@ Flávia Beatriz Palmejano Lopes
O atual Código Civil, Lei 10.406/2002, embora esteja em vigor há pouco mais de vinte anos, começou a ser elaborado há muito mais tempo, remontando sua criação ao final da década de 1960[1], razão pela qual sempre se disse que, em determinadas matérias, ele já nasceu ultrapassado.
Diante disso e depois de diversas pequenas “reformas”, foi elaborado um anteprojeto de reforma do Código Civil, convertido em projeto de lei, atualmente tramitando perante o Senado Federal – Projeto de Lei 4/2025.
No que tange ao direito sucessório brasileiro, há uma ordem de herdeiros a ser seguida, sendo que os que estão nos primeiros lugares excluem aqueles que vêm depois, ressalvando que o detentor do patrimônio pode dispor de cinquenta por cento de seus bens, sendo a outra metade, obrigatoriamente, destinada a seus herdeiros legais, chamados de necessários.
Assim, atualmente, a ordem da sucessão legítima está prevista no artigo 1829, incisos I a I
De acordo com o artigo 1829, inciso I, do Código Civil atual, a ordem da sucessão é a seguinte: primeiro, herdam os descendentes em concorrência com o cônjuge[2] sobrevivente, salvo se o falecido fosse casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória de bens, ou, ainda, se casado no regime da comunhão parcial e o autor da herança não houver deixado bens particulares.
Dessa forma, havendo descendentes, estes herdam e concorrem, ou seja, "dividem" a herança do falecido com o cônjuge sobrevivente desde que o regime de casamento por este adotado seja o da comunhão parcial de bens (e existam bens exclusivos do autor da herança) ou da separação convencional de bens, respeitando-se os quinhões previstos no artigo 1832 do Diploma Civil.
A explicação para isso é que, havendo cônjuges, se casados pelo regime da comunhão total, o herdeiro sobrevivente é meeiro dos bens do falecido e não herdeiro; mesmo raciocínio aplicado aos bens amealhados onerosamente durante o casamento daqueles casados pelo regime da comunhão parcial – o sobrevivente só tem direito a herdar bens dos quais ele não é meeiro.
Em relação aos casados no regime da separação convencional de bens, ou seja, aquele não decorrente de força de lei, não há de se falar em meeiro, portanto, esse cônjuge, é herdeiro da totalidade dos bens pertencentes ao cônjuge falecido, ao passo em que o legislador entendeu ser melhor, nos casos em que existem herdeiros, excluir da sucessão o cônjuge sobrevivente quando casados pelo regime da separação obrigatória de bens.
Não havendo descendentes e havendo cônjuges (não importando o regime de bens), estes concorrem com os ascendentes do falecido (artigos 1829, II e 1837), não havendo ascendentes, herda somente o cônjuge sobrevivente (artigos 1829, III e 1838), e, por fim, se hão houver, descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivente, herdam os colaterais, até o quarto grau (artigos 1829, IV e 1839).
Ocorre que, se o Código Civil de 2002, ou seja, o Código Civil vigente, diferenciou-se do Código Civil anterior, de 1916, ao incluir o cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário concorrendo com descendentes e ascendentes (artigo 1829, CC/2002 e artigo 1603 CC/1916), o anteprojeto do Código Civil, em 2025, retoma o entendimento do século passado, retirando a concorrência do cônjuge sobrevivente a descendentes e ascendentes.
Assim prevê o artigo 1829 do Projeto de Lei 4/2025:
"A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes;
II - aos ascendentes;
III - ao cônjuge ou ao convivente sobrevivente;
IV - aos colaterais até o quarto grau."
Nota-se, dessa forma que, havendo descendentes, estes herdam sozinhos, assim como se não houver descendentes, mas houver ascendentes, estes também herdam sozinhos.
De outro lado, o legislador já incluiu o convivente como herdeiro necessário, bem como, desde logo, determinou que colaterais somente até o quarto grau têm algum direito sucessório (artigo 1829, incisos III e IV).
Pois bem. E na prática, como ficam as pessoas casadas por qualquer regime de bens que não o da comunhão total de bens, que não são meeiras de todo o patrimônio?[3]
Tudo depende da intenção de cada um.
Sendo aprovado o PL 4/2025, nos casos em que não houver meeiros, caberá a cada um dos cônjuges – com a ciência ou não do outro – decidir se quer ou não que o outro herde parte de seu patrimônio.
Desejando que seu cônjuge herde parte de seu patrimônio, deverá o cônjuge pré-morto, em vida, por óbvio, optar por mecanismos que salvaguardem o patrimônio que deseja dispor ao outro – seja por doação, seja por testamento.
Quais serão os desmembramentos, só o futuro dirá mas, repise-se, viveu-se muito mais tempo com a lei não prevendo a concorrência de cônjuges com descendentes e ascendentes do que o contrário.
REFERÊNCIAS
[1]
https://www.camara.leg.br/noticias/24906-historia-do-novo-codigo-civil/#:~:text=O%20novo%20C%C3%B3digo%20Civil%20come%C3%A7ou,de%20transi%C3%A7%C3%A3o%20fixado%20em%20lei
[2] Onde está escrito
cônjuge, deve-se ler além de cônjuge, companheiro
[3] Tendo-se em mente o
mesmo vale para os companheiros que não adotaram esse regime de bens.
FLÁVIA BEATRIZ PALMEJANO LOPES
-Graduação em Direito pela Universidade Prebsteriana Mackenzie (2002);
Pós- graduação em Direito Civil pela Universidade Prebsteriana Mackenzie (2005); e
Pós- graduação em Direito de Família e Sucessões pela Escola Superiopr da Advocacia - ESA (2009).
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