menos 90 prisões injustas motivadas por reconhecimento fotográfico (a maioria no Rio de Janeiro). Dos 79 casos com informação sobre cor de pele, 81% eram de pretos ou pardos.

Assim, as notícias – cada vez mais frequentes – de prisões injustas motivadas por erros de reconhecimento influenciaram o tribunal a adotar uma posição mais condizente com a natureza falível da memória humana.

Em outro recente julgamento neste sentido, desta vez no STJ, o ministro Rogério Schietti declarou certeiramente que "O valor probatório do reconhecimento deve ser visto com muito cuidado, justamente em razão da sua alta suscetibilidade de falhas e distorções. Por possuir, quase sempre, um alto grau de subjetividade e de falibilidade é que esse meio de prova deve ser visto com reserva". Entendo esse posicionamento correto porque no contexto da atividade estatal de punir culpados e absolver inocentes, espera-se que as instituições e seus agentes funcionem de tal modo a ensejar um grau de eficiência que corresponda às justas expectativas da população – cuja satisfação permite a coesão e a ordem social – sem, todavia, desatender aos legítimos direitos daqueles que são acusados de violar as leis penais.

Assim sendo, certeiros os últimos julgamentos dos tribunais superiores no sentido de considerar nulas as provas obtidas a partir de reconhecimento pessoal fora dos requisitos dispostos no artigo 226 do CPP, de modo a evitar julgamentos injustos e condenações de pessoas inocentes. Além do mais, necessária, no mínimo, uma postura de respeito ao indivíduo, inclusive o que se apresenta como suspeito de um crime, não há avanços a assinalar na área da segurança pública e do sistema de justiça criminal como um todo.

Por fim, frise-se que isto não significa negligenciar os meios probatórios e investigativos postos à disposição da polícia para o esclarecimento da autoria delitiva. Em verdade, o que se espera de todo e qualquer agente público que potencial ou atualmente interfere na liberdade de alguém é um comportamento de respeito às normas e, acima de tudo, civilidade no trato com os envolvidos em um fato criminoso, nada mais do que isso.

*SOFIA DELARUE CUNHA TONIOLO

















-Graduanda em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (Quintanista);

-Membro da comissão de Direitos Humanos da OAB/SP;

-Membro da VII Escola Alemã de Ciências criminais da Universidade de Gottingen/Alemanha; e

Voluntária jurídica nas associações libertas e justiceiras. Voluntária Jurídica no Instituto Pro Bono.

Nota do Editor:

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