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sexta-feira, 30 de junho de 2023

A Imparcialidade Judicial, o Juiz Natural e a Ditadura do Judiciário


 Autor: Sergio Pereira Leite (*)


Ainda que conste de todos os manuais de Direito, certos princípios, nos tempos atuais, parecem que foram esquecidos ou relegados como menores pela nossa mais alta Corte. E aqui farei uma pequena avaliação da conduta desses magistrados

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes e, embora não esteja expressa, é uma garantia constitucional. Por isso, têm as partes o direito de exigir um juiz imparcial; e o Estado que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.

É também um pressuposto de validade do processo, devendo o juiz colocar-se entre as partes e acima delas, sendo esta a primeira condição para que possa o magistrado exercer sua função jurisdicional. Referido pressuposto, dada sua importância, tem caráter universal e consta no artigo X da Declaração Universal dos Direitos do Homem, verbis:
"Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele".
Visando impor limites à participação do juiz no processo, a doutrina mais adequada afirma que, na medida em que o magistrado pudesse atuar ex officio (seja determinando provas, seja concedendo uma medida antecipatória, seja condenando uma das partes nas penas previstas para o litigante de má-fé, impondo multas coercitivas e de apoio às medidas executivas e mandamentais), ele estaria abrindo mão de sua imparcialidade, já que fazendo isso privilegiaria uma parte em detrimento da outra.

Por esta razão, aqueles que são contrários ao ativismo judicial, afirmam que o juiz não deve ter uma atuação muito ativa porque estaria a comprometer o princípio da imparcialidade.

Nesse passo, entendo que juiz imparcial é aquele que não tenha interesse no objeto da lide e tampouco queira favorecer uma das partes litigantes. Isso significa que o julgador tem o dever, nos limites de seu conhecimento e capacidade, de proferir uma sentença justa e que sua atuação não extrapole esse seu dever de exercer sua atividade dentro dos contornos da lei. A inércia na condução do processo não é uma opção.

Oportuno esclarecer que imparcialidade não significa neutralidade, posto que existem valores que merecem salvaguarda no processo. Não afronta o dever de imparcialidade a atuação do magistrado empenhado em dar razão àquele que realmente agiu segundo os ditames legais, dentro do nosso ordenamento jurídico.

O que realmente deve importar ao juiz é que proceda a condução do processo de maneira que se transforme em efetivo instrumento de justiça, para que vença quem realmente tem razão. Ele deve sempre ser interessado e empenhado em proceder provas legais ao seu alcance para que o vencedor da demanda seja aquele que estiver amparado pelo direito material em discussão. Assim, não pode ser inerte.

O juiz não age de ofício e tampouco fora de sua jurisdição e competência. Dessa maneira, um juiz de direito não invade a seara da especialidade trabalhista, matérias privativas de competência da Justiça Federal, embora muitas vezes esta competência seja delegada por lei. Assim ocorre, verbi gratia, com o juiz de direito que tem a competência para agir no processo eleitoral.

Mas essas atribuições não são naturais, pois decorrem de lei específica. O princípio do juiz natural, outra condição de imparcialidade judicial, segundo a doutrina, se refere à existência de juízo adequado para o julgamento de determinada demanda, conforme as regras de fixação de competência, e à proibição de juízos extraordinários ou tribunais de exceção constituídos após os fatos.

Assim, por exemplo, fica assegurado ao acusado o direito de se ver processar perante autoridade competente, de acordo com a legislação em vigor, estando vedada, em consequência, a instituição de juízo posterior ao fato em investigação.

O artigo 8º da Convenção Americana dos Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário, estipula que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um "juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei".

Feitas estas colocações que os estudantes de Direito aprendem nos seus anos iniciais, chegamos ao ponto alto deste artigo. A nossa Corte Constitucional em suas últimas composições, têm conspurcado esses princípios basilares do Direito e tudo em razão de um ativismo judicial execrável, porque seus membros são militantes de um partido político.

A função de julgar é um ato que deve ser revestido de absoluta imparcialidade, sendo vedado aos juízes a sua participação político partidária, conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 95, § único, inciso III).

Durante muito tempo, ninguém que não militasse na área jurídica, mais precisamente perante os tribunais superiores, sabia declinar o nome de alguns dos ministros que compunham nossa Suprema Corte. A discrição, própria do cargo, era e ainda deve ser de rigor.

Não cabe a nenhum julgador isento atuar de forma política, como lembrado acima. Mas nossos tribunais têm proporcionado um exemplo extremamente danoso à administração da justiça e até mesmo, da nossa soberania. A Constituição Federal atribui ao Supremo Tribunal Federal as competências que lhe são peculiares. Não é, por sua natureza, um tribunal equipado para instrução de processos criminais, em que pese, existir essa atribuição, em razão, principalmente, do chamado foro privilegiado.

