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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

A nossa consciência é negra


 

Autora: Milena Oliveira (*)

O mês de novembro é marcado pelo dia 20, dia da Consciência Negra no Brasil. Coincidência ou não, é também o "Black November", em que lojas de todo o mundo ocidental aplicam descontos significativos em produtos vendidos em seus estabelecimentos e pela internet. Significaria que o "black" é algo de menor valor? Parece-me mais uma teoria da conspiração, já que 20 de novembro é o aniversário de Zumbi dos Palmares, o maior líder quilombola do período colonial.

Inegavelmente, Novembro é o "novembro preto", pois inúmeras empresas, entidades públicas e privadas voltam seus olhos para o que a maioria delas ignora o ano inteiro. Nessa época, vemos nossos corpos e rostos em todo lugar, numa tentativa (de alguns, é genuína) de dizer que também somos cidadãos da ex-colônia.

Não posso deixar de falar sobre os atravessamentos de ser uma pessoa negra de pele clara (mestiça, parda) e ter um companheiro negro e duas filhas negras. Mas hoje, prefiro contar uma história de sucesso, bem resumidamente, para não cansar o leitor.

Sou servidora pública, meu único emprego na vida, diga-se de passagem, e, graças a ele, nunca precisei ouvir que não me encaixo no perfil da empresa. Ganho a mesma remuneração que meus colegas de mesmo cargo e função, não sou preterida em salários por ser mulher e mestiça. Ainda assim, em outros espaços, algumas pessoas querem me trazer uma inadequação inexistente. Daí o meu esforço de equalizar situações para não só criar ambientes saudáveis para mim, mas principalmente para a família que constituí.

Em 2022, fui convidada por uma grande amiga para escrever sobre o 20 de novembro e sobre o que ela representava para mim.  Ela publicou o texto em uma página pessoal e ficou muito feliz com a repercussão. No entanto, no dia seguinte,  numa reunião de pais na escola das minhas filhas, fui confrontada com uma fala preconceituosa de um colega em relação a outro, uma criança parda.

Não pude deixar de expressar meu incômodo e compartilhei o texto com os educadores e direção da escola, e ainda meu desconforto pelo fato de o Dia da Consciência Negra ter passado despercebido no meio escolar naquele ano. Infelizmente, somos minoria em ambientes mais elitizados, por situações que nossos ancestrais passaram e que reverberam em nossas gerações ainda hodiernamente.

Tive também uma longa conversa com a diretora sobre essas questões. Apesar de não ser da área de educação, como filha de uma educadora, nossa conversa foi bastante produtiva, pude colocar os questionamentos, pontos de vista e ouvir também o posicionamento da escola.

Depois de ouvir e pontuar bastante,  ela me fez uma promessa: naquela escola, o dia da Consciência Negra não somente seria lembrado, mas uma postura antirracista seria tomada na escola. Não se tratava somente de cumprir os ditames da Lei n° 10.639/2010, mas de promover uma revolução, a partir da formação de pessoas conscientes e desprovidas de qualquer preconceito o ano inteiro, e não somente em uma data específica. De entender que a igualdade implica o início da caminhada do mesmo ponto de partida e, se isso não acontece, perceber o esforço de minorias, como nós, de promover uma vida de qualidade para nós mesmos e para nossos descendentes. 

Em dezembro daquele ano, foi promovida uma ação de treinamento com professores e demais funcionários da escola sobre o racismo. Já no início do ano letivo, percebi mudanças significativas na conscientização das crianças, de seus pais e de todos os envolvidos na comunidade escolar.

Neste mês de novembro de 2023, realmente esperava que alguma ação a respeito do Dia Consciência Negra fosse tomada pela escola, até porque foi uma promessa firme e carinhosa da diretora.

Mas a surpresa maior foi o comunicado a respeito do Projeto Consciência Negra – reflexão e perspectivas possíveis.

A intensidade e qualidade do projeto me surpreenderam positivamente. Essa escola nunca nos decepciona (como pais), sempre a surpresa é agradável. Nada ficou esquecido nesse projeto. Cada seguimento, turma e faixa etária trabalhou questões relevantes sobre a comemoração da data, sobre os atravessamentos do racismo na nossa sociedade e sobre  a história dos povos africanos e suas culturas, que se confundem com a nossa própria história e cultura. A proposta promove conhecimento para que repassemos às gerações futuras e mantenhamos vivas nossas origens.

Todas as expectativas foram superadas com sucesso!!

Não basta não ser racista, tem que ser antirracista! E a escola é esse lugar de aprendizado, de conscientização e de transformação. Sempre deve estar disposta a caminhar nesse sentido e de mãos dadas.

Escrevi em agradecimento a todo o corpo docente, auxiliares e, em especial à diretora, por quem tenho muito apreço, por toda essa escuta, acolhimento e revolução. E também não fiquei sem resposta. Recebi uma mensagem magnífica da professora da minha filha mais nova e outra  mensagem extremamente carinhosa da diretora.

Na comemoração do Dia da Bandeira, estive na escola para assistir ao Pelotão da Bandeira, do qual minha filha mais velha faz parte. Estive pessoalmente com a diretora. Ganhei um longo abraço, um beijo carinhoso na testa, como de quem beija uma filha. Lembrei da minha falecida mãe. Era o que ela faria  - o beijo, o projeto e a revolução -  se estivesse entre nós.

Enquanto refletia sobre isso, fui abordada pela ex-professora da minha filha mais velha, do 3º ano do ensino fundamental. Ela também me abraçou, agradeceu-me pelos questionamentos e provocações.

Saí de lá com uma sensação incrível!!

Não se trata de "Black November", seja lá que sentido se queira dar à expressão alienígena.

É que, realmente, a nossa consciência é negra.

*MILENA MARTINS DE OLIVEIRA

 

-Analista Judiciária  da Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região; 

- Formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;

-Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho 

-Amante de leitura, contos e poesia.

Nota do Editor:


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