Assim, corroborando com a afirmação do Ministro do TST, Eugenio Facchini Neto diferencia dano moral subjetivo e dano existencial da seguinte forma:
[...] Além da distinção entre dano moral subjetivo (caracterizado pela presença da dor e sofrimento internos, sem reflexos externos na vida da pessoa) e dano existencial (caracterizado sempre pelas conseqüências externas, na vida da vítima, em razão da alteração – introdução de um non facere, ou um facere – de seus hábitos de vida e forma de se relacionar com os outros, prejudicando sua realização pessoal e comprometendo sua capacidade de gozar plenamente sua própria vida em todas as suas peculiaridades), passou-se a restringir os danos biológicos à presença de uma lesão física, psíquica ou um comprometimento da saúde, pericialmente identificados.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, consagra a tutela do direito à indenização por dano material ou moral decorrente da violação de direitos fundamentais. O ato ilícito é aquele praticado em desacordo com a norma jurídica destinada a proteger interesses alheios, violando direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem e criando o dever de reparar tal lesão. Sendo assim, o Código Civil define o ato ilícito em seu art. 186, “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Configurado o ato ilícito, por meio dos requisitos subjetivos (violação do dever de conduta) e objetivo (prejuízo causado à vítima do ato ilícito), surge, portanto, o dever de reparar o dano, nos moldes do art. 927 do Código Civil.
Para a configuração do dano existencial, além dos elementos inerentes a qualquer forma de dano, pela responsabilidade civil, há de serem observados mais dois elementos: o dano ao projeto de vida e à vida de relações.
Segundo Júlio César Bebber, o dano ao projeto de vida está ligado a tudo aquilo que uma pessoa decidiu fazer com sua vida, de modo que, o ilícito praticado que impede a plena realização da pessoa, deve ser considerado um dano existencial.
Por outro lado, Amaro Alves de Almeida Neto ensina que:
[...] Quanto à vida de relação, o dano resta caracterizado, na sua essência, por ofensas físicas ou psíquicas que impeçam alguém de desfrutar total ou parcialmente dos prazeres propiciados pelas diversas formas de atividades recreativas e extralaborativas, tais quais a prática de esportes, o turismo, a pesca, o mergulho, o cinema, o teatro, as agremiações recreativas, entre tantas outras.
Não obstante, além dos mencionados requisitos para configuração do dano existencial, há de se observar o tempo que o trabalhador se põe à disposição do empregador – jornada de trabalho. Isto porque, trata-se de tempo da vida da pessoa que é disposta ao empregador em troca de meios capazes de satisfazer sua subsistência e de sua família, razão pela qual há limitação legal para a jornada de trabalho, nos termos da CLT e Constituição Federal.
Nesse sentido, na intenção de estabelecer os limites diários a serem laborados, a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, em seu artigo 58, limita a jornada de trabalho do empregado em oito horas diárias, desde que não seja fixado outro limite.
Corroborando a previsão da CLT, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso XIII, também limitou a jornada de trabalho do empregado a oito horas diárias e, acrescentou o limite semanal de quarenta e quatro horas, exatamente com o intuito de preservar as relações sociais do empregado e, consequentemente, o direito à dignidade, para que não haja jornadas excessivas que possam frustrar o projeto de vida e a vida de relação.
Ao haver a fixação de jornada de trabalho, com as previsões tanto da CLT quanto da Constituição Federal, tem-se que devem ser estritamente observadas pelos empregadores, mesmo que em regime de compensação, o que é permitido pela legislação, mas nunca expondo o trabalhador a jornadas exaustivas.
No momento que o trabalhador é obrigado a cumprir jornada além da permitida, com excessivas horas, tornando a jornada exaustiva, ante a inobservância de seus direitos fundamentais surge a hipótese de percepção de indenização por dano existencial.
Isto porque, a simples exposição do trabalhador a jornadas exaustivas não gera o direito à indenização, haja vista que para a percepção da referida indenização faz-se necessária a concreta comprovação de que sofreu danos devido à mencionada jornada exaustiva, com a demonstração da presença de todos os requisitos de qualquer dano, para configuração da responsabilidade civil: ato ilícito, nexo de causalidade e efetivo prejuízo, bem como a violação do projeto de vida e da relação de vida, elementos indispensáveis para o dano existencial.
Não obstante, restando comprovado todos os elementos e o efetivo prejuízo do trabalhador em suas relações sociais, resta evidente a dor e o dano a sua dignidade, caracterizando o direito à indenização por dano existencial, na tentativa de minimizar os abalos e sofrimentos do trabalhador.