Vemos, amiúde, processos criminais de sua alçada atingirem o lapso prescricional, por que os autos dormitam nos escaninhos de seus cartórios e, apenas são ressuscitados, quando de sua conveniência política. A emoldurar essa assertiva, vemos um dos ministros dessa Corte colocar em pauta um processo aparelhado contra o atual presidente da Câmara baixa do Poder Legislativo, feito esse que permanecia na dormência há mais de cinco anos.

Teria sido um aviso dado àquele parlamentar para votar algum projeto do Poder Executivo? Seriam os congressistas reféns desse Judiciário político em que se transformou nossa Corte Constitucional, extrapolando todos os limites do tolerável? Sinceramente, eu creio que sim e ele foi muito bem entendido, visto o desiderato que a decisão proclamou, depois da satisfação da exigência.

Muitos de nossos parlamentares estão às voltas com processos judiciais que tramitam em várias instâncias de nossa Justiça, feitos esses que derivam de suas atividades em cargos executivos ou como agentes públicos/políticos, onde fluem também para nossa corte eleitoral.

Pois bem, vimos, em passado recentíssimo e completamente estarrecidos, um deputado federal eleito pelo Estado do Paraná, em que foi o mais votado, ter o seu mandato cassado, vendo seguir para o lixo a sua representação de quase 450.000 eleitores paranaenses.

Não tenho nenhum resquício de dúvida que se trata de uma perseguição política, cujos laivos estão singularmente expressos, em virtude da atuação desse cidadão como procurador federal, integrante da força tarefa da operação Lava Jato, que descortinou para o mundo inteiro o mórbido saque feito às empresas públicas.

Ele teve visível e proficiente atuação no combate aos corruptos e venais que saquearam o erário público, encarcerando os piores membros dessa organização criminosa. Triste Brasil, onde o policial é o réu e o ladrão passa a ser a vítima.

Isso ficou ainda mais flagrante quando o STF, por meio de firulas jurídicas, habilitou um indivíduo, condenado em três instâncias de nossa Justiça, a se candidatar ao cargo de Presidente da República. O mesmo que, em seus governos anteriores culminou por aparelhar com militantes nossa corte constitucional. Existe evidente aparelhamento em nossas cortes superiores, não somente no STF, mas também no STJ, TSE e TCU.

E porque isto ocorre? Porque temos, em nível federal, um sistema de indicação presidencial para a composição desses tribunais, incluindo aqui todos eles. E isso acontece também nos estados da federação, onde governadores que deixam os seus cargos, nomeiam as suas consortes para exercerem, de forma vitalícia, o cargo de conselheiras dos Tribunais de Contas estaduais.

Dessa forma, a meu ver, a imparcialidade some. Mormente se considerarmos que os componentes do STF, hoje, com três exceções, foram indicados por membros de um partido de esquerda que aterroriza nossa democracia há mais de 30 anos.

Além disso, a formação dos atuais integrantes dessa corte, não é a da magistratura, porque eles são egressos da advocacia e de integrantes do Ministério Público. Apenas dois dos atuais ministros provêm da magistratura, ambos concursados, um como juiz de direito e outra como juíza do trabalho. E é da própria essência da advocacia e do Ministério Público a falta de isenção ou imparcialidade.

Prova cabal do que acima se alega é que a Procuradoria Geral da República, figura essencial para o oferecimento de denuncia crime, deixou de ser necessária. Como desnecessária deixou de ser a individualização da conduta ilegal atribuída a cidadãos, julgados em blocos e que não tem o foro privilegiado para terem suas ações julgadas pelo STF.

O braço eleitoral desse grupo, o TSE, da mesma maneira, julga ao arrepio da lei e os mesmos que proferem a decisão, não se vexam nem mesmo enrubescem, em integrar o órgão revisor. A Constituição virou, para eles, simples razão para sua indicação, pois os postulados por ela determinados, de há muito restaram ignorados.

Não custa alertar que ainda temos as decisões monocráticas de vários desses ministros, o que transforma a corte de órgão colegiado em tribunal prolator, no mais das vezes.

Vivemos a verdadeira tirania da toga, o que nos remete à lembrança Da célebre frase de Rui Barbosa, quando disse que a pior ditadura é a ditadura do Judiciário, porque contra ela não há a quem recorrer.

E isso de fato acontece, lastimavelmente.

Referências

STJ.jus.br/portalp/páginas/comunicação/Princípio do juiz natural-Uma garantia de imparcialidade.aspx – publicado em 21/06/2020

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE

















Advogado militante nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo, onde já foi, por duas vezes, presidente da 134ª Subseção da OAB e que, na atual gestão, participa como vice-presidente.


Nota do Editor:

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Inelegível?


