Autora: Milena Oliveira (*)
Não posso deixar de falar sobre os
atravessamentos de ser uma pessoa negra de pele clara (mestiça, parda) e ter um
companheiro negro e duas filhas negras. Mas hoje, prefiro contar uma história
de sucesso, bem resumidamente, para não cansar o leitor.
Sou servidora pública, meu único
emprego na vida, diga-se de passagem, e, graças a ele, nunca precisei ouvir que
não me encaixo no perfil da empresa. Ganho a mesma remuneração que meus colegas
de mesmo cargo e função, não sou preterida em salários por ser mulher e
mestiça. Ainda assim, em outros espaços, algumas pessoas querem me trazer uma
inadequação inexistente. Daí o meu esforço de equalizar situações para não só
criar ambientes saudáveis para mim, mas principalmente para a família que
constituí.
Em 2022, fui convidada por uma
grande amiga para escrever sobre o 20 de novembro e sobre o que ela
representava para mim. Ela publicou o
texto em uma página pessoal e ficou muito feliz com a repercussão. No entanto,
no dia seguinte, numa reunião de pais na
escola das minhas filhas, fui confrontada com uma fala preconceituosa de um
colega em relação a outro, uma criança parda.
Não pude deixar de expressar meu
incômodo e compartilhei o texto com os educadores e direção da escola, e ainda
meu desconforto pelo fato de o Dia da Consciência Negra ter passado
despercebido no meio escolar naquele ano. Infelizmente, somos minoria em ambientes
mais elitizados, por situações que nossos ancestrais passaram e que reverberam
em nossas gerações ainda hodiernamente.
Tive também uma longa conversa com a diretora sobre essas questões. Apesar de não ser da área de educação, como filha de uma educadora, nossa conversa foi bastante produtiva, pude colocar os questionamentos, pontos de vista e ouvir também o posicionamento da escola.
Depois de ouvir e pontuar bastante, ela me fez uma promessa: naquela escola, o dia da Consciência Negra não somente seria lembrado, mas uma postura antirracista seria tomada na escola. Não se tratava somente de cumprir os ditames da Lei n° 10.639/2010, mas de promover uma revolução, a partir da formação de pessoas conscientes e desprovidas de qualquer preconceito o ano inteiro, e não somente em uma data específica. De entender que a igualdade implica o início da caminhada do mesmo ponto de partida e, se isso não acontece, perceber o esforço de minorias, como nós, de promover uma vida de qualidade para nós mesmos e para nossos descendentes.
Em dezembro daquele ano, foi promovida uma ação de treinamento com professores e demais funcionários da escola sobre o racismo. Já no início do ano letivo, percebi mudanças significativas na conscientização das crianças, de seus pais e de todos os envolvidos na comunidade escolar.
Neste mês de novembro de 2023,
realmente esperava que alguma ação a respeito do Dia Consciência Negra fosse
tomada pela escola, até porque foi uma promessa firme e carinhosa da diretora.
Mas a surpresa maior foi o
comunicado a respeito do Projeto Consciência Negra – reflexão e perspectivas
possíveis.
A intensidade e qualidade do projeto me surpreenderam positivamente. Essa escola nunca nos decepciona (como pais), sempre a surpresa é agradável. Nada ficou esquecido nesse projeto. Cada seguimento, turma e faixa etária trabalhou questões relevantes sobre a comemoração da data, sobre os atravessamentos do racismo na nossa sociedade e sobre a história dos povos africanos e suas culturas, que se confundem com a nossa própria história e cultura. A proposta promove conhecimento para que repassemos às gerações futuras e mantenhamos vivas nossas origens.
Todas as expectativas foram superadas com sucesso!!
Não basta não ser racista, tem que ser antirracista! E a escola é esse lugar de aprendizado, de conscientização e de transformação. Sempre deve estar disposta a caminhar nesse sentido e de mãos dadas.
Escrevi em agradecimento a todo o corpo docente, auxiliares e, em especial à diretora, por quem tenho muito apreço, por toda essa escuta, acolhimento e revolução. E também não fiquei sem resposta. Recebi uma mensagem magnífica da professora da minha filha mais nova e outra mensagem extremamente carinhosa da diretora.
Na comemoração do Dia da Bandeira, estive na escola para assistir ao Pelotão da Bandeira, do qual minha filha mais velha faz parte. Estive pessoalmente com a diretora. Ganhei um longo abraço, um beijo carinhoso na testa, como de quem beija uma filha. Lembrei da minha falecida mãe. Era o que ela faria - o beijo, o projeto e a revolução - se estivesse entre nós.
Enquanto refletia sobre isso, fui abordada pela ex-professora da minha filha mais velha, do 3º ano do ensino fundamental. Ela também me abraçou, agradeceu-me pelos questionamentos e provocações.
Saí de lá com uma sensação incrível!!
Não se trata de "Black November", seja lá que sentido se queira dar à expressão alienígena.
É que, realmente, a nossa consciência é negra.
*MILENA MARTINS DE OLIVEIRA
-Analista Judiciária da Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região;
- Formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;
-Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho
-Amante de leitura, contos e
poesia.
👏🏿👏🏿👏🏿Parabéns!!!!!
ResponderExcluirMuito obrigada!!!
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