Articulistas

Páginas

sábado, 18 de maio de 2019

A Educação diante da “Geração Superficial”

Autora:Mônica Falcão(*)

Atualmente, praticamente um terço da população mundial está ligada às redes sociais. Com a facilidade de acesso à internet, surgiu uma espécie de "vício" psicológico entre as pessoas que quase se assemelha a um vício em alguma substância química. Estudos mostraram que usuários de internet tiveram regiões cerebrais afetadas de forma semelhante aos dependentes químicos. Essas regiões são as responsáveis pelos processos de atenção e decisão que nos ajudam a resolver as atividades básicas do dia a dia. Isso acontece porque nosso cérebro funciona à base de recompensas, e, tal qual no vício, essas recompensas vêm de forma rápida sem oferecer muito esforço. 

Os “likes” que recebemos nas redes sociais como Facebook e Instagram nos oferecem um prazer que podem gerar uma descarga de dopamina em nosso cérebro, ou seja, quanto mais likes e interações recebemos, maior a descarga de dopamina em nosso cérebro e maior a vontade de buscar essa substância por meio das redes sociais, o que acaba gerando uma espécie de vício.

As empresas que trabalham com publicidade pela internet sabem disso muito bem, e acabam atraindo os usuários, por meio de suas propagandas, para permanecerem cada vez mais tempo online, em busca dessas recompensas fáceis.

Isso acaba gerando prejuízos que afetam justamente habilidades tão importantes aos nossos jovens como foco, memória e habilidade de realizar várias tarefas. 

Embora tenhamos a ilusão de que essa eficiência multitarefa seja estimulada pelo fato de termos de clicar em vários links nas redes sociais, não é o que verdadeiramente acontece, pois os usuários das redes acabam efetuando as trocas de tarefas cada vez mais lentamente, já que as redes oferecem muitas distrações em forma de propaganda, o que gera distração, perda de foco e, consequentemente, dificuldade de memorização. A cada distração, demoramos alguns minutos para voltarmos ao foco, o que provoca a perda do controle da continuidade da atenção. Uma mente forjada sob a influência nefasta desse vício, como está sendo a dos nossos jovens, gera alunos com dificuldades cada vez maiores de concentração e de compreensão dos conteúdos escolares. As aulas não costumam alimentar esse vício em dopamina da mesma forma que as redes sociais, o que faz com que nossos jovens acabem se deixando levar pelo sistema mais fácil e imediato de recompensa.

Uma pesquisa aponta que um adulto mexe, aproximadamente, 80 vezes no celular por dia. Esse número pode aumentar quando esse aparelho está nas mãos dos jovens em fase escolar. Isso significa mais de cinco horas por dia em que esse ciclo se repete: acesso às redes sociais, distração e perda de foco gerada pelo excesso de informações banais entremeadas aos assuntos buscados, dificuldade cada vez maior de retomada de atenção e enfraquecimento da memória.

Outro fenômeno importante que acontece é que, nas redes sociais, falamos cada vez mais de nós próprios, o que nos deixa vaidosos e egocêntricos. Enquanto em uma conversa frente a frente com alguém falamos 30 a 40% do tempo sobre nós mesmos, quando estamos nas redes sociais esse número aumenta para absurdos 80%. Isso leva as pessoas a serem cada vez mais autocentradas.

Nicolas Carr, em seu livro A Geração Superficial, aponta que "quando ficamos online, entramos em um ambiente que promove leitura superficial, pensamento afobado e distraído e aprendizado superficial", ou seja, nossa estrutura de pensamento fica cada vez mais rasa e trivial. Um estudo feito com estudantes no Canadá, mostrou que aqueles alunos que utilizavam as redes sociais tinham menor probabilidade de estabelecer um pensamento reflexivo e davam menor ênfase a objetivos morais de vida.

Tira-se daí a conclusão de que nossos jovens passam mais tempo frente a um meio que privilegia uma postura passiva diante do aprendizado, que oferece um excesso de informações em um ambiente repleto de distrações. Com isso ficamos muito mais em uma posição de espectadores do que de protagonistas na nossa aquisição de conhecimentos. Somos incentivados a nos acomodarmos frente à aquisição de conhecimento, o que gera menos esforço intelectual, menor interesses pelas coisas, maior superficialidade e, consequentemente, menor espírito crítico e criativo.

Encontramo-nos em um impasse: não há como retroceder em relação às conquistas tecnológicas, mas, como educadores, teremos que nos reinventar para conseguirmos atrair a atenção de nossos alunos para que possamos formar cidadãos críticos, éticos e, por que não, felizes.

*MÔNICA FALCÃO PESSOA

- Professora Universitária de Português e de Literatura Brasileira, formada pelo Mackenzie;
- Mestre e Comunicação e Semiótica pela PUC/SP;
- Tutora em programas de leitura como "Quem Lê Sabe Por Quê".

Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Os Novos Paradigmas do Novo Brasil

Autor: Aluisio Nogueira(*)


"O Brasil é o país do futebol, do carnaval e da alegria?"


Não há como negar que o Brasil vive um momento de mudanças, talvez as mais relevantes de toda a sua história.