 Autor: Álvaro Santos (*)


"Quem perturba a própria casa, herdará ventos"

Provérbios 11,29


Direita x esquerda

Nunca antes este país infeliz teve tantas oportunidades de se reinventar, de mudar o rumo, de se lançar ao primeiro mundo de forma veemente. Saímos de um desastre chamado furacão Dilma, para cair no conto do capitão sem berço, reformado, incapaz de fazer valer suas ideias e ideais sem manchar nosso verde oliva, nossa salva guarda constitucional.

Esse infeliz confundiu a mente de uma grande parcela da sociedade, mesmo regurgitando ideais necessários para equalizarmos o jogo político, alinhando pensamentos de direita; alijando alguns pensamentos esquerdistas caóticos e radicais. Sem cultura de comando, sem vivência empresarial, sem formação e leitura suficiente para entender as nuances do poder, as estratégias geopolíticas, passou perto, muito perto daqueles ideais de supremacia que levou a humanidade a ceifar mais de cem milhões de vidas.

Eleição 2018/2022

Em 2018, ideias e ideais que buscavam romper a trágica visão esquerdista foram plantadas e colhidas nas urnas. Parecia que havíamos enfim encontrado um líder capaz de modular o país alinhando o pensar como um todo da sociedade em direção a temas direita como "aborto é crime", "liberdade de expressão", "direito a defesa individual" e outros temas próprios de uma verdadeira direita, conservadora, patriota e cristã.

Até 2022, percebeu-se a farsa! Tudo é o poder pelo poder. Nosso capitão de araque, se deixou cooptar pelos mesmos senhores a quem fingia há décadas combater. Teve uma pandemia que poderia ter lhe titulado como um grande líder, mas ali se desenhou o absurdo do absurdo; com ideias equivocadas e liderança capenga, deixou de salvar milhares de vidas. As urnas, suas inimigas mortais não lhe perdoaram.

Conclusão

Não temos direita no Brasil! Temos oportunistas, espertalhões e bobos. Sim, não é necessário super cérebro para entender que o capitão com tudo alinhado para se reeleger, deixou o ego e a petulância tomar conta do seu ser, deixou não um fio solto, mas várias hidrelétricas de situações que deixam o mais idiota esquerdista de boca caída de tanta lambança. De jóias a rachadinhas, de golpes e contra golpes. Acabamos por fim nas mãos do molusco. Bem, ao menos não estamos comendo picanha, mas já podemos comprar carros com dez mil de desconto...

Referências




ÁLVARO SANTOS





-Microempresário na área de prestação de serviços
-Autodidata formado pela Faculdade da Vida.

Nota do Editor:
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quinta-feira, 29 de junho de 2023

As novas ações de filiação


 Autora: Melissa Burufi (*)


Na medida em que, no século passado, a família patriarcal, o direito patrimonializado e a consanguinidade reinavam sob as estruturas familiares, a presunção de filiação provinha da origem sanguínea e, acima disso, do matrimônio, haja vista a máxima de que os filhos nascidos na constância do casamento tem por pai o marido de sua mãe.
A maternidade do filho gerado por meio de relação sexual entre marido e mulher era certa, vez que ela se manifesta por sinais físicos inequívocos. A paternidade era incerta e a presunção se atribuía diante do fundamento da fidelidade conjugal por parte da mulher[1].
Porém, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e a ocorrência das maiores e mais profundas mudanças no direito de família, excluindo a família baseada exclusivamente pelo vínculo matrimonial e priorizando a organização familiar baseada no afeto, com a busca da realização plena de todos os membros que a integram, surge o conceito de família eudemonista. Desta forma, o instituto da filiação também sofreu bruscas alterações, visto que o afeto é de extrema relevância nas relações paterno-filiais.

A par disso, sobrevieram as mudanças no Direito de Filiação e, até mesmo, nas ações de filiação.

Vale apontar as formas nas quais são realizados os Registros de Nascimentos de recém-nascidos. Quando os pais são casados, deverão comparecer ao cartório de Registro de Pessoas Naturais levando os documentos de identificação original do declarante (mãe ou pai), Certidão de Casamento, Declaração de Nascido vivo (DNV), sendo desnecessária a presença do pai e da mãe de forma conjunta no cartório.

Entretanto, quando os pais da criança não são casados, o nome do pai da criança somente poderá constar do registro se este reconhecer a paternidade.

Assim, ou ambos os genitores comparecem ao cartório ou, então, a mãe comparece sozinha levando uma escritura pública ou instrumento particular com firma reconhecida, no qual o homem reconheça que é pai da criança. É possível, de igual sorte, que a mãe leve uma procuração específica do pai da criança na qual ele faça o reconhecimento.

Todavia, não sobrevindo o reconhecimento por parte do genitor, a mãe deverá registrar sozinha o filho, a fim de que a criança não seja prejudicada, garantindo identificação para o exercício de seus direitos enquanto pessoa.

