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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O regime de bens e seus efeitos no divórcio e na morte


 Autor: Antoin Abou Khalil(*)




Pouca gente sabe que os efeitos do regime de bens adotado no casamento podem variar significativamente conforme a hipótese de ruptura – seja pelo divórcio, quando a união termina por decisão dos próprios cônjuges, seja pelo falecimento, quando um dos parceiros morre.

A seguir, veja como cada regime atua nessas situações:

1. Comunhão parcial de bens

• Durante o casamento: apenas os bens adquiridos na constância da união integram o patrimônio comum; os bens anteriores, chamados de particulares, permanecem como propriedade individual;

• No divórcio: cada cônjuge tem direito à meação dos bens adquiridos durante o matrimônio;

• Em caso de falecimento: o cônjuge sobrevivente recebe automaticamente sua meação dos bens comuns, enquanto os bens particulares do falecido são partilhados com os demais herdeiros conforme as regras sucessórias, sendo o cônjuge sobrevivente também herdeiro em relação a estes bens.

2. Comunhão universal de bens

• Durante o casamento: todos os bens – adquiridos antes ou durante a união – compõem o patrimônio comum, salvo exceções legais;

• No divórcio: a divisão ocorre de forma igualitária, abrangendo a totalidade do patrimônio do casal;

• Em caso de falecimento: o cônjuge sobrevivente integra a sucessão com metade do patrimônio comum, sendo essa meação a parcela a que tem direito, enquanto a outra metade é destinada aos herdeiros legais.

3. Separação total de bens

• Durante o casamento: cada cônjuge administra seus bens de forma totalmente individual, sem qualquer comunicação patrimonial;

• No divórcio: não há partilha, pois não existe patrimônio comum;

• Em caso de falecimento: o cônjuge sobrevivente tem direito apenas à herança, conforme as regras de sucessão, sem garantia de meação – o que pode gerar disputas, especialmente se houver controvérsia sobre a contribuição do cônjuge sobrevivente para a formação do patrimônio do falecido.

4. Participação final nos aquestos

• Durante o casamento: cada parte mantém a administração exclusiva de seus bens, de forma semelhante à separação total;

• No divórcio ou em caso de falecimento: embora os bens permaneçam individualmente administrados durante a união, na dissolução do vínculo o cônjuge que não os administrou tem direito a uma participação nos aquestos – isto é, na valorização dos bens adquiridos em comum – garantindo uma compensação que reflete sua contribuição indireta para o patrimônio do outro.

A escolha do regime de bens impacta diretamente os direitos e responsabilidades dos cônjuges, com distinções claras entre o que ocorre no divórcio e na sucessão decorrente do falecimento. Conhecer essas nuances é fundamental para proteger os interesses individuais, sobretudo em uniões estáveis, onde muitos casais optam por não formalizar o relacionamento em cartório.

Ao julgar os Recursos Extraordinários 646.721 e 878.694, o Supremo Tribunal Federal afastou a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros – entendimento que também se aplica às hipóteses de ruptura em vida.

Contudo, nas uniões não formalizadas, a percepção dos envolvidos nem sempre é a mesma, o que pode gerar conflitos após a separação. Recentemente, atendi uma senhora que estava em um relacionamento há cerca de dois anos. Segundo ela, seu namorado passava três dias por semana em seu apartamento. Ambos, pessoas de meia-idade que já haviam sido casadas, apresentavam situações patrimoniais distintas: ela possuía dois filhos adultos e uma situação financeira confortável, enquanto ele não acumulava bens significativos.

Assim, na hipótese de separação, se o namorado alegasse a existência de união estável, ele não teria direito a nenhuma fração do patrimônio dela, pois se estaria diante de bens particulares, adquiridos antes do relacionamento. Mas, se durante o relacionamento ela viesse a falecer, haveria o risco de suas filhas precisarem enfrentar uma eventual ação de reconhecimento de união estável movida pelo suposto namorado, que, como convivente, se tornaria herdeiro.

Essa situação ressalta a importância de se ter consciência dos efeitos dos regimes de bens em cada hipótese de ruptura, pois uma coisa é a conduta de alguém diante de seu cônjuge ou companheiro; outra bem diversa pode ser essa conduta perante os demais herdeiros.

*ANTOIN ABOU KHALIL
























-Bacharel em Direito, pela USP (1993), instituição junto à qual conquistou seu mestrado (2010) e doutorado(2014);

-Mediador cadastrado junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo;

- Bacharel em administração de Empresas, pela FGV (1990);

- Sócio do Fleitlich, Rocha e Khalil Advogados Associados;

- Atua na área do direito de família e das sucessões; e

  - Autor dos livros A personalidade do juiz e a condução do processo (LTr), Crítica da ética na advocacia (Amazon), além de artigosvídeos e podcasts, com conteúdo jurídico produzido em linguagem acessível.


Nota do Editor:

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