Autora: Ana Celina Ribeiro Ciancio Siqueira (*)
A publicação da Recomendação CNJ n° 159 de 16 de maio de 2024, pelo Conselho Nacional de Justiça, consolidou uma série de medidas de cunho normativo-administrativo cujo objetivo era a identificação e enfrentamento de demandas repetitivas e em massa caracterizando judicialização predatória.
O normativo veio se juntar a outros que, desde outubro de 2020, vinham sendo publicados pelo Órgão.
Nesse ano, pela Resolução CNJ n° 349 foi prevista a criação do Centro de Inteligência do Poder Judiciário - CIPJ e da rede de Centros de Inteligência do Poder Judiciário, “com o objetivo de identificar e propor tratamento adequado de demandas estratégicas ou repetitivas e de massa no Poder Judiciário brasileiro” (art. 1°).
Posteriormente, seguiu-se a Recomendação CNJ n° 127, de 15 de fevereiro de 2022, orientando os Tribunais à adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória, assim definida no artigo 2° da norma: “Para os fins desta Recomendação, entende-se por judicialização predatória o ajuizamento em massa em território nacional de ações com pedido e causa de pedir semelhantes em face de uma pessoa ou de um grupo específico de pessoas, a fim de inibir a plena liberdade de expressão.”
E, em 15 de junho de 2022, a Recomendação CNJ nº 129, enfatizando aos tribunais a necessidade de adotar cautelas visando a evitar o abuso do direito de demandar que possa comprometer os projetos de infraestrutura qualificados pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), previsto na Lei nº 13.334/2016. Ainda nesse mesmo ano, pela Portaria CNJ nº 250, de 25 de julho, foi instituído o Grupo de Trabalho com o objetivo de apresentar propostas para o enfrentamento da litigância predatória.
Também em 2022, a Recomendação CNJ nº 135, de 12 de setembro de 2022 exortou os magistrados para que, sempre que possível, realizem a oitiva do órgão de defesa da concorrência, em especial a sua Procuradoria Federal Especializada, antes de concederem tutelas de urgência relacionadas a processos administrativos em tramitação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), assim minimizando efeitos danosos decorrentes de eventual abuso do direito de demandar.
A Recomendação CNJ N° 159/2024 traz, anexas, lista exemplificativas de condutas processuais potencialmente abusivas, ls de medidas judiciais a serem adotadas diante de casos concretos de litigância abusiva e de medidas recomendadas aos tribunais.
No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 2a. Região, por meio do Ato GP 30/2024, o Centro de Inteligência divulgou e recomendou a observância da Nota Técnica 7/2024, que estabelece critérios sobre litigância predatória no âmbito do Regional, dispõe sobre litigância predatória passiva e ativa, além de apresentar informações e orientações úteis às unidades judiciárias e administrativas, além de determinações específicas.
De acordo com a Nota Técnica mencionada, considera-se postulação predatória ativa aquela que: a) corresponde ao uso abusivo ou fraudulento do direito fundamental de acesso à Justiça e do direito de ação, com distribuição de grande volume de ações com pedidos similares pleiteados de forma genérica, sem documentação mínima comprobatória, prova testemunhal duvidosa, com o intuito de obter vantagens financeiras ou econômicas; b) denota prática reiterada de ingresso de ações por advogados(as) ou escritórios de advocacia sem o conhecimento da parte interessada, com ausência de documentação mínima comprobatória, ou com ausência de procuração específica para a demanda, com narrativas genéricas e pedidos similares em diversas ações não conexas; c) induza deliberadamente a parte a ingressar em juízo com ação sem haver o interesse de agir da parte; tudo isso com o intuito de auferir vantagens econômicas e financeiras indevidas em detrimento de prejuízos ao Poder Judiciário e à toda sociedade.
Reconhece, também, a postulação predatória passiva, consistente na prática de atos ostensivos e reiterados de empregadores(as) que transgridem os direitos de trabalhadores e trabalhadoras, com o intuito de obter vantagens indevidas de cunho econômico, financeiro ou concorrencial, geralmente de grandes litigantes, que dão azo a ações massivas com interesses legítimos, que impactam o tempo médio de julgamento dos processos em trâmite neste Tribunal e causam prejuízos ao Poder Judiciário.
Finalmente, o documento propõe a criação de formulário interno para a comunicação das unidades judiciárias sobre possível ocorrência de litigância predatória para a Comissão de Inteligência; criação de painel para monitoramento de grandes litigantes no TRT, a ser disponibilizado na internet; e realização de acordos de cooperação para coibir a prática de litigância predatória; realização de reuniões ou audiências conciliatórias para atenuar ou coibir a postura predatória de empregadores, geralmente envolvendo grandes litigantes, entre outras medidas que a comissão entender necessária e adequada.
Na área trabalhista esse tipo de conduta, que constitui um abuso do exercício do direito de ação, prolifera pela facilidade de acesso à justiça, necessário à parte mais vulnerável da relação de trabalho, o empregado.
Até aqui, pensamos no enfrentamento da litigância predatória ou abusiva do ponto de vista do Poder Judiciário. Mas, e sob o ponto de vista da advocacia ? Seria o procedimento assim tão daninho ?
Em artigo denominado "Impactos da advocacia predatória sobre a Justiça", Jessyca Lima afirma que "a advocacia predatória prejudica o sistema judicial com ações frívolas e fraudulentas, mas o uso de IA e iniciativas dos tribunais ajudam a combatê-la e fortalecer a ética".
E continua. "Essa proliferação de condutas leva à percepção negativa da advocacia, dando a impressão de que o litígio é visto como uma "indústria" ou forma de lucro fácil, em vez de um meio de busca da justiça, enfraquecendo a confiança pública na profissão e no ordenamento jurídico como um todo" (https://www.migalhas.com.br/depeso/415185/impactos-da-advocacia-predatoria-sobre-a-justica)
Enfim, todos perdem com o abuso do exercício do direito de ação e portanto todos devem agir, nos limites de sua competência, para impedir que o Poder Judiciário seja afetado por quem age maliciosamente para obter fins escusos.
ANA CELINA RIBEIRO CIANCIO SIQUEIRA
-Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da USP (1973);
-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2a.Região (1993);
-Secretária - Geral Judiciária do TRT da 2a.Região (2004);
- Secretária do Tribunal Pleno do TRT da 2a Região (2004); e
- Comendadora da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho da 2a.Região (2005)
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