No entanto, deverá entregar ao Oficial do Registro Civil o nome e demais dados do suposto pai, quando será instaurado procedimento para averiguar se a alegação da mãe está correta ou não, ou seja, se o suposto pai referido é realmente o pai da criança.

Este procedimento somente foi possível com o advento da Lei 8560/1992, restando denominado de "averiguação oficiosa de paternidade", previsto no art. 2º da referida Lei[2]. Tal procedimento, de cunho administrativo, viabilizou caminhos mais céleres para o reconhecimento de paternidade, garantindo direito de filiação e hereditariedade à criança, somando à ascendência genética - todos abrangidos pelo princípio magno da dignidade da pessoa humana.

Vale observar, nesse aspecto, o direito à busca da ascendência e descendência viabilizadas pelas ações investigatórias de paternidade e maternidade, sejam elas biológicas ou socioafetivas. Nesse aspecto, é importante referir a legitimidade ao pedido post mortem[3], ocorrido após o falecimento do(a) suposto(a) pai/mãe, bem como a viabilidade do agrupamento de parentalidade, hoje denominado de multiparentalidade, na qual é a forma de reconhecer, no campo jurídico, o que ocorre no mundo dos fatos.

Embora nem todas as inclinações afetivas gerem o vínculo socioafetivo de filiação, esta forma de exercício da parentalidade passou a ser recebida pela doutrina e pela jurisprudência, gerando, inclusive, todos os efeitos decorrentes da relação paterno-filial (ou materno-filial), ainda que não haja lei específica a regulamentando.

Primeiramente, com o reconhecimento das famílias homoafetivas (formada por pessoas do mesmo gênero – feminino/ masculino), abriu-se um precedente para a inclusão de mais de um pai ou mais de uma mãe no registro de nascimento dos filhos, já que, nesses casos, aconteceria sempre uma ‘dupla maternidade’ ou ‘dupla paternidade’.

De igual modo, embora os padrastos e madrastas não tenham, por lei, determinadas obrigações em relação aos seus enteados, com o aumento das famílias reconstituídas ampliaram as chances de aparecimento de laços afetivos que geram efetivamente uma relação de filiação socioafetiva. Assim, nas famílias reconstituídas e nas demais modalidades familiares que possam surgir, algumas situações passaram a merecer ponderação, nas quais se cria uma relação de socioafetividade sem que se desconsidere o valor e o contato com a origem biológica. Nesses casos, a multiparentalidade apresenta-se como solução aos novos formatos trazidos pelas contemporâneas relações familiares, somando vínculos, ao invés de excluir.

Vale deixar claro que a multiparentalidade gera todos os efeitos da filiação para os envolvidos e, dessa forma, somente deve ser estabelecida quando, de fato, estiver pulsante, pois o principal vetor observado na resolução dos conflitos acerca de causas dessa natureza é o do melhor interesse da criança. Fora isso, a ausência de legislação específica sobre a multiparentalidade não impede que seja aplicada, no intuito de proteger as entidades familiares, nos termos propostos pela Constituição - com proteção do indivíduo, da sociedade e do Estado.

Somado a isso, dentro dessa onda revolucionária no direito de filiação, dando um salto à temática, pode-se apontar a ruptura da presunção relativa da paternidade e absoluta da maternidade, ante a existência das técnicas de reproduções assistidas que, sendo utilizado material genético de terceiro anônimo, denominadas de reprodução assistida heteróloga[4], a paternidade/maternidade biológica do nascituro será distinta da verdadeira paternidade/maternidade, essa considerada como socioafetiva, provinda do projeto parental almejado pelas partes.

Portanto, o estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a filiação não biológica. A filiação socioafetiva, portanto, é bastante abrangente e, na reprodução medicamente assistida, heteróloga, ao considerar pai/mãe jurídicos aqueles que não forneceram o material genético para a concepção de seu filho, traz a tona a origem não genética, construída pelo afeto, pela convivência, pelo nascimento emocional e psicológico do filho que enxerga naqueles com quem convive e recebe afeto seus verdadeiros pais.[5]

O art. 1.597, V, CC[6], apresenta a regra jurídica sobre a presunção de paternidade dos filhos advindos de inseminação artificial heteróloga. Neste tipo de inseminação, o material genético envolvido é de um terceiro, mas com a concordância e autorização prévia do marido, aqui compreendendo também o companheiro. Esta é juridicamente necessária para viabilizar a presunção da paternidade. Esta situação decorre do fato de o Código Civil não ser taxativo e explícito em relação à autorização ou regulamentação da reprodução assistida. Segundo Venosa, o código "apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade".[7] Por sua vez, há divergência na doutrina quanto à necessidade de autorização expressa e escrita, para que possa evitar qualquer tipo de impugnação da paternidade que vier a ocorrer posteriormente.

