Articulistas

Páginas

sexta-feira, 14 de julho de 2023

As mulheres trans e cis no mundo do trabalho


Autora: Maria Rafaela de Castro (*)

O mundo do trabalho enfrenta diversos desafios no decorrer dos séculos, emergindo sempre a questão das condições de trabalho do sexo feminino e, agora, o labor dos transgêneros.

As mulheres (cisgêneras e transgêneras) são tratadas, em grande parcela de ramos laborais, como força de trabalho secundária, recebendo salários menores numa injusta divisão sexual do trabalho que insiste em se fazer viva na sociedade.

Não podemos olvidar que para o tratamento jurídico das relações laborais, deve-se atentar para a aplicação do princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana na medida em que a discriminação gera situação de precarização nas relações trabalhistas, ensejando condutas comportamentais negativas no ambiente laboral, fomentando as desigualdades nos outros campos de vida. Sem falar, no princípio da isonomia.

Obviamente, as relações sociais vão se desenvolvendo e a realidade sempre nos traz novas questões, sendo que a discussão de gênero e a inclusão dos transgêneros no mercado de trabalho é assunto de deveras importância social, pois até mesmo nas entrevistas de emprego existe o preconceito arraigado contra essas pessoas e quando assumem um cargo, permanecem, na maior parte das vezes, estagnados, sem a chance de promoção de carreira.

As ações afirmativas que surgem como movimentos dos Tribunais Superiores, e, especial, no Supremo Tribunal Federal, para diminuir os impactos negativos da carga de preconceitos das minorias estão sempre revestidas de questionamentos desde o cunho jurídico até religioso.

À guisa de exemplo, informo que o STF em recentes julgamentos concluiu que pessoas trans podem alterar o nome e o sexo no registro civil sem que se submetam a cirurgia bem como definiu que o transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa. É o direito ao nome social. Perceba bem a luta que foi para um indivíduo fazer uso do seu direito ao nome.

Todavia, não se pode negar que cada vez mais a diversidade é uma constante no mundo do trabalho, com a presença de pessoas que não se identificam com o seu gênero e querem uma oportunidade de emprego apesar de todos os preconceitos.

E isso desperta algumas mazelas sociológicas clássicas que, vez ou outra, insistem em sobreviver entre nós como o racismo, classismo, misoginia, LGBT fobia e capacitismos, por exemplo.

A diversidade humana é algo natural de nossa espécie, mas que é vista em formato negativo, prejudicial e danoso à evolução, quando, na verdade, deveria ser vista como diferenças entre as pessoas que só somam nas experiências e na forma de encarar as diversas situações do cotidiano.

Infelizmente os preconceitos adentram os cenários trabalhistas de forma maléfica, embora desde o ano de 1959, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) tem a Convenção 111 que trata sobre a a discriminação de raça e gênero no ambiente de trabalho.

A divisão sexual do mundo em gênero binário como masculino e feminino colocam, secularmente, em segundo plano pessoas transgêneras (que não se identificam com o seu gênero, com a sua genitália) e pessoas não binárias (que não encontram em si, na sua autopercepção, identificação com qualquer dos dois gêneros).

Tratar de gênero desperta diversos gatilhos relacionados à questão do trabalho da mulher e também (e não menos importante) o labor dos transgêneros, sejam homens ou mulheres trans.

O tema identidade de gênero ainda é repleto de inúmeros preconceitos quando, na realidade, significa o autoconhecimento de uma pessoa como pertencente a determinado gênero. Quando a pessoa tem o mesmo gênero que o seu sexo (sua genitália) chama-se cisgênero. Quando não existe essa identidade, chama-se transgênero.

É importante que se esclareça isso, pois não se confunde com a orientação sexual. Neste último caso, trata-se da forma como a pessoa busca se relacionar em suas emoções afetivas. Por exemplo, um homem (sexo masculino) pode se identificar com o seu gênero (considerar-se do sexo masculino), mas ter interesse sexual e afetivo por outros homens (homossexual), por mulheres (heterossexual), por ambos os sexos (bissexual) ou por nenhum (assexuais).

E o (falso!) conservadorismo que existe em nossa sociedade traz uma confusão conceitual entre expressões como sexo, orientação sexual, identidade de gênero, gerando, ainda mais desinformação, principalmente, graves consequências práticas no cotidiano laboral, como, por exemplo, restrição de uso de banheiros.