Vivemos uma transição longa, mas necessária! As razões que nos trouxeram até aqui são muitas, mas certamente a mais importante delas é o desgaste do povo brasileiro com os políticos, e com eles, a corrupção desenfreada e a quase destruição do país por esses mesmos políticos irresponsáveis, os que trouxeram o país há sua maior e mais longa crise econômica, política e moral.

Os desastres que vivenciamos com os governos civis após a redemocratização em 1985, trouxeram um período de ajustes intermináveis. Lutamos pelas diretas e elegemos em 1990 a Fernando Collor como nosso primeiro presidente, aquele do confisco, lembra-se dele? Após um longo período em que o país foi governado por militares, até que o colégio eleitoral decidiu em 1985 numa disputa entre dois candidatos civis, quando Tancredo Neves foi aclamado vencedor contra Paulo Maluf, inaugurando um novo período na história política do Brasil.

Desde então o país viveu ajuste após ajuste, crise após crise e desastres políticos de proporções inimagináveis. Desde a morte de Tancredo que sequer assumiu; o congelamento de preços promovido por Dilson Funaro, Ministro da economia de José Sarney e, os sucessivos planos econômicos que tentavam vencer o dragão da hiperinflação que atravessou governos até encontrar em Itamar Franco, o vice de Collor que assumiu após o impeachment do primeiro mandatário eleito democraticamente.

Com o Plano Real de Itamar, o Brasil em 1994 encontrou seu primeiro sucesso contra a hiperinflação e respirou aliviado pela primeira vez, após quase uma década de governos civis e de crises sucessivas. 

Superada a crise econômica, o país vivia uma espécie de festa democrática, sem grandes problemas na política a população se acomodou. Com a estabilização da moeda o país foi fortalecido politicamente até o final do século XX. 

A democracia permitiu que um presidente populista alçasse ao poder em 2003, logo ao nascer de um novo século o país elegia Lula. Ainda que durante as eleições ocorressem fortes oscilações no mercado financeiro, o governo do líder sindicalista conseguiu consolidar a estabilidade, mantendo as bases da economia na matriz estabelecida por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

Durante cinco anos consecutivos o Brasil vivenciou um período de prosperidade que há muito não vivia, porém, os fatores que levaram a prosperidade e calmaria econômica, foram decorrentes de eventos externos, principalmente a estabilidade da economia mundial e a elevação estratosférica de preços das commodities das quais o Brasil é o maior produtor mundial, seja em minérios ou na produção agropecuária. 

Mas, foi com na descoberta do Pré-sal que Lula viveu a sua versão do “Milagre Econômico". Lula aprendeu a usar o Marketing político após perder várias eleições e ele próprio se tornar um produto de Marketing. Tornou-se, ao lado de Getúlio Vargas, no presidente mais populista do Brasil e, conseguiu transformar o Pré-sal numa promessa de que o futuro havia finalmente chegado ao país. 

Lula enfrentou sua primeira crise mundial em 2008 estimulando o crédito fácil e o consumo, através dos bancos públicos passou a intervir no mercado e inaugurou a nova matriz econômica que seria levada a cabo e aprofundada por sua sucessora.

A epopéia do Brasil de Lula, entretanto, estava fundada sobre o chão de areia, e areia movediça!

Sem efetuar uma só reforma estruturante, séria e sólida, Lula perdeu a maior e melhor chance que o Brasil já teve de se tornar uma nação de primeiro mundo, que faria do Brasil um país rico, justo, com empregos e salários mais dignos e confortáveis para a família brasileira.

Ao invés de usar sua popularidade para consolidar as grandes reformas, modernizar o sistema tributário e investir na educação básica, Lula escolheu o pior caminho possível, levando para o Estado o maior esquema de aparelhamento político, institucionalizando a corrupção como meio de aumentar e se perpetuar no Poder. Fez isso elegendo um poste, corrompendo as instituições, loteando as estatais e autarquias, adotando ideologias nefastas em universidades federais, distribuindo dinheiro para movimentos sociais, sindicatos e ditaduras socialistas e fortalecendo todos os crimes e criminosos que prometeu combater.

Todos esses eventos nos trouxeram a situação atual.

Após 16 anos no poder o PT corrompeu instituições, destruiu valores e transformou o trabalhador brasileiro num pedinte, com 14 milhões de desempregados, mais de 8 milhões de desalentados e salários ridículos e miseráveis. Os índices de educação do país são os piores possíveis e deixam o Brasil atrás de nações africanas com números vergonhosos.

As mentiras e narrativas falsas dos anos anteriores nos mostram o quanto o populismo é capaz de produzir em termos de destruição de uma Nação: A Previdência Social quebrada, empresas estatais desvalorizadas, energia elétrica caríssima, fundos de pensão solapados e fuga do capital produtivo que poderia salvar o país desses desastres.

Mesmo após o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula, de Temer e uma legião de políticos corruptos na cadeia ou investigados, a tentativa de assassinato do candidato da direta que viria a ganhar as eleições em 2018, a grande renovação do Senado federal e de grande parte da Câmara dos deputados e, o quadro degradante de destruição do país vizinho que adotou todas as políticas defendidas com unhas e dentes por Lula e o PT, nada disso fez desaparecer aqueles que seguem essas ideias e ideais atrasados que insistem em inviabilizar o país mais viável do mundo, o Brasil.