Diante desta questão, o Conselho de Justiça Federal, por iniciativa do Superior Tribunal de Justiça, elaborou um enunciado tratando do assunto. A saber:

No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento (Conselho de Justiça Federal, Enunciado nº 104).
Ainda, na reprodução assistida heteróloga, havendo o consentimento, depois de realizado o procedimento, não poderá sobrevir a contestação da paternidade. A partir do momento que assumiu a paternidade de filho, com que sabidamente não tinha consanguinidade, não lhe é permitido negar sua responsabilidade, salvo se provar vício de vontade por meio de coação, erro ou lesão. Seguindo essa linha, há que se fazer referência ao direito sucessório, de filhos provindos de reprodução assistida post mortem, ante a igualdade na filiação, não sendo possível haver distinção em relação aos herdeiros já nascidos há época da abertura da sucessão.

Aqui, vale observar que, ante a ausência de legislação sobre o tema, existe divergência em relação aos prazos para realização da concepção, bem como para busca do quinhão hereditário, cabendo ponderação entre os princípios da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade, do livre planejamento familiar, da igualdade entre os filhos, da segurança jurídica e o princípio da saisine [8].

Na tentativa de eliminar as controvérsias a III Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado 267, segundo o qual:
Enunciado n. 267, da III Jornada de Direito Civil: a regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança.
Há, todavia, necessidade de se estabelecer limites temporais para a utilização do material genético e a concretização da inseminação, em razão de que a decisão pode ocorrer bem além do falecimento do pai ou da mãe, concretizando-se depois da finalização do inventário.

A primeira solução consistiria em, havendo a concepção posteriormente ao encerramento da partilha, esta haveria de ser revista por ação de petição de herança, que poderá desaguar na restituição dos bens do acervo e sua consequente redistribuição, com todas as implicações cartorárias e fiscais. Fortalecendo esta opinião, resta o dispositivo legal do direito sucessório o qual assegura, através da ação de petição de herança (art. 1.824, CC), que o herdeiro reserve ou mesmo solicite a restituição de seu quinhão hereditário, uma vez que se comprove sua qualidade de herdeiro do de cujus.

Em razão da súmula 149 do STF, a prescrição do direito de ação de petição de herança é de 10 anos. Tal entendimento, de se utilizar o dispositivo da petição de herança ao caso, nasce a partir da observação do princípio da igualdade entre os filhos, o qual proíbe distinção na filiação. Não se tem respostas prontas sobre a temática, assim como as novas questões que surgem no direito de filiação.

Cabe, desse modo, aos operadores do direito qualificarem-se considerando que as relações familiares são complexas e dinâmicas, exigindo dos profissionais que se debruçam sobre a temática buscar constante aprimoramento na nova área denominada Direito de Filiação.

REFERÊNCIAS

[1] ZENI, Bruna Schlindwein. A evolução histórico-legal da filiação no Brasil. Direito em Debate, 2009. p.63.Disponível <https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/viewFile/641/363>. Acesso em: 30.12.2019;

[2] Lei 8560/92, art. 2º: Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação. Desse modo, é dever do Oficial enviar para o juiz uma certidão dizendo: foi registrada a criança, apenas no nome da mãe e esta declarou que os dados do suposto pai. O juiz mandará notificar o suposto pai, independente de seu estado civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída; o magistrado poderá, ainda, quando entender necessário, determinar a realização de diligências, em segredo de justiça; o juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada; no caso do suposto pai confirmar expressamente a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao oficial do registro, para a devida averbação. Se o suposto pai não atender, no prazo de trinta dias, a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público ou da Defensoria Pública para que ajuíze, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade. Vale ressaltar que na averiguação oficiosa, se o suposto pai não concordar, o juiz não pode determinar compulsoriamente que ele seja declarado como genitor da criança. Desse modo, a “averiguação oficiosa de paternidade” não se confunde com um processo judicial de investigação de paternidade. Ainda, cabe esclarecer que o Oficial deverá adotar a providência do art. 2 da Lei nº 8560/92 mesmo que a mãe não queira ou não informe os dados do suposto pai. Diante disso, se o juiz concluir que não há possibilidade de que sejam trazidos elementos para a definição da verdadeira paternidade, ele poderá extinguir o procedimento administrativo, encaminhando os autos ao representante do Ministério Público para que intente a ação competente, se cabível. Assim, o STJ entende que: "O juiz tem a discricionariedade de extinguir, por falta de provas, o procedimento de averiguação oficiosa, que tem a natureza de jurisdição voluntária, quando reputar inviável a continuidade do feito. Neste caso, será ainda possível a propositura de ação de investigação da paternidade".(STJ. 3ª Turma. REsp 1376753/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 01/12/2016). Sobre o tema, vale referir o Provimento 16/2012 CNJ que fixou regras e procedimentos para facilitar o reconhecimento de paternidade de mães cujos filhos não possuem o nome do pai na certidão de nascimento, dos filhos maiores de 18 anos que também não possuem o nome do genitor no registro de nascimento e dos pais (genitores) que desejam reconhecer sua paternidade;