Na verdade, a questão é complexa e vai mais além, pois a orientação sexual do indivíduo pode ser também um fator de discriminação no ambiente de trabalho, com forte caracterização de assédio moral, gerando o adoecimento do indivíduo que se torna, muitas vezes, alvo de "brincadeiras de conotação sexual", piadas ou palavras de segundo sentido que causem constrangimento, com repercussões negativas na esfera do indivíduo.

Isso pode gerar, inclusive, a rescisão do contrato de trabalho da vítima ou a dispensa por justa causa do agressor.

Assim, estamos diante do sexismo, revelando-se como um conjunto de preconceitos e discriminações que se baseiam no sexo ou na orientação sexual, gerando impactos financeiros, pois alguns indivíduos, pelo seu gênero ou orientação sexual, são considerados menos capazes que outros e, assim, devem receber menos apesar de desempenharem igual função.

As causas desse sexismo repousam na cultura patriarcal em que nascemos e crescemos com a constante oitiva de avaliações negativas e atos discriminatórios dirigidos às minorias, tratando a diferença como algo inferior.

Essa divisão sexual ainda gera uma problemática relacionada à consideração de um gênero (o masculino) se sobrepor a outro (feminino) para fins de justificar discriminação injustificada em salários e funções de mulheres num mesmo nicho empresarial ou de definir que certas profissões só possam ser realizadas por determinado gênero.

A mencionada divisão gera situações injustas de discriminação contra a mulher quanto à desigualdade salarial, dispensa discriminatória, relevando-se mais forte em alguns setores como a construção civil em que, muitas vezes, as mulheres não possuem banheiros próprios e são assediadas sexualmente com palavras pejorativas de cunho ofensivo travestidas de "elogios" à sua aparência.

No que tange aos transgêneros, importante trazer à baila a reflexão de que a grande maioria não consegue apoio nem no seio familiar, impactando seu desenvolvimento profissional e, por isso, grande número, infelizmente, se insere no mundo da prostituição, sem uma chance efetiva de ingressar no mercado de trabalho. Porém, cautela: isso não é um determinismo e nem pode vir a ser!

Quando adentram no mercado de trabalho, agarrando-se, muitas vezes, a uma única opção de emprego, possuem barreiras físicas e psicológicas que aparentam condutas simples para os cisgêneros mas que para eles se tornam verdadeira luta de direitos, como, por exemplo, o uso de banheiros.

A jurisprudência já avança sobre o tema e o TRT da 18ª Região no caso de uma empregada trans impedida de usar o banheiro feminino e obrigada a utilizar o banheiro masculino foi concedida uma indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Por derradeiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução nº 492 que torna obrigatória a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero para todo o Poder Judiciário nacional.

O protocolo traz considerações teóricas sobre a questão da igualdade e também um guia para que os julgamentos que ocorrem nos diversos âmbitos da Justiça possam ser aqueles que realizem o direito à igualdade e à não discriminação de todas as pessoas, de modo que o exercício da função jurisdicional se dê de forma a concretizar um papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferenças, constituindo-se um espaço de rompimento com culturas de discriminação e de preconceitos.

É uma luta constante que as pessoas transgêneras precisam percorrer e que pessoas cisgêneras, como eu, jamais conseguem compreender em sua plenitude, pois o que para nós é algo simples como usar o banheiro do shopping ou do meu local de trabalho ou ser chamado pelo nome que desde sempre esteve no meu RG, para muitos, é uma tormentosa e aflitiva decisão.

Espero contribuir para uma reflexão sua sobre o tema, principalmente, se você tem algum parente transgênero ou se você o é. O fato de olhar ao nosso redor e percorrer com empatia e isonomia aos que nos cercam, independentemente do sexo, gênero e orientação sexual já é um avanço para nós, enquanto cidadãos. Se você levar para uma reflexão profunda, meus sinceros parabéns.

*MARIA RAFAELA DE CASTRO 



-Juíza do Trabalho Substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 7a Região; e
-Doutoranda em Direito na Universidade do Porto/Portugal;
- Instagram @juizamariarafaela







Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário