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segunda-feira, 16 de junho de 2025

A relação aluno-professor e o crime de assédio sexual


 

© 2025 Thatienne Grazielle de Almeida Pinheiro 


O assédio sexual, crime em que o indivíduo utiliza-se de sua ascendência em relaçao a vitima para tentar obter dela favores sexuais, surgiu no ambito das relaçoes de trabalho e passou a ser visto como um problema a partir da decada de 60, com o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho.

O primeiro país a tratar a materia como crime, foi os Estados Unidos. 

Em 1986, a Suprema Corte Estadunidense, com base no Título VII do Civil Rights Act de 1964 (Lei dos Direitos Civis de 1964), proferiu a primeira sentença que versava sobre assedio sexual. Em seguida os países da Europa passaram a tratar sobre o ilícito, sendo que em 1987 a Comissao Européia proferiu a primeira decisão relativa ao assédio sexual. 

No Brasil, a conduta hoje tipificada como assédio sexual ja foi considerada constrangimento ilegal, previsto no artigo 146 do Codigo Penal, isso porque entendia-se que o constrangimento advindo daquele que mantem ascendência em relação a vítima, amoldava ao tipo penal em questão. Por outras  vezes, agora considerando o elemento sexual da ação, foi tratado como estupro, ato obsceno, importunação sexual, o que variava caso a caso, havia em relação a conduta, clara insegurança jurídica.

Em um cenário onde 52% das mulheres trabalhadoras já haviam sofrido assédio sexual no ambiente de trabalho, ficou evidente a necessidade de regular a matéria, deste modo, a deputada Iara Bernardi foi a autora do projeto de lei responsável por criminalizar o assédio sexual, incluindo no ano de 2001 o artigo 216A, no Codigo Penal a seguir transcrito: 

Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Muito embora as principais vítimas deste crime sejam as mulheres, o tipo penal de assédio sexual, protege todas as pessoas, deste modo, o crime pode ser cometido por qualquer pessoa, homem ou mulher, em relações heteroafetivas ou homoafetivas.

Comumente, as mulheres, ocupam posição mais vulnerável nas relações de trabalho, relações estas que o legislador quis originalmente resguardar.

O tipo penal prevê que o crime de assédio sexual se caracteriza por:

Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Quando se fala em constrangimento, neste caso,  não fala em constrangimento envolvendo violência ou grave ameaça, caso haja violência a conduta pode ser reconhecida como estupro e não mais como assédio sexual. O constrangimento empregado deve ser uma especie de promessa a vítima, de que caso não ceda as investidas de seu superior de forma que ele obtenha a vantagem sexual desejada, sera prejudicada, o que se daria em razao da ascendência que ele possui sobre a vítima, frise-se, o mal do qual a vítima é ameaçada deve guardar relação com a ascendência que aquele que a ameaça tenha sobre ela, ele deve ser capaz de prejudicá-la e estar disposto a fazê-lo.

A negativa da vítima, pode trazer um prejuízo a ela. Muito embora haja ameaça e constrangimento, por se tratar de uma forma especial de constrangimento, com uma finalidade específica de obter vantagem sexual, as condutas de de perseguir com propostas, importunar a vítima, com uma ameaça expressa de prejudicá-la em razao da relaçao de ascendência caso não tenha o sucesso sexual pretendido, caracterizam o crime de assédio sexual. 

Para o cometimento do delito, e necessário que haja uma relação de ascendência entre agressor e vítima, inerente ao exercício de emprego, cargo, ou função, tratando-se a princípio, de relaçao de trabalho, mas a tutela do penal e dinâmica e acompanha as demandas da sociedade, com a utilizaçãoo da inegável ascendência que o professor mantém sobre os alunos com o intento de obter vantagem sexual, passou  a discutir-se a possbilidade da aplicação do tipo penal a relação aluno-professor. 

Discussão doutrinária

Parte da doutrina brasileira entende que responsabilizar professores pela conduta por estes praticadas em face de alunos, mesmo que se adeque ao tipo penal de assédio sexual, seria analogia in malan partem, ou seja, seria criminalizar por analogia, ferindo o princípio constitucional da legalidade, para esta corrente de pensamento a interpretaçao da lei penal deve ser restritiva, vedando a possibilidade de prejudicar aquele que é acusado de determinado crime. As condutas consideradas como crimes, só podem ser criadas pelo legislador, ao passo que qualquer pessoa só pode ser punida por crime previsto em lei como tal, deste modo, não seria possível punir um professor por assédio sexual cometido contra uma aluna. 

Assim, Guilherme de Souza Nucci (2008), afirma: 

[…] a relação de docente e aluno: não configura o delito. O tipo penal foi bem claro ao estabelecer que o constrangimento necessita envolver superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou funçãoo. [...] o aluno não exerce emprego, cargo ou função na escola que frequenta, de modo que na relação entre professor e aluno, embora possa ser considerada de ascendência do primeiro no tocante ao segundo, nao se trata de vínculo de trabalho. (NUCCI, 2008, p. 890).