[3] Superior Tribunal de Justiça garante que é possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem, ou seja, mesmo após a morte do suposto pai socioafetivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/4/2016;

[4] Em se tratando de inseminação artificial, é importante fazer a distinção quanto aos agentes que efetivamente participação com a doação das células reprodutivas. Costuma-se chamar de reprodução assistida homóloga aquela em que o sêmen inoculado na mulher for do próprio marido ou companheiro), e heteróloga quando o material fecundante for de terceiro (doador);

[5] CÂNDIDO, Nathalie Carvalho. Filiação na reprodução assistida heteróloga. 
Disponível: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3670/Filiacao-na-reproducao-assistida-heterologa>. Acesso em: 01.01.2020;

[6] Já no momento da entrada em vigor do CC de 2002 este artigo 1597 sofreu severas críticas, pois tratava-se de um texto aberto, indeterminado e genérico. Naquela oportunidade o prof. Miguel Reale, coordenador da Comissão elaboradora do CC 2002 já explicava: "A experiência jurídica está sujeita a imprevistas alterações que exigem desde logo a atenção do legislador, mas não no sistema de um código, mas sim graças a leis especiais, sobretudo quando estão envolvidas tanto questões de direito quanto de ciência médica, de engenharia genética, etc.";

[7] VENOSA, Sílvio. Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2007. p.268; e

[8] No Direito Brasileiro a sucessão está consubstanciada no princípio da saisine, o qual esta disposto no art. 1784 do Código Civil. Por este princípio, há a transferência automática e instantânea da posse e da propriedade daquele que é autor da herança aos seus sucessores. Em razão disto, nossa legislação assegura os direitos do nascituro, inclusive quanto aos direitos sucessórios. Assim, em caso de falecimento do genitor durante o período gestacional de um filho, restaria assegurado o quinhão hereditário do mesmo. Ainda, em razão de sucessão testamentária, é legítima a possibilidade do testador beneficiar filho ainda não concebido, de pessoas indicadas por ele, desde que vivas estas no momento da abertura da sucessão. Todavia, com relação aos efeitos sucessórios dos filhos havidos por inseminação homóloga post mortem não há consenso na doutrina. Pois, segundo o próprio princípio da saisine, o filho gerado através de técnica artificial póstuma não poderia ser considerado como herdeiro pela doutrina positivista, em razão de ao momento da abertura da sucessão  do filho, mas tão somente, uma futura expectativa. A Autora Giselda Maria Fernandes Hironaka, defende que os direitos sucessórios são estendidos àqueles concebidos através de reprodução assistida homóloga após a morte do genitor desde que cumpridos todos os requisitos previstos no Enunciado 106, do Conselho da Justiça Federal, "[..]a inseminação post mortem, operar-se-á o vinculo parental de filiação, com todas as consequências daí resultantes, conforme a regra basilar da Constituição Federal, pelo seu art. 226, § 6º, incluindo os direitos sucessórios relativamente à herança do pai falecido". Também com esse entendimento, o professor Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho.

* MELISSA TELES BARUFI
























-Advogada graduada pela Faculdade Luterana do Brasil - (Canoas/RS) - 2005;

- É fundadora do Escritório que leva seu nome, tem sua matriz no Centro Histórico de Porto Alegre (RS)e é  especializado em demandas relacionadas com à advocacia Familiarista, incluindo o Direito Internacional, com parceiros nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Tocantins e Distrito Federal;

- Melissa entende que trabalhar com os diversos núcleos Familiares, principalmente com o Parental é, sem dúvida, lidar com a parte mais sensível do ser humano – o afeto.

Nota do Editor:

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Reflexões sobre a inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil 2002


Autor: Sergio Pereira Leite(*)

 

Nossa legislação civil foi recentemente modificada. Com a edição da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que veio a substituir o Código Civil de 1916, que teve sua vigência por quase um século.

Se considerarmos a dinâmica social nesse último século, poderemos constatar a imensa variedade de situações que tomaram rumos absolutamente opostos ao daquele tempo.

Sobre o tema filiação o Código derrogado previa hipóteses que hoje nem se cogitam, como, vg, a expressão "filhos legítimos". A Constituição de 1988 veio trazer, com cores ainda mais berrantes, a necessidade de se adequar a lei civil à realidade brasileira. E assim se fez, não com remendos ao texto anterior, mas sim através de um conselho de notáveis que se debruçou sobre isso e fez criar a novo Codex substantivo brasileiro.

