Nunca pensei fosse passar por tanto. Lembro-me nem sei mais que ano fora, um amigo chegar à minha sala e se referir a mim, Pitô, o dinheiro acabou, persuadindo-me que parasse de trabalhar porque não haveria mais razão para meu trabalho, já que não haveria como me remunerar. Era o Plano Collor, um delírio deste país desvairado que acredita em qualquer aventureiro que, em passe de mágica, nos possa salvar. Entretanto, não parei minha atividade e dias depois, tendo conseguido a liminar que buscava na Justiça, empossei meu cliente nos imóveis objeto de minha atividade, que me trouxe o primeiro ganho de minha Advocacia, habilitando-me a viver sei lá em qual seria moeda daqueles dias.
Antes disso, de meu escritório, na Rua XV de Novembro, ouvia as patas dos cavalos da ditadura e por vezes, saia à janela, a vê-las faiscando no rastro da cavalhada que raspava na pedra das calçadas enquanto alguns cavaleiros certamente postos na rua para faina do que diziam ser a caça aos comunistas e então, um ou outro infante se desequilibrava do lombo dos animais e o povo fosse raposa caçada pelas cavalgadas matinais da nobreza inglesa. Amargando a tristeza em saber das repulsivas porradas que se não ouvíamos, sentíamos dos cárceres profundos do que em acinte chamavam Operação Bandeirante, uma aliança desonrosa entre maus soldados e uma burguesia desesperada que os mantinha.
Vieram as diretas. Em seguida, a Constituinte. Parecia um momento épico em que a voz do povo ali era a voz de Deus. Reordenava-se o Brasil, alinhando-se às tendências que haviam vencido na Europa, o pesadelo do fascismo. Fundidos valores da democracia constitucional com as aspirações socialistas, que nos pareciam dirigir a uma eterna alvorada de harmonia social, ainda que a hibridez da Carta buscasse a superação da luta de classes, valorizando o trabalho e a iniciativa privada. A repulsa a golpes militares daí foi tanta, que tendo em século distante a Monarquia sido apeada do Poder por um golpe militar, a abominá-lo, a nova Constituição fez um plebiscito a indagar, República ou Monarquia? Dizia-se nunca mais! Como? Se não lavamos as feridas.
De repente, um quadro ridículo. Um velho Rolls Royce, “old fashion”, corria pelas alamedas siderais de Brasília, levando no bojo, um novo presidente e na garupa, um doido arcado sobre aquele ser humano excitado, que diziam que seria um filho dele, a protegê-lo. Não sei de quê! Qualquer normal teria consciência em estarmos em um quadro de hospício. Mas, não! Todo mundo se calou. Em seguida, a parlapatice contra o socialismo. A ressureição de um longínquo primeiro de abril, que nem tem importância que fosse mesmo um trinta e um de março.
Agora vi pela televisão outro filho do cara. Um Nosferatu, em catarse orgasmática com sua maldade infernal, deleitando-se com seu poder em aliança com o Átila, que, afinal, não sei se destrói o mundo ou o capitalismo.
Como então, concluir? Não sei! Melhor rezar...
LUIZ ANTÔNIO SAMPAIO GOUVEIA
-Advogado graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP (Arcadas) (1973);
-Mestre em Direito Público (Constitucional) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
-Especialista pela FGV, em Finanças (EAESP) e Crimes Econômicos (GVlaw);
-Orador Oficial e Conselheiro do Instituto dos Advogados da São Paulo e
-CEO de Sampaio Gouveia Advogados.
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