Diante desse quadro, muitos brasileiros estão abandonando o país. Muitos desistiram e foram embora. Portugal e Estados Unidos estão lotados de brasileiros que fugiram desse quadro de horror que o PT transformou nosso maravilhoso Brasil.

Eu não critico quem desistiu, mas continuo e continuarei lutando por meu país! Pois se a solução, para mim, não é me mudar do Brasil, mas sim, mudar o Brasil!



O diagnóstico exato é o de que somente a sociedade poderá mudar a situação atual. 
Se desistirmos, o pessoal que nos trouxe até essa situação ficará muito feliz. Não darei esse gostinho a eles!

O brasileiro precisa rever os seus conceitos, pois não podemos mais resolver nossos problemas jogando para frente, fazendo dívidas. Também não podemos viver de ilusão, depender da sorte, ou políticas populistas de crédito e intervenção nos preços, no mercado ou medidas que produzem inflação. 

Precisamos fazer a lição de casa, as reformas estruturantes e ajustes fiscais capazes de trazer solidez econômica ao país para investir em educação, tecnologia, infra-estrutura e produtividade. 

Apesar de um quadro bastante difícil, nós estamos diante de uma grande oportunidade de mudança de paradigma!

Nós não queremos mais ser alienados da política!

A crise atual é nossa maior e talvez a última oportunidade que temos de afirmar o que queremos, de fato, para o nosso país!

Para isso, é preciso enterrar definitivamente a polarização, esquerda e direita!

Esses são os paradigmas que precisam ser aniquilados, pois o foco na discussão ideológica é contraproducente.

Esquerda e Direita são conceitos absolutamente ultrapassados!

Essa discussão ideológica tem produzido resultados negativos, porque se baseia no confronto, no acirramento dos conflitos que pioram e dividem cada vez mais. Vou dar um exemplo forte para explicitar essa afirmativa, citando o feminicídio, pois todos os números mostram um aumento significativo nos casos de mortes de mulheres com agravantes de feminicídio, entretanto, nunca se falou tanto no assunto e jamais se combateu tanto esse tipo de violência como agora, então, por que o número de mulheres mortas só faz crescer?

A resposta está no modelo de ação dos grupos baseado no confronto. O estímulo ao confronto e ao acirramento dos conflitos resulta em mais violência e mortes, quando o problema central não é tratado, ou seja, enquanto esses movimentos promovem o acirramento dos conflitos e aumento dos casos cujo resultado é morte, ao invés de políticas claras de ataque às causas, esses grupos levantam bandeiras e fazem uso político dessas mortes para colher resultados políticos e adquirir poder, ou seja, não há interesse desses grupos na solução do problema e, ainda levam vantagem quando o problema é agravado, motivo pela qual continuam estimulando o acirramento dos conflitos e seu próprio crescimento.

O acirramento do debate ideológico, nesse caso e em todos os outros produz resultados nefastos!

A evolução do debate precisa ocorrer, mas deixando de lado as utopias!

A Utopia é sempre nefasta porque é excludente! Ou seja, quem não concorda deve ser eliminado.

A Utopia socialista provocou a morte de 120 milhões de pessoas no século XX.

A solução certamente não está em buscarmos uma nova Utopia! O mundo perfeito não existe! Mas, o sistema que melhor se adaptou as pessoas é o que admite as nossas imperfeições, é o que permite o livre pensar, a livre arbítrio, o direito e respeito ao contraditório, A LIBERDADE e a DEMOCRACIA!

Por essa razão, entendo que para evoluirmos nesse processo é preciso abandonar o debate ideológico e mudar os PARADIGMAS!

E qual o caminho para novos paradigmas?

Eu comecei esse texto explicitando os fatos históricos que nos trouxeram até aqui, e escolhi fazer isso porque os fatos históricos devem ser registrados como experiência de vida. Nossos erros e acertos é o que nos faz ser quem somos e não é diferente com a nação.

A questão a ser definida, portanto, é o que queremos para o Brasil daqui pra frente?

Quais são os pontos que nos unem como Nação independente de questões ideológicas?

Queremos um país sem privilégios, sem foro privilegiado, sem corrupção generalizada, sem injustiças, sem apadrinhamentos, com Educação de qualidade, com saúde, segurança e serviços públicos que elevem nossa sociedade. Queremos empregos e uma sociedade próspera, salários justos, decentes e oportunidades para todos...

Alguém aí discorda desses pontos?

O Novo paradigma, portanto, não é ideológico, Direita ou Esquerda, mas queremos saber quem é que trabalha e luta, de fato, por esse Brasil para todos, e quem quer manter o Status quo?

Eu posso definir a nossa fase atual de transição como uma luta entre a Nova Política e a Velha Política!

A Nova Política é exatamente aquela que corta os privilégios e enxerga a todos como iguais, enquanto que a Velha Política é aquela que pretende manter as coisas como estão, ou seja, manter os privilégios em pequenos grupos e acirrar os conflitos sociais que produzem resultados nefastos, mas servem como bandeira para esses grupos se manterem no Poder. 

A nova fase de transição do nosso país requer identificar claramente quem é quem! Quem representa, de fato, a Nova Política e quem são aqueles que usam de uma narrativa falsa para se manter no poder, isso fica cada vez mais claro a cada dia. Agora, cabe a você observar e fazer a sua escolha.