O desembargador Dorival Borges de Souza Neto, em recentíssimo julgado – Recurso Ordinário nº 00436-2014-018-10-00-6 –, concluiu que o empregado ao ser submetido a jornada exaustiva refletiu a ilicitude do patrão na privação do direito de convívio social e familiar do empregado e concedeu indenização por dano existencial.
No mesmo sentido, a desembargadora Flávia Simões Falcão, no julgamento do Recurso Ordinário nº 0000609-83.2014.5.10.0811, defende que o dano existencial é presumido, pela própria prova da atividade laboral em condições excessivas:
Portanto, verifica-se que o Tribunal Regional do Trabalho da 10º Região tem concedido indenização por dano existencial, com fundamento nos direitos básicos do trabalhador, com o fim de preservar a saúde física e psíquica do empregado, para que não seja exposto a jornadas degradantes que lhe impeça convívio, inclusive, familiar.
Nesse desate, a Ministra Kátia Magalhães Arruda, no julgamento do Processo nº TST-AIRR-1235-32.2013.5.10.0102, considerou que devido à jornada cumprida pelo trabalhador, o mesmo fora impedido de usufruir suas horas de lazer e, por isso, faz jus ao dano existencial.
Assim, constata-se, portanto, que a implementação do direito à percepção de indenização por dano existencial nas relações de trabalho é de extrema importância, por ser o trabalhador a parte mais vulnerável da relação de trabalho, devendo o Estado e o judiciário promover a máxima defesa dos direitos do empregado, a fim de garantir os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e, principalmente, a observância da jornada de trabalho estabelecida tanto na Carta Magna quanto na CLT.
REFERÊNCIAS
²OLIVEIRA, Paulo Eduardo V. de. O dano pessoal no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 30.
³BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O dano existencial e o Direito do Trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, SP, v. 79, n. 2, p. 243, abr./jun. 2013.
4. SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora Ltda, 2009, p. 99.
10. BEBBER, Júlio César. O Dano Existencial e o Direito do Trabalho, Revista LTr, nº 1, jan. 2009.
11. ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 6, n. 24, p. 52, out./dez. 2005.
13. [...] DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. [...] DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5º, X, da Constituição Federal, a lesão causada a direito da personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano decorrente de sua violação. 2. O dano existencial, ou o dano à existência da pessoa, - consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer. - (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 6, n. 24, mês out/dez, 2005, p. 68.). 3. Constituem elementos do dano existencial, além do ato ilício, o nexo de causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja que obstrua a integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de vida do indivíduo, viola o direito da personalidade do trabalhador e constitui o chamado dano existencial.(...)” (RR - 727-76.2011.5.24.0002 , Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 19/06/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: 28/06/2013). No caso, o trabalhador era submetido a jornada de trabalho diária de 11 horas, em média, de segunda a sábado e ao retorno imediato ao trabalho após viagens internacionais, revelando conduta contrária ao disposto nos artigos 6º, caput, e 7º, XIII, da Constituição Federal e 59 da CLT, refletindo a ilicitude patronal na privação do direito aos convívios social e familiar do empregado, caracterizando dano moral passível de reparação pela via indenizatória. (Grifou-se)
14. [...] Tal modalidade danosa é caracterizada, em síntese, pelos efeitos nocivos causados ao trabalhador em decorrência de sua sujeição a condições extenuantes de trabalho que acabam por privá-lo de certas atividades particulares do dia a dia, tais como lazer, convívio familiar, etc. Nestes casos, o dano é presumido, visto que a própria prova da atividade laboral em condições excepcionais pressupõe a impossibilidade de o trabalhador desenvolver qualquer outra atividade particular.
15. [...] reconhecida a conduta ilícita do empregador (imposição de jornada de trabalho excessiva – o empregado ingressava no serviço às 7h30min e saía, em média, às 22h), o colegiado teve por constatado o dano, visto que inegavelmente o Reclamante foi impedido de usufruir horas de lazer, convívio familiar e social, ou qualquer projeto de vida, provocando-lhe danos na esfera psíquica e social.
Por FLAVIA MARTINS DOS SANTOS
-Advogada, especialista nas áreas cível, administrativo e trabalhista. Atuação em Juizados Especiais Cíveis e Tribunais Regionais e Superiores. Consultoria e assessoria jurídica. Graduada pela Universidade Católica de Brasília. Pós graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Atame – DF. Sócia-proprietária do escritório Santos & Advogados Associados há 2 anos e meio.
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