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sexta-feira, 2 de junho de 2023

Balanço Musical


 Autor: Genildo Fonseca (*)

Música: uma paixão

A música é uma combinação harmoniosa de sons que nos traz alegria, tristeza, mexe com nosso corpo e nossa alma.

Sem fronteiras, nos dá prazer, libera a dopamina, une as pessoas, desperta lágrimas e lembranças.

Ainda criança, no interior de São Paulo, gostava de ouvir as modas de viola ou os artistas que vinham da Capital cantar no circo.

Tentei aprender piano, mas não deu certo: era muito precipitado, já queria compor sem saber tocar. Participava do canto orfeônico, mas era desafinado. Só mesmo minha avó Bibina adorava me ver cantando: “Pela estrada afora eu vou bem sozinho levar estes doces para a vovozinha”. Por gostar tanto de música, acho que fui levado de forma inconsciente para o setor da produção musical.

Quando entrei na Faculdade, em 1966, já estava casado com a música, razão pela qual faltava às aulas, mudava de período pra me ajustar à agenda de shows. Adorava a aula teatral do Mestre Goffredo e me interessava pela matéria do Professor Antonio Chaves, mas a música me afastou do Direito. 

Em todos os cantos

Ela é onipresente. O ritmo, a harmonia e a melodia nos encantam, em todos os cantos da Terra. Seja a popular, com suas letras normalmente românticas e refrões que nos atordoam e grudam em nossos ouvidos; a erudita, mais elaborada; a folclórica, que simboliza tradições, a identidade de um povo, sempre ligada às festividades com danças típicas, todas estas manifestações estão nas rádios, tvs, filmes, games, publicidade, igrejas, crematórios, elevadores, parques, nas alegres comemorações e tristes despedidas, até no caminhão de gás. É relaxante, traz equilíbrio, bem estar, agitação.

Difícil imaginar um mundo sem música, ainda mais agora com tanta facilidade de acesso.

A Origem

A primeira música e letra de que temos conhecimento é o Hino Hurrita nº 6, uma ode à deusa Nikkal, na Mesopotâmia.

Há indícios que desde a pré-história já se produzia música, advinda dos sons da natureza: o assovio dos ventos, o ruído dos trovões, os gritos dos animais, as ondas do mar, as batidas do coração.

As mudanças

É de cerca de 60.000 a.C o vestígio de uma flauta de osso.

Pitágoras revelou as notas e os intervalos musicais, criou a conexão da música com a matemática.  O Papa Gregório no Séc VI compilou as regras para  o canto gregoriano

Da mesma época, são as cantigas de Santa Maria, num total de 427 composições.

A polifonia com expressão mais universal veio no Renascentismo.

No Séc. XVIII, o surgimento de óperas e orquestras de câmara, com Vivaldi e Bach, entre outros.

No Classicismo, entre 1750 e 1830, novas estruturas musicais são criadas: a sonata, o concerto, o quarteto de cordas, o piano tomando o lugar do cravo.

No Romantismo, Séc. XIX, o vigor emocional inaugurado por Beethoven com a Sinfonia nº 3.

No Séc. XX, surgem as novas tecnologias, o rádio e os suportes de gravação.

A evolução começou com o lançamento do primeiro cilindro de gravação em cera em 1877 (Thomas Edison), substituído pelo disco em 78 rotações na década de 1920.

Em 1940, foi introduzido o disco de 33 1/3 rotações, com maior duração.

Em 1980, os CDs, com tecnologia óptica para reprodução e armazenamento, botando fora os discos de vinil, que agora voltaram à moda.

A primeira música gravada no mundo é "Au clair de la lune", com voz feminina, em 10 segundos, captada por um fonoautógrafo, em 1860.  

O primeiro disco no Brasil foi gravado em 1902, por Manuel Pedro dos Santos, o Bahiano, feito em cera, com 3 faixas, pela Casa Edison.

O primeiro registro de um samba foi "Pelo Telefone", de Donga e Mauro Almeida, em 1917.

 Testemunha da história

 Tive o privilégio de acompanhar de perto estas mudanças: na década de 1970, trabalhava com Antonio Marcos, na RCA, na fase dos LPs, em que o artista, com muita dificuldade, conseguia um contrato