*ALUISIO NOGUEIRA






É Escritor, Romancista, Terapeuta, Consultor de Empresas e de Economia 








Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

O Fim do "Casamento Infantil"




Autora: Daniela Medeiros(*)


O casamento é uma entidade familiar constituída formal e solenemente, através de um vínculo que produz consequências jurídicas diversas.


O legislador, através do artigo 1517 do CC estipulou a capacidade núbil, ou seja, a idade mínima para que a pessoa possa casar, qual seja, 16 (dezesseis anos) de idade.


Vale ressaltar, no entanto, que se a pessoa tiver menos que 18 anos, ela só poderá casar se tiver autorização de ambos os pais, ao menos que o outro genitor: a) seja falecido; b) tiver sido declarado ausente; c) estiver destituído do poder familiar.

Se um dos pais ou ambos não quiserem conceder a autorização judicial, será possível iniciar um procedimento de jurisdição voluntária pedindo o suprimento judicial do consentimento, o qual poderá ser formulado pelo (a) filho(a) que não foi autorizado por seus pais; pelo outro nubente que quer casar com ele(a); ou pelo Ministério Público.

Entendendo o juiz que a recusa da autorização do casamento pelos pais foi injusta, ele irá autorizar o casamento, expedindo um alvará judicial que será juntado no procedimento de habilitação no cartório de registro de pessoas naturais.

Antes da nova redação dada pela Lei 13.811/2019, o artigo 1520 do CC, previa hipóteses autorizadoras do casamento mesmo que a pessoa ainda não tivesse atingido a idade núbil. Vejamos:
Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.
Com relação a previsão "a fim de evitar imposição ou cumprimento de pena criminal”, destaque-se que os incisos VII e VIII do art. 107 do Código Penal previam que, se a vítima de um “crime contra os costumes" (leia-se: crime contra a dignidade sexual), casasse com o autor do delito, o agente poderia ter a sua punibilidade extinta (hipóteses previstas nos incisos VII e VIII do art. 107 do CP).

Em outras palavras, alguém que mantivesse relação sexual com uma criança ou adolescente com idade inferior a 14 anos, e depois se casasse com ela, não responderia criminalmente por estupro (o qual era presumido, mesmo que houvesse consentimento da menor).

No entanto, destaque-se que a Lei nº 11.106/2005, revogou tais incisos (VII e VIII do art. 107 do CP).

Diante disso, o trecho do art. 1.520 do CC ("para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal") foi tacitamente revogado ou, no mínimo, perdeu aplicabilidade prática considerando que, a partir da supramencionada lei, o casamento da vítima do crime sexual não interfere em nada no delito ou na pena aplicada, respondendo a pessoa por crime contra a dignidade sexual da mesma forma.

Não obstante, alguns legisladores passaram a discutir que o casamento com o autor do crime poderia ser tido como uma forma de abrandar o problema de uma gravidez indesejada. Citavam o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (best interest of the child), bem como a função social da família.

Assim, passou-se a entender que na hipótese da ocorrência da gravidez de pessoa menor de idade, a vontade da vítima em se casar, deveria ser levada em consideração.

Nesse sentido o Enunciado n. 138 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, previa: "A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto".

Ocorre que, a Lei Penal nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, a fim de colocar pá de cal no debate anterior, passou a prever não ser mais possível o casamento da menor com aquele que cometeu o crime antes denominado como de estupro presumido, em hipótese alguma. Isso porque o Código Penal, ao tratar dos crimes sexuais contra vulnerável, passou a prever em seu art. 217-A que é crime "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos".

Ainda, a Lei n. 13.718/2018 incluiu um novo parágrafo no art. 217-A do Código Penal, prevendo que "As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime" (§ 5 º).

Desta forma, independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime, aplica-se as penas de estupro àquele que com ela manteve relações sexuais. 

No entanto, ainda assim havia a discussão de que por mais que o agente respondesse criminalmente por ter mantido relações sexuais com menor de idade (havendo desse fato resultado ou não gravidez), se haveria uma remota hipótese de autorização de casamento, caso fosse vontade externada pela "vítima".

A fim de que não pairassem dúvidas, a Lei nº 13.811/2019, alterou o art. 1.520 do CC e agora não é mais possível, em nenhuma hipótese, o casamento de pessoa menor de 16 anos (ou seja, nem mesmo em caso de gravidez).

Vejamos a nova redação do art. 1.520 (dada pela Lei 13.811/2019):

Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 1.318/2018).

Desta forma, depois da Lei nº 13.811/2019, se for realizado casamento de pessoa menor de 16 anos (seja em hipótese de gravidez e/ou em qualquer outra hipótese) este casamento será anulável, nos termos do art. 1.550, I, do CC:

Art. 1.550. É anulável o casamento:
I - de quem não completou a idade mínima para casar.

Há apenas duas hipóteses em que o casamento infantil poderá ser mantido: a) se ninguém suscitar a anulação, depois de completar a idade núbil, confirmar seu casamento (artigo 1553 CC); b) o casamento de que resultar gravidez (artigo 1551 CC). 