Porque não havia outra forma mais adequada, a não ser refazer, com as necessárias adequações, o texto legal. E existem artigos na nova legislação sem qualquer correspondência com a anterior, porque realmente algo de novo veio a lume.

Não podemos nos esquecer que o Código Civil de 1916 tratava de uma sociedade patriarcal, onde a condição feminina não permitia voto, a vontade da mulher carecia da anuência marital e outras situações que hoje nem mesmo acreditamos que fossem possíveis.

Dissemos, alhures, que o Brasil de 1916 era uma sociedade baseada na agricultura, basicamente nas lavouras de café e de cana de açúcar. Também não haviam transcorrido 30 anos da Abolição da Escravatura onde a mão de obra barata dos escravos não mais existia.

E esse código derrogado resistiu a inúmeros textos constitucionais, mas não ao de 1988, que trouxe para a sociedade de então, recentemente livre do regime militar, uma tônica mais realista e atual aos direitos fundamentais de seus cidadãos.

Voltando ao tema, antes dessa constituição, os brasileiros tinham filhos legítimos e não legítimos, estes muitas vezes fruto de relações adulterinas entre o senhor e suas escravas, que eram criados pelo pai como bastardos.

Em boa hora tivemos, no texto constitucional e na lei civil, neste onde se distinguiam as relações de parentesco, como sendo os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O artigo 1.596 acima mencionado, foi redigido para se conformar com a norma constitucional (§ 6º do artigo 227). Aliás, foi apenas reproduzido. Dessa maneira, não mais haviam distinções entre os filhos, havidos eles ou não de uma relação de casamento.

Posto isto, ainda havia uma norma que não se coadunava com o texto constitucional. O artigo 1.790, que está inserido no Livro IV, Título I e que trata da Sucessão em geral, tinha a seguinte redação, verbis:
Artigo 1.790 – A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro quando os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas seguintes condições:

I – se concorrer com os filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II- se concorrer com descendente só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Duas leis posteriores à vigência do Código Civil deram nova vestimenta ao direito sucessório. A primeira delas, de nº 8.971/1994 equiparou o companheiro ao cônjuge sobrevivente na ordem da vocação hereditária, colocando aquele ao lado deste na terceira classe preferencial, logo após os descendentes e ascendentes e também concedeu ao companheiro supérstite usufruto vidual, em similaridade com o que era previsto no artigo 1.611, § 1º do Código Civil revogado.

A segunda dessas leis, identificada com o nº 9.278/1996, contemplou o companheiro com o direito real de habitação, tal como previsto no § 2º do artigo 1.611 ao cônjuge casado pelo regime da comunhão universal de bens, o que era uma incongruência, de dar tratamento mais favorecido ao companheiro, fez surgirem várias correntes doutrinárias e jurisprudenciais.

Mas isso tudo mudou com o advento do Novo Código Civil de 2002, quando deu tratamento aos direitos sucessórios do companheiro, o fazendo com elasticidade, o que, em tese, revogou totalmente o sistema implantado pelas leis de 1994 e de 1996, porquanto o direito sucessório, sob a batuta do novo dispositivo codificado, tratou o direito sucessório do companheiro apenas no artigo 1.790.

Mas o citado artigo foi declarado inconstitucional pelo STF em maio de 2017, quando nossa corte constitucional enfrentou o tema ao julgar o Recurso Extraordinário n° 878.694 com repercussão geral reconhecida (Tema n° 809), declarando inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, que regulamenta o regime sucessório do companheiro e da companheira.

O acórdão restou ementado nos seguintes termos:
"Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1.A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável.2.Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3.Assim sendo, o artigo 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro),dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: "No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/2002"
(STF, Recurso Extraordinário n° 878.694, Rel. ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 10.05.2017, publicado em 06.02.2018).

A tese extraída do julgamento foi firmada nos seguintes termos: "É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no artigo 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do artigo 1.829 do CC/2002".

Considerando a importância prática da decisão e a sua enorme repercussão, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da aplicação do entendimento firmado, determinando que a solução alcançada deveria ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tivesse havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tivessem sido lavrada escritura pública.

Em passado bem recente, o Superior Tribunal de Justiça apreciou celeuma atinente ao alcance da modulação dos efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n° 878.694 (Tema n° 809).

No âmbito dessa corte infraconstitucional, buscou-se a reforma de decisão, proferida no bojo de processo de inventário, que havia determinado a inclusão da companheira do de cujus na partilha de um imóvel comprado por ele em momento anterior à união estável, não obstante a companheira tivesse sido excluída da divisão do bem, com base no artigo 1.790 do Código Civil, em decisões anteriores ao julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal. (STJ - Inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios alcança decisão anterior que prejudicou companheira

Disponível: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/17082021-Inconstitucionalidade-da-distincao-de-regimes-sucessorios-alcanca-decisao-anterior-que-prejudicou-companheira.aspx.)

