Autora: Camila Oliveira da Silva Abel(*)
O reconhecimento da pluralidade das famílias, na Constituição Federal de 1988, foi um marco histórico no direito das famílias, possibilitando atender o interesse da maioria, protegendo o interesse da dignidade da pessoa humana.
Diversas outras leis, Emendas Constitucionais e decisões judiciais, foram fundamentais, para a compreensão dos novos arquétipos familiares, após a promulgação da Constituição de 1988.
A diversidade do formato de família passou a ser reconhecido pelo judiciário brasileiro a partir da Constituição 1988, e com o passar dos anos e as constantes mudanças da sociedade há grande potencial para que novos formatos de família ainda surjam.
Alguns dos novos modelos familiares que merecem destaque são:
• Família Informal, se dá na união estável de casais hetero ou homossexuais;
• Família Matrimonial, consiste na ideia tradicional da família, na oficialização dos casamentos civis de casais hetero ou homossexuais;
• Família Simultânea ou Paralela, que consiste em possuir dois núcleos familiares ao mesmo tempo, que pode formado por um casamento e uma união estável, ou duas uniões estáveis;
• Família Anaparental, que não possui os pais, sendo formada apenas pelos irmãos;
• Família Mosaico, formada por pais divorciados em que ambos ou um deles possuem filhos dos relacionamentos anteriores. Essa relação também se aplica aos casais homoafetivos;
• Família Unipessoal, consiste em apenas uma pessoa, normalmente formada por senhoras viúvas;
• Família Monoparental, são as famílias formadas pelo filho e apenas um de seus pais; e
• Família Eudemonista ou Afetiva, esse modelo não depende de vínculo biológico, mas tão somente do afeto mútuo dos membros.
Diferente da família eudemonista, que baseia o afeto entre as pessoas, a família multiespécie é composta pelos humanos e seus animais, que também se baseiam nos profundos sentimentos de amor e afeto que estabeleceram com seus pets, ao cuidarem, se dedicarem, se preocuparem e conviverem com os animais.
Não basta ter um animal em casa para que a família seja considerada multiespécie, os pets que ficam presos em correntes no quintal, na maioria das vezes afastados do convívio familiar, não receberam de seus tutores o afeto para serem considerados parte da família.
Por outro lado, na família multiespécie, diversos donos assumiram uma postura de cuidados e tratamentos com seus animais semelhantes aos cuidados que são dados aos filhos, devido o enorme vínculo afetivo que foi estabelecido, que além de carinho e idas ao veterinário, também realizam festas de aniversário, compram presentes, roupas, pagam planos de saúde, semelhante aos cuidados que se tem com uma criança.
Porém, apesar dos números apresentados, a família multiespécie ainda não possui reconhecimento legal à vista da lei. Mas claramente existe muita demanda, dessa forma, foi perceptível o crescimento de movimentos que possuem o intuito de legitimar o conceito desse novo modelo de família, como possuidora de direitos, além do reconhecimento dos animais como seres, com o intuito de mudar o entendimento do animal como "coisa"’, além de diversas outras leis e projetos de leis, que destinam-se a proteção e direito dos animais.
Em se tratando da guarda dos pets, na ausência de lei que estabeleça a respeito dos animais de estimação, o judiciário encontra um desafio ao tratar do assunto, sobretudo quando não há acordo entre as partes.
Dessa forma, as decisões dos juízes têm se baseado nos costumes, em analogias e nos princípios que norteiam o direito. O confronto pelo animal de estimação, se assemelha bastante com a disputa pela visitação e a guarda de crianças ou adolescentes, sendo possível adotar analogicamente os artigos 1.583 ao 1.590 do Código Civil, que preveem a guarda de crianças e adolescentes.
Os casais que optam pela guarda compartilhada, devem saber que ambos serão responsáveis pelo animal, e que os cuidados não se resumirão a proporcionar um lar, oferecer a comida e trocar a água. Esses cuidados exigem mais envolvimento como atenção, carinho, idas ao veterinário.
Porém, não sendo possível seguir o modelo da guarda compartilhada, existe também a guarda unilateral, em que apenas um dos donos será o responsável pelo animal.