Por último e não menos importante, ressalta-se não ser possível utilizar-se da união estável como forma de consolidar a situação, uma vez que, por analogia, para sua constituição devem ser observados os mesmos critérios do casamento.
                                   
REFERÊNCIAS: 

TARTUCE, Flávio. Primeiras reflexões sobre o casamento do menor de 16 anos após a Lei 13.811/2019. In: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/691263658/primeiras-reflexoes-sobre-o-casamento-do-menor-de-16-anos-apos-a-lei-13811-2019>.

* DANIELA COSTA QUEIRÓZ MEDEIROS
















-Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa(2010)
-Advogada em Queiróz Medeiros Advocacia e Consultoria Jurídica;
-Especialista em Direito e Processo Contemporâneo pela Faculdade de Telêmaco Borba(2012); e
 -Especialista em Direito Público pela Faculdade Damásio(2018).

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.





quarta-feira, 15 de maio de 2019

A Ilegal Cobrança de Taxa de Conveniência na Venda de Ingressos On Line


Autora: Ângela Garcia da Silva
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reinstaurou sentença que admitiu a ilegalidade da taxa de conveniência cobrada pelo site Ingresso Rápido na venda on-line de ingressos para shows e outros eventos, vide julgado a seguir: 
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. DIREITO DO CONSUMIDOR. ESPETÁCULOS CULTURAIS. DISPONIBILIZAÇÃO DE INGRESSOS NA INTERNET. COBRANÇA DE “TAXA DE CONVENIÊNCIA”. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. CLÁUSULAS ABERTAS E PRINCÍPIOS. BOA FÉ OBJETIVA. LESÃO ENORME. ABUSIVIDADE DAS CLÁUSULAS. VENDA CASADA (“TYING ARRANGEMENT”). OFENSA À LIBERDADE DE CONTRATAR. TRANSFERÊNCIA DE RISCOS DO EMPREENDIMENTO. DESPROPORCIONALIDADE DAS VANTAGENS. DANO MORAL COLETIVO. LESÃO AO PATRIMÔNIO IMATERIAL DA COLETIVIDADE. GRAVIDADE E INTOLERÂNCIA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA. EFEITOS. VALIDADE. TODO O TERRITÓRIO NACIONAL. REsp 1737428/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, 15.03.2019 (REsp 1737428)" 
O STJ julgou que a taxa não poderia ser cobrada dos consumidores pelo simples fato de disponibilizar os ingressos online, asseverando que a prática caracteriza venda casada e transmissão inadequada do risco da atividade comercial do fornecedor ao consumidor, sendo que o valor operacional da venda é ônus do fornecedor. 

Nancy Andrighi, ministra relatora do recurso julgado, afirmou que a sentença reinstaurada foi proferida na esfera de uma ação coletiva de consumo, deste modo, apresenta validade em todo o território nacional. 

A Terceira Turma, julgou um caso originado pela Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul (Adeconrs) que moveu a ação coletiva em 2013 contra a Ingresso Rápido e obteve sentença favorável na 16ª Vara Cível de Porto Alegre. 

O descomedimento de posição superior é desautorizado pelo ordenamento jurídico, que, mesmo não estipulando este fato, apontou comportamentos que se definem como práticas abusivas mais triviais. Uma dessas é a venda casada, moderna, considerada na economia moderna, como uma espécie endêmica (CRAVO, 2013). 

A venda casada se faz presente no cotidiano do consumidor e gera enorme prejuízo, podendo ser pela limitação da sua opção de escolha bem como do abuso de suas insuficiências motivacionais e informacionais, ou ainda pelo pagamento de um valor acima do necessário. Esse ilícito pode ser verificado nas operações mais simples, até as mais complexas, realizadas no mercado financeiro (CRAVO, 2013).

É assinalada como infração à ordem econômica pela Lei de Concorrência por refletir danos à livre concorrência - já que visa o domínio do mercado por meio de obstáculos à entrada e, deste modo, o fechamento do mercado - a venda casada configura uma falha interior na relação de consumo, sendo assim, é caracterizada como uma prática abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC (CRAVO, 2013). 

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) modificou a sentença por atribuir a compra dos ingressos online, como sendo uma opção ao consumidor, por ser uma possibilidade além da compra presencial, sendo mais cômodo, gerando custos que fundamentam a cobrança da taxa, sob pena de enriquecimento ilícito do consumidor. 

De acordo com Nancy Andrighi, um dos meios de violação da boa-fé objetiva é a venda casada, a exigência de uma contratação indesejada por um meio escolhido pelo fornecedor, limitando a liberdade de escolha do consumidor.

A relatora citou julgado repetitivo da Segunda Seção que acolheu o entendimento de quando se tratar de intermediação por meio de corretagem, por não haver relação contratual direta entre o corretor e o terceiro (consumidor), quem arcará com a remuneração do corretor é a pessoa com quem ele se vinculou, ou seja, o fornecedor. 

Consoante Nancy Andrighi, a cobrança da taxa de conveniência pela simples exposição dos ingressos na internet transmite aos consumidores o risco do empreendimento, pois os serviços remunerados pela taxa de conveniência, deixam de ser suportados pelos próprios fornecedores, beneficiando somente estes. 