As partes argumentaram que as decisões anteriores ao precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal "estariam acobertadas pela imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderiam ser alcançadas pela superveniente declaração de inconstitucionalidade".

Ao analisar a questão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pela ministra Nancy Andrighi, decidiu que a tese fixada pelo STF se aplica às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, "ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o artigo 1.790 do CC/2002, excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após a declaração de inconstitucionalidade e a consequente aplicação do artigo 1.829 do CC/2002" (STJ, Recurso Especial n° 1.904.374/DF, Rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13.03.2021, publicado em 15.04.2021)

Na prática, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de se incluir a companheira ou o companheiro na concorrência hereditária até o momento do trânsito em julgado da sentença de partilha (cf. artigo 1.829 do Código Civil), mesmo na eventualidade de existir decisão anterior em sentido oposto — proferida em desacordo com o precedente firmado pelo STF.

O fundamento jurídico que norteou a decisão esposada pelo Superior Tribunal de Justiça repousou na inexequibilidade do título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (cf. artigos 525, §12, e 535, §5º, do CPC .

Consta desse julgado: "Desde a reforma promovida pela Lei 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença – ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (artigo 475, II e §1º, do CPC/73) –, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do tema 809". (STJ, Recurso Especial n° 1.904.374/DF, Rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13.03.2021, publicado em 15.04.2021).

E ainda nos ensina José Miguel Garcia que, apesar de o Código de Processo Civil adotar a denominação "inexigibilidade da obrigação reconhecida em título executivo judicial" ele destaca que: "O que se está em jogo, no caso previsto no § 12 do artigo 525 do CPC/2015 (e, também, do §5.º do artigo 535 do CPC), é a questão consistente em se saber se a decisão proferida de modo contrário à orientação firmada pelo STF em controle de constitucionalidade pode, ou não, ser executada. No caso, portanto, parece mais adequado falar-se em inexequibilidade do título, e não em inexigibilidade da obrigação nele reconhecida". (MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 903).

Enfim, o artigo 1.790 do Código Civil é inconstitucional porque viola os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade proibição da proteção deficiente e da vedação ao retrocesso.

Estas, em poucas linhas, as minhas reflexões sobre o tema com respaldo nas lições dos eminentes doutrinadores e juristas, mencionados na bibliografia abaixo.

Bibliografia:

(MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 903);

(ANTONINI, Mauro. Código Civil Comentado – 1ª edição – 2007 – Editora Manole – vários autores)

* SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE
















Advogado militante nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo, onde já foi, por duas vezes, presidente da 134ª Subseção da OAB e que, na atual gestão, participa como vice-presidente.


Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

terça-feira, 27 de junho de 2023

Limites ao poder de tributar


 Autor: Raphael Werneck (*)

A Constituição Federal de 1988 relaciona em suas disposições (arts. 153 a 156) quais os impostos que a União, Estados e Municípios tem competência para instituir.

Essa competência, no entanto, não é ilimitada, vez que visando impedir a imposição ao  contribuinte de uma carga tributária excessiva , outra disposição constitucional (art.150) estabelece algumas limitações ao poder de tributar desses entes tributantes.

No presente artigo, veremos quais são essas limitações, bem como algumas regras para a sua aplicação.

O art. 150 acima referido assim  dispõe:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público;

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão;
e)fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser."
Dentre as regras para a aplicação dessas limitações destacamos:

a) a vedação de cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro da publicação da lei instituidora ou que tenha estabelecido o aumento (inciso III, "b")  não se aplica aos seguintes tributos:

a.1)empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; 

a.2) imposto de importação (II);

a.3) imposto de exportação (IE);

a.4) imposto sobre produtos industrializados (IPI);

a.5) imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF); e 

a.6) aos impostos  instituídos na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação;

b)  no que se refere à vedação de cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o estabelecido na letra "a" esta não se aplica aos  seguintes tributos:

b.1)empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

b.2)  imposto de importação (II);

b.3) imposto de exportação (IE)

b.4) imposto  sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR); 

b.5) aos impostos referidos na letra "a.6"; e

b.6) à fixação da base de cálculo do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) e sobre a  propriedade predial e territorial urbana e

c) a vedação  de instituição de tributos sobre templos de qualquer culto e sobre o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, compreendem somente o patrimônio e os serviços relacionados com os serviços essenciais dessas entidades.

Como o assunto do presente artigo é bem mais abrangente  voltaremos a ele em outra ocasião.

Até breve!

*RAPHAEL WERNECK

















Advogado aposentado graduado pela Faculdade de Direito da USP (1973); e
Administrador do O Blog do Werneck

Nota do Editor:

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