No caso da guarda unilateral, esta será concedida ao tutor que fizer prova da propriedade por meio de documentação em que haja o de registro do pet, com dados contendo o nome e que possua idoneidade.
Nessa modalidade de guarda, apenas um dos cônjuges poderá exercer a responsabilidade pelo animal, porém o outro cônjuge poderá requerer a convivência com o animal por meio de visitas, tendo em vista o valor dado aos sentimentos de afeto estabelecidos durante o tempo da relação.
A família multiespécie, como qualquer outra, pode chegar ao fim após as divergências instauradas. Nos casos de rompimentos permanentes, os membros dessa relação buscam o Judiciário para a solução dos conflitos, porém a partir desse momento surge um novo obstáculo, a morosidade dos processos, que sobrecarregam o sistema jurídico.
Todavia, a solução pode ser encontrada através da mediação, que consiste em admitir que um terceiro atue como facilitador dos diálogos, de partes que já possuíam vínculo, com o objetivo de encorajá-los a encontrar uma conversa amigável e realizar negociações, finalmente encontrando uma comunicação produtiva.
O mediador não possui o papel de intervir, mas de ajudar as partes a encontrar diálogo e permitir que elas mesmas proponham soluções que atendam às necessidades de ambos.
Enquanto não houver um acordo entre os tutores, quem mais sofrerá será o animal, tendo em vista que passará o tempo da duração do processo sem a convivência com um de seus donos, com quem se relacionava diariamente. Essa separação pode causar inclusive doenças como depressão.
A depressão em animais, principalmente nos cães e gatos, normalmente é desenvolvida devido a grandes mudanças, separação e a solidão. Esse quadro pode levar os animais a recusar a alimentação, e consequentemente evoluirá para o desenvolvimento de outras doenças.
Diante da morosidade do Poder Judiciário, que profere um julgamento, que poderá não ser eficaz para aquela família, e diante da abundância de ações ajuizadas, a mediação como forma de resolução do conflito da família multiespécie apresenta a melhor alternativa, poupando os envolvidos da demora e do sofrimento com o distanciamento.
Importante mencionar, que o tempo de vida e um animal é muito menor que a expectativa do tempo de vida humana. Portanto, tendo em vista as particularidades da família multiespécie, quanto maior a celeridade processual, e a possibilidade de convivência do animal com ambos os tutores, levando em consideração cada caso concreto, a poderá ser considerada como a forma mais eficiente para a definição da guarda dos animais na família multiespécie.
Referências:
AGUIAR, Melanie de Souza; ALVES, Cássia Ferrazza. A família multiespécie: um estudo sobre casais sem filhos e tutores de pets. Pepsic, 2021. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679- 494X2021000200003#:~:text=2021&text=Atualmente%2C%20dentre%20os%20dive rsos%20arranjos,pets%20como%20membros%20da%20fam%C3%ADlia. Acesso em: 01 de mai. 2022;
Animais de estimação são alvos de disputa na justiça. Ibdfam, 2018.
Disponível
https://ibdfam.org.br/noticias/6605/Animais+de+estima%c3%a7%c3%a3o+s%c3%a3 o+alvos+de+disputa+na+justi%c3%a7a%22. Acesso em: 01 de mai. 2022;
Bicho também tem depressão. Abril, 2016.
Disponível:https://saude.abril.com.br/medicina/bicho-tambem-tem-depressao/. Acesso em: 01 de mai. 2022.
BÜHLER, B. Guarda Compartilhada de Pets.TCC (Graduação em Direito) – Universidade do Sul de Santa Catarina. Araranguá, p. 60. 2018;
HASHIMOTO, N. A guarda de animais de estimação em sede de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus tutores. TCC (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, p. 29. 2019; e
VOLPE, I. Levantamento do nível de conhecimento de magistrados federais brasileiros sobre o direito animal. TCC (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, p. 62. 2020.
*CAMILA OLIVEIRA DA SILVA ABEL
- Advogada graduada em Direito pela Universidade Estácio de Sá (2022);
-Advogada na Oliveira Abel Advogados; e
-Membro do grupo de Estudos OAB/SBC: Família e Sucessões. Expositora do Tema: Alienação Parental.
Contatos:
E-mail: juridico@oliveiraabel.adv.br
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