Além disso, a venda dos ingressos pela internet atinge um número maior ao da venda pelo meio presencial, favorecendo os interesses dos promotores do evento, deste modo, a vantagem que o consumidor teria ao poder comprar o ingresso sem precisar sair de casa, acaba sendo mitigada, devido às condições impostas pelo site de venda de ingressos e pelos promotores do evento, o que salienta que a disponibilização de ingressos via internet é formulada puramente em favor dos fornecedores. 

Segundo Nancy Andrighi, o dano moral coletivo reivindicado na ação não ficou caracterizado, já que a ilegalidade verificada não vislumbra valores essenciais da sociedade, caracterizando apenas infringência à lei ou ao contrato em razão da transferência indevida de um encargo do fornecedor ao consumidor. 

REFERÊNCIAS 

CRAVO, D. C. Venda casada: é necessária a dúplice repressão? Revista de Defesa da Concorrência, n°1, Maio 2013, pp. 52-70. Disponível em: http://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/article/view/46/13 Acesso em 29 mar. 19 

STJ NOTÍCIAS. Terceira Turma considera ilegal cobrança de taxa de conveniência na venda de ingressos on-line. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Terceira-Turma-considera-ilegal-cobran%C3%A7a-de-taxa-de-conveni%C3%AAncia-na-venda-de-ingressos-on%E2%80%93line Acesso em 01 abr. 19. 


*ÂNGELA GARCIA DA SILVA













-Graduada em Direito pela Faculdade Morgana Potrich – FAMP – Mineiros-GO (2018);
-Pós-graduanda em Direito Constitucional pela Damásio Educacional;
-Aprovada no XXVII Exame de Ordem – OAB/GO.
E-mail: angelagarciasilva@hotmail.com

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

terça-feira, 14 de maio de 2019

Feminicídio: Ação Depredadora de Corpos Femininos ou Feminizados


Autora: Kelly Lima Martins*

O feminicídio, assassinato de mulheres, em um contexto marcado pela desigualdade de gênero, vem se agravando e crescendo alarmantemente. Tal crime vem avançando em todo mundo, sendo El Salvador o líder do maior número de casos. O Brasil, entre os 84 países, está em 5° lugar no ranking.

Por setenta anos, a igualdade de gênero foi consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Há quase quarenta anos, foi adotada a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; e há 25 anos, a Declaração e o Programa de Ação de Viena estabeleceram que os direitos das mulheres são uma parte indivisível dos Direitos Humanos.

No entanto, especialistas apontam que nenhum país do mundo eliminou com sucesso a discriminação contra as mulheres ou alcançou a igualdade de gênero total, existindo, portanto, a urgente necessidade de proteger as conquistas passadas e avançar para garantir a igualdade para as mulheres em todos os lugares do planeta.

O feminicídio traduz claramente um crime de sexismo, uma vez que retém, mantém ou reproduz uma lógica de poder a que as mulheres estão submetidas, ou seja, território não é o mesmo que espaço ou lugar, mas refere-se à administração política do espaço, contudo, território é espaço traçado, delimitado e controlado, seja por um sujeito individual ou coletivo. Portanto, falar em território é falar de relações de domínio e de poder. 

Um vultuoso numero de mulheres são mortas diariamente simplesmente em virtude do gênero, são vítimas de toda ordem de agressões físicas, morais e psicológicos, e, infelizmente, tais agressões, na maioria dos casos, vem de alguém próximo como, marido, namorado ou ex-parceiros. Mortas não pelo que são biologicamente e sim pelo que, socialmente, são impelidas a não serem. 

Com base na dimensão de gênero, tais ações compreendem a verdadeira natureza de um crime que importa na despersonificação das mulheres. O feminicídio revela uma ação depredadora dos corpos femininos ou feminizados, Uma ocupação calcada em um sistema que não só a tolera, como, ao subalternizar o feminino, a promove. Assim, o território corporal das mulheres é violado para consumar a morte, ou efetivar sua tentativa.

A Lei nº11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, surgiu como forma de combate à violência doméstica e trouxe amparo legal para os casos de crimes envolvendo essa problemática. Foi apregoada em 7 de agosto e 2006 e batizada com este nome pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em homenagem a uma vítima da violência e ícone da luta contra a violência doméstica no Brasil, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia. 

Essa lei foi embasada no parágrafo 8º do artigo 226 da Constituição Federal, na Convenção sobre a eliminação de todas as formas de violência contra a mulher, na Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e em outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, com o objetivo de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 

A Lei Maria da Penha instituiu a criação de juizados especiais para os crimes previstos nessa legislação e estabeleceu medidas de assistência e proteção às vítimas, além de assegurar a criação de políticas públicas para a garantia dos direitos da mulher.

Em março de 2015, viu-se outro momento importante desse contexto tomar lugar – a sanção da lei nº 13.104/2015, que instituiu a qualificadora do feminicídio, cujo ideário consistiu na sua previsão  como circunstância qualificadora do crime de homicídio e na sua inclusão no rol dos crimes hediondos. Em seguida à aprovação, veio a sanção pela Presidenta da República, sob a declaração: "Não aceitem a violência dentro e fora de casa. Denunciem, e vocês terão o Estado brasileiro ao seu lado". 

Há que se atentar para o fato de que o reconhecimento expresso das particularidades que envolvem o feminicídio justifica o tratamento diferenciado que lhe fora conferido nessa lei. 

