Autor: Robson dos Santos Amador(*)
"O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com seu casaco de pele, o grande nariz pontudo e a grande barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada"
Franz Kafka – O Processo, 1915.
O sentimento do escritor theco Kafka, em sua clássica obra, exibe a opressão e a insegurança jurídica encobertas pelo manto das estruturas e formalidade do direito que separa, ao invés de unir, o povo e o "seu" governo.
A necessidade do cidadão em comunicar ao Estado uma necessidade ou um acontecimento é uma das formas de exercício direto do conceito de cidadania. Uma síntese, inclusive, do atual regime republicano, ou seja, o Governo somente existe "pelo povo" e "para o povo". Essa comunicação convertida em uma linguagem de um pedido formal (petição e/ou requerimento) foi visto nos temas que levaram os ingleses a estabelecerem em sua Magna Carta (1215) e na Bill of Rights (Declaração de Direitos – 1689), assim como as Constituições dos americanos (1776), os franceses (1791), os portugueses (1976), e claro, em nossa terra brasilis desde a Constituição Brasileira Imperial de 1824. Ou seja, se comunicar com o Estado, através de um pedido, é um direito do cidadão que não pode ser comprometido ou condicionado a algo, ainda que através do porteiro de Kafka, como por exemplo, ao pagamento de uma "Taxa" ou "Preço Público".
Nesse sentido, a nossa Constituição Federal, que ao menos nos bancos das academias de Direito, é a lei mais importante de um país, maior do que os atuais Decretos Municipais que temos assistidos aos assaltos aos direitos e garantias individuais, garante em seu artigo 5º., XXXIV da Constituição Federal que a todos os cidadãos "... independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal."
E outro artigo, (5º., LV) garante a todos os cidadãos "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."
Como também não podemos esquecer a Lei Federal que regula o acesso à informação (12.527, de 18 de novembro de 2011). Em todos esses comandos normativos está claro: o cidadão deve comunicar, pedir, requerer em qualquer órgão público, sem ter a condicionante do pagamento de qualquer taxa, tarifa ou preço público. Até o STF – sim, acredite - já reconheceu tal direito (Súmula Vinculante n.21).
Ocorre que em muitos Municípios do nosso país, ainda presenciamos o "porteiro de Kafka" ao cidadão quando o mesmo precisa requerer algo que somente o Governo pode e deve atender. A cobrança da "Taxa de Expediente" para todo e qualquer requerimento administrativo a ser promovido por qualquer cidadão como forma de garantir-lhe amplo acesso ao processo administrativo e aos atos da Administração Pública é inconstitucional.
Assim, em muitos casos, para o cidadão ter acesso a qualquer documento público, ou comunicar e requerer qualquer providência da Administração Pública, deverá, primeiramente, pagar uma taxa. Não se pode falar em democracia sem que o povo possa participar em assuntos de seu interesse e se comunicar de forma direta com o poder público.
Nesse sentido, surge o direito de "pedir". Ele possibilita a qualquer pessoa (seja brasileira ou estrangeira), buscar respostas por parte de autoridades públicas. Vivemos tempos de "reformas" da relação do cidadão com a "coisa pública". Que se comece pela gratuidade do acesso do cidadão àquilo que é seu: o acesso a informação, o acesso ao “bem” público. Aposente o "porteiro"”.
*ROBSON DOS SANTOS AMADOR
-Advogado graduado pela Universidade Brás Cubas (2000);
- Pós graduado no LLM- Master of Law em Direito Tributário pelo INSPER – SP (2010);
-Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET (2002);
-Mestrando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET;
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Buenos Aires – Argentina;
e
-Professor em diversos cursos de graduação e pós graduação em Direito e Administração de Empresas.
Nota do Editor:
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Excelente!
ResponderExcluirExcelente texto. Triste realidade.
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