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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Uma análise da Emenda 134/2024


 Autor: Gustavo Capucho da Cruz Soares(*)

Na data de 24 de setembro de 2024, no apagar das luzes, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional n. 134, isso mesmo, 134.

Nela, altera-se o art. 96 do texto constitucional original, que passa a ter a seguinte redação:

Art. 1º O art. 96 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

"Art.96.           ...................................................................................................................................................................................................

Parágrafo único. Nos Tribunais de Justiça compostos de mais de 170 (cento e setenta) desembargadores em efetivo exercício, a eleição para os cargos diretivos, de que trata a alínea "a" do inciso I do caput deste artigo, será realizada entre os membros do tribunal pleno, por maioria absoluta e por voto direto e secreto, para um mandato de 2 (dois) anos, vedada mais de 1 (uma) recondução sucessiva." (NR)


O texto em si alcança apenas dois Tribunais no Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, e permite que, nesses Tribunais, e em outros que chegarem ao número de 170 desembargadores, possa ocorrer a reeleição para os cargos diretivos para um novo mandato de 02 anos, algo que o texto constitucional anterior não permitia.

Evidente que existe um certo protecionismo no texto legal aprovado, pois, se pensarmos cartesianamente, em tribunais com maior número de desembargadores, as possibilidades de variações nesses cargos diretivos são maiores e salutares.

Nos tribunais com menores números de desembargadores, esses cargos podem até vagar, tendo em vista que esses desembargadores, além de assumir uma carga extrema de processos, ainda teriam que acumular a tarefa burocrática.

Outra situação que assusta, e muito, este subscritor, é a quantidade de emendas constitucionais que temos no Brasil.

Em três anos, o Congresso brasileiro alterou a Constituição brasileira a mesma quantidade de vezes que o Congresso americano (Estados Unidos) alterou sua Constituição em 235 anos.

Apenas para termos uma ideia da insegurança que isso nos apresenta, entre 2019 e 2022 foram aprovadas 29 (vinte e nove) emendas, mais de sete por ano.

A maioria dessas Emendas foi construída para prestigiar alguns poucos, especialmente os da classe política, como a recente PEC DA ANISTIA, mas essa nova Emenda (134) foi feita para beneficiar algumas dezenas de pessoas, conforme dito acima: desembargadores que pretendem se reeleger a cargos diretivos no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e parlamentares que estão sendo processados criminalmente pelo mesmo Tribunal.

Outro fator muito complexo, e, especialmente complexo, o tempo de tramitação dessa Emenda foi algo de extraordinário.

Na Câmara dos Deputados, o processo inteiro durou 8 dias.

No Senado Federal, o projeto foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, que aprovou cinco dias depois. Votação em primeiro e segundo turno ocorreu no mesmo dia.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pode ser apresentada por, no mínimo, 171 deputados ou 27 senadores (1/3 do total), pelo Presidente da República e por mais da metade das Assembleias Legislativas.

A PEC começa a tramitar na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), que analisa a admissibilidade da proposta. A PEC não pode violar as cláusulas pétreas da Constituição:

1 - forma federativa de Estado;

2 - voto direto, secreto, universal e periódico;

3 - separação dos Poderes; e

4 - direitos e garantias individuais dos cidadãos.

Se for admitida pela CCJ, o mérito da PEC é analisado por uma Comissão Especial, que pode alterar a proposta original. Essa Comissão tem o prazo máximo de 40 sessões do Plenário para votar a proposta. O prazo para emendas (da emenda (!) se esgota nas dez primeiras sessões.

Depois, a proposta é analisada pelo Plenário. A aprovação depende dos votos favoráveis de 3/5 dos deputados (308), em dois turnos de votação (em geral, os deputados aprovam o texto principal do projeto e "destacam" alguns trechos para votação posterior. Esses trechos são chamados destaques. Normalmente, essas votações posteriores servem para confirmar ou retirar alguns trechos do texto da proposta. Também podem ser destacadas emendas, para alterar o texto).

Depois de concluída a votação em uma Casa, a PEC é enviada para a outra. Se o texto for aprovado nas duas Casas sem alterações, é promulgado em forma de Emenda Constitucional em sessão do Congresso Nacional. Se houver modificação substancial (não apenas de redação), ela volta, obrigatoriamente, para a Casa onde começou a tramitar. A alteração em uma Casa exige nova apreciação da outra Casa, sucessivamente. É possível haver a promulgação "fatiada" (apenas da parte aprovada pelas duas Casas).

Deixando qualquer situação fática fora desse balanço, é importante averiguar que esse tempo exíguo se mostra fora do padrão, e, principalmente, reveste essa Emenda Constitucional de certo comprometimento exagerado com a classe jurídico-política.

Outrossim, apesar de serem técnicos, os desembargadores utilizaram o lado político para que essa Emenda fosse aprovada. Em especial, diante de uma situação de eleições presidenciais no Congresso Nacional, o que importa em votos dos parlamentares em cada casa.

Precisamos compreender que Emendas Constitucionais são exceções à regra. A regra é manter a Constituição Federal em estado de imutabilidade.

É óbvio que as mudanças temporais e comportamentais existem e devem ser abrangidas pela Constituição (maior garantia legal de um país), porém, essas mudanças devem ser limitadas e não apenas para agraciar lados políticos.

No caso da Emenda 134, é evidente que ela não agracia a população brasileira, simplesmente altera uma regra que propicia a uma classe profissional uma benesse maior.

*GUSTAVO CAPUCHO DA CRUZ SOARES

 

-Advogado graduado pela Universidade Salesiana de Lorena - Unisal (2001);
-Sócio-Proprietário da Cruz & Soares - Sociedade de Advogados
-Especialista em Direito Civil, Direito Trabalhista e Direito Previdenciário e
- Ex-Secretário de Negócios Jurídico - Prefeitura de Lorena


Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Um comentário:

  1. Álvaro Marcos Alves dos Santos19 de outubro de 2024 às 23:16

    Bidu! Que culpa tem nossos políticos de serem céleres na alteração da constituição brasileira?😁
    Esses americanos lentos demoram dois séculos para alterarem a constituição deles.

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