Sendo assim: 

Ela não significa que a vida de uma mulher ou de uma criança do sexo feminino tenha mais valor do que a de um homem ou de um menino. 

O que ocorre, na dura realidade brasileira, é que as mulheres e as meninas vêm sofrendo muito mais violência no âmbito doméstico e familiar e também em razão de pertencer ao sexo feminino, do que os homens, merecendo, por isso, maior proteção do legislador penal. Isso nada tem a ver com igualdade ou desigualdade de sexos. A nosso ver, trata-se de acertada política criminal que não só́ acrescentou o feminicídio como uma das modalidades de homicídio qualificado, como também considerou-o crime hediondo, alterando o art. 1º, I, da Lei nº 8.072/1990 (DELMANTO et al., 2016, p. 444). 

Ou seja, o que a concepção do fenômeno feminicídio para a autora em questão objetiva comunicar é que o corpo das mulheres acaba assimilando todos os reflexos de uma cultura patriarcal que se funda em dois eixos: um eixo assimétrico vertical (que coloca as mulheres em posição de submissão aos homens) e um eixo simétrico horizontal (que relaciona os homens com seus pares e constitui uma lógica social de submissão das mulheres). 

Essa arquitetura das relações de gênero resvala no espaço mais íntimo da existência humana, que é o corpo. Por fim, nesse sentido, o corpo das mulheres acaba sendo invadido e exterminado pelos pares de um eixo masculino voraz que nele inscrevem a assinatura de uma fratria inteira. Enfim, esse horizonte inteiro é negado pela supressão da expressão gênero e sua substituição pela expressão sexo, no texto legal. 

Os movimentos feministas têm desempenhado um papel fundamental no descortinamento de intrincadas relações de desigualdade e assimetrias de poder pautadas pelas desigualdades de gênero. 

Na prática, as teorias feministas demonstra como complexas redes de relações e estruturas sociais localizam diferentemente os diferentes sujeitos em relações assimétricas de poder e, mais ainda, que tais relações independem, em grande medida, do fato de como os indivíduos exercem ou experimentam individualmente esse poder ao longo de suas vidas.

Apesar das diferentes ênfases e enfoques, podemos afirmar que as teorias feministas não negam o papel da ação individual e coletiva, ou as possibilidades de autonomia. Entretanto, essas teorias iluminam o fato de que, para tratarmos de temas como autonomia e liberdade, é necessário dar atenção a estruturas e sistemas de dominação e opressão.

Salientamos, então, que a criminalização possui um papel político importante para a construção do status da cidadania igual para todas/os, em determinadas circunstâncias. Este papel, de reprovação, não é apenas um papel simbólico ou subjetivo na construção de um imaginário comum que reprova um crime. A questão é que a reprovação pública possui efeito concreto no aumento de segurança, confere possibilidades, confere direitos, e isso vai além de um sentimento subjetivo, passando por uma redistribuição de poder. 

A questão tem efeito prático na medida em que aumenta as salvaguardas das mulheres e estas salvaguardas são construídas de modo público, amplo, quiçá, diminuindo a deferência, o temor e a benevolência das mulheres em relação àqueles que devem ser seus iguais (sejam homens ou mulheres) e, principalmente, diminuindo o poder dos agressores. 

Desde a sanção da lei nº 13.104/2015, tem havido certo dispêndio de energia e um engajamento fundamental de diversas frentes feministas brasileiras dedicadas a demonstrar que há um ganho significativo com o processo de criminalização. Esse ganho, em boa parte das vezes, é referido como um registro simbólico do problema.

 Ao defender que a ênfase seja atribuída à dimensão política desse processo de judicialização, não ignoramos que esta também pode se apresentar como um terreno simbólico. Entretanto, cremos que o registro meramente simbólico tende a comprometer movimentos concretos que são alçados com base na lei, deixando-a no campo da alegoria, da crença vazia.

A constituição de um tipo penal derivado pode contribuir para gerar novas estatísticas, novos discursos jurídicos, mudanças no imaginário cultural, novas demandas por igualdade. Constitui-se, também, na tradução política de uma vivência das mulheres – política na medida em que vai para a esfera pública, transformando-se em lei. Não se pode esquecer, igualmente, que as demandas por judicialização fazem parte de uma configuração específica dos feminismos latino-americanos. É uma marca da incessante busca pelo exercício da cidadania. 

A dignidade humana deriva das qualidades peculiares aos seres humanos e sua salvaguarda visa a possibilitar o desenvolvimento dessas capacidades e a realização integral da pessoa.

Para que a condição de vulnerabilidade se extinga, é necessário que haja mudanças drásticas na relação entre os vulneráveis e o grupo social mais amplo do qual fazem parte. 

Em tese, o gênero representa uma diferenciação. Neste sentido, pode ser até mesmo muito positivo. Todavia, é extremamente negativo quando a diferenciação entre homens e mulheres se transforma em hierarquias, seja na direção de inferiorizar a mulher, o que acontece em todas as sociedades em maior ou menor grau, seja na direção oposta. 

Para todas as sociedades, o ideal seria uma organização de gênero que mantivesse no mesmo patamar, quanto às probabilidades de exercício do poder, homens e mulheres. Condição sine qua non para isto consiste em atribuir o mesmo valor ao feminino e ao masculino. Esta é uma utopia que vale a pena perseguir. 