De modo contrário parte da doutrina que vislumbra a possibilidade de responsabilização de professores pela conduta praticada contra alunos: 

Fernando Capez (2009), citando Cezar Roberto Bitencourt, dispõe que:

[…] no caso de professor que assedia sua aluna, ameaçando-a no desempenho escolar, constrangendo-a com a possibilidade de sua reprovaçao, caracteriza-se uma relação de sujeição autorizadora do assédio sexual […]. (CAPEZ, 2009, p. 42).

No exemplo acima, entende-se que a prática do crime de assédio sexual na relação aluno-professor é possível, considerando que esta presente a relação de ascendência do docente em face do aluno, que uma ameaça por parte do professor e capaz de causar o constrangimento exigido no tipo penal em questão, o que se daria por exemplo, através da ameaça de reprovação em sua matéria caso não ceda as suas investidas amorosas, para esta corrente de pensamento, tal conduta, deve ser punida como crime de assédio sexual.

 Entendimento jurisprudencial

Em 2011, a quarta turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, condenou um professor por assédio sexual, o docente assediou uma aluna que faria um exame específico, por ter tirado notas baixas na matéria, na ocasião o professor condicionou a possibilidade da aluna alcançar boas notas, caso aceitasse ter com ele um encontro onde pudessem ficar "mais a vontade".

No ano de  2019, a sexta turma do  Superior Trbunal de Justiça admitiu a possibilidade da ocorrência de crime de assédio sexual na relação professor-aluno.

O Ministro Rogério Schietti Cruz, ao proferir o seu voto, considerou a redação original do artigo 216-A do Codigo Penal, que traz a previsão do crime de assédio sexual, na qual além de prever que a relação de ascendência pode advir do exercício de emprego, cargo, função previa a possibilidade de que a ascendência viesse também do ministério, em franca mençao aos docentes em geral.

No caso analisado pelos Ministros, o entendimento foi no sentido de que, o professor exerce autoridade intelectual e moral, o que naturalmente suscita em relação ao docente a reverência e vulnerabilidade do aluno frente ao professor, por ser inegável que a relação mestre e aprendiz, por guardar um vínculo de confiança e admiração, traz consigo a superioridade do professor em relação ao aluno, portanto, prevalecendo-se desta condição e possível que o professor, ameace o aluno de que tenha suas notas reduzidas, ou mesmo que seja reprovado caso não ceda às suas investidas promovendo o favorecimento sexual almejado pelo mestre, o temor infundido por tal ameaça é capaz de alterar o animo de qualquer pessoa.

Além disso, o professor e capaz de interferir diretamente na avaliação do desempenho acadêmico do discente, deste modo, por uma avaliação teleológica, de acordo com os Ministros, o crime de assédio sexual pode ser cometido dentro da relação aluno-professor e nao deve se reservar a relação empregatícia.

O dinamismo das relações humanas dá azo a muitas questões, entre elas questões penais como a que se busca introduzir de forma muito breve neste artigo, por mais relevantes que sejam as questões apresentadas pelas opiniões contrárias a responsabilização de professores pelo crime de assédio sexual em face de alunos, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça vem para suprir a aparente lacuna legislativa e trazer segurança jurídica para uma demanda social da qual não pode o Poder Judiciário de afastar, enquanto não há a alteração legislativa prevelece o entendimento dos eminentes Ministros.

Bibliografia

BRASIL, Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Indeferimento de apelação criminal, n. 0001458-58.2004.4.01.4200/RR. Mozart Monte Farias e Justiça Pública. Relator: Desembargador Mário Cesar Ribeiro. Brasília, 28 de fevereiro de 2011.

Disponível em:<https://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php? proc=200442000014573&secao=TRF1&pg=1&enviar=Pesquisar>. Acesso em: 10 de outubro de 2017;

BRASIL. Lei n° 10.224 de 15 de maio de 2001. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre o crime de assédio sexual e da outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10224.htm>. Acesso em: 25 de junho de 2017.

 https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/ 20c1945eae4b9868cbbfd09675f7d76e. Acesso em 01 de junho de 2025.

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2019/ Sexta-Turma-decide-que-assedio-sexual-pode-ser-caracterizado-entre-professor-ealuno.aspx. Acesso em 01 de junho de 2025

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, parte especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. NUCCI,

Guilherme de Souza. Código penal comentado. 9. ed. rev., atual e ampla. Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. 

Revista Dimensão Acadêmica, v.2, n.2, jul-dez. 2017 – ISSN 2525-7846

THATIENNE GRAZIELLE DE ALMEIDA PINHEIRO









 Advogada criminalista;

 • Bacharel em Direito pela  ESAMC (2018-2022) ;

• Pós graduada em Criminologia, Direito Penal e Processo Penal pela PUC Campinas (2024);

• Membro do grupo de estudos em Direito Penal da Medicina pela FGV São Paulo (2023-2024);

• Pesquisadora no Grupo de Estudos Avançados em Direito Penal Econonico pelo IBCCRIM - Sao Paulo (2024)

 • Pesquisadora no Grupo de Estudos Avançados em Responsabilidade Penal dos profissionais de saúde pelo IBCCRIM – Minas Gerais (2025)

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

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