Referências Bibliográficas 



Almeida, Carla Cecília Rodrigues & Elias, Maria Ligia Ganacim Granado Rodrigues. (2014), “O conceito de liberdade como não dominaçãosob a perspectiva feminista”. 

Estudos Feministas, 22 (1): 13-27, maio. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/ article/view/S0104-026X2014000100002. Acesso em 23/04/2019. 

Alvarez, Sônia E. (2014), “Para além da sociedade civil: reflexões sobre o campo feminista”. Cadernos Pagu, 43: 13-56. 

Andrade, Vera Regina Pereira de. (2003) Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. 

Porto Alegre, Livraria do Advogado. Biroli, Flávia. (2013), Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática. Niterói/Vinhedo, Eduff/Horizonte. 

Bowman, Cynthia Grant & Schneider, Elizabeth M. (1998), “Feminist legal theory, feminist lawmaking, and the legal profession”. The Fordham Law Review, 67. Disponível em http:// ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol67/iss2/2. Acesso em 11/03/2019. 

Cabette, Eduardo Luiz Santos. (2015), “Feminicídio: mais um capítulo do Direito Penal simbólico agora mesclado com o politicamente correto”. Jusbrasil. Disponível em http:// eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/159300199/feminicidio-mais-um-capitulo- -do-direito-penal-simbolico-agora-mesclado-com-o-politicamente-correto. Acesso em 25/3/2019. 

Câmara dos Deputados. (2014), Projeto de Lei da Câmara n. 8.305, de 2014. Altera o art. 121 do Dec.-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília. 

Câmara dos Deputados. (2014), Projeto troca referências a “gênero” por “sexo” na Lei Maria da Penha. Disponível em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/direitos-humanos/478161-projeto-troca-referencias-A--%E2%80%9cgenero%E2%80%9D-por-%E2%80%9csexo%E2%80%9D-na-lei- -maria-da-penha.html. Acesso em 28/04/2019. 

Campos, Carmen Hein de (org.). (2011), Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro, Lumen Iuris. ______. (2015), “A cpmi da violência contra a mulher e a implementação da Lei Maria da Penha”. 

Estudos Feministas, 23 (2): 519-531, maio. Disponível em https://periodicos.ufsc. br/index.php/ref/article/view/38873. Acesso em 26/03/2019. 

Einspahr, Jennifer. (2010), “Structural domination and structural freedom: a feminist perspective”. Feminist Review, 94: 1-19. 

El Hireche, Gamil Föppel & Figueiredo, Rudá Santos. (2015), “Homicídio contra a mulher: feminicídio é medida simbólica com várias inconstitucionalidades”. Consultor Jurídico. Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-mar-23/feminicidio-medida-simbolica- -varias-inconstitucionalidades. Acesso em 23/3/2019. 

Elias, Maria Ligia G. G. R. (2014), Liberdade como não interferência, liberdade como não dominação, liberdade construtivista. Uma leitura do debate contemporâneo sobre a liberdade. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 

Fausto-Sterling, Anne. (2001-2002), “Dualismos em duelo”. Cadernos Pagu, 17/18: 9-79. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/cpa/n.17-18/n17a02.pdf. Acesso em 20/3/2019. 

Fundação Perseu Abramo. (2001), Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado. Disponível em http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/pesquisas-de-opiniao-publica/ pesquisas-realizadas/projecao-da-taxa-de-espancamento. Acesso em 20/3/2019. 

(2010), Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado. Disponível em http:// www.fpa.org.br/sites/default/files/pesquisaintegra.pdf. Acesso em 20/3/2019. 

Grossi, Miriam Pillar de. (1998), “Identidade de gênero e sexualidade”. Antropologia em Primeira Mão, 24. 

Machado, Isadora Vier. (2013), Da dor no corpo à dor na alma: uma leitura do conceito de violência psicológica da Lei Maria da Penha. Florianópolis, tese de doutorado, Programa de Pós- -graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. 

Mano, Maíra Kubík. (2015), “Deveriam as feministas apoiar a criminalização do feminicídio?” Carta Capital. Disponível em http://mairakubik.cartacapital.com.br/2015/03/04/ deveriam-as-feministas-apoiar-a-criminalizacao-do-feminicidio/. Acesso em 25/3/2019. 

Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. (2015) Boletim Observa Gênero. Brasília, 47, ano 7, maio. 

Onu Mulheres. (2014), “Modelo de protocolo latino-americano de investigação das mortes violentas de mulheres por razões de gênero (femicídio/feminicídio)”. Disponível em http:// www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2015/05/protocolo_feminicidio_publicacao.pdf. Acesso em 27/5/2019. 

(2015), “Nota pública da onu mulheres Brasil: sanção presidencial da lei de tipificação do feminicídio”. Disponível em http://www.onumulheres.org.br/noticias/nota-publica-da- -onu-mulheres-brasil-sancao-da-lei-de-tipificacao-do-feminicidio/. Acesso em 27/5/2019. 

*KELLY LIMA MARTINS 



Bacharela em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau/PB;e
-Pós graduada em criminologia e psicologia investigativa criminal pela UNIPÊ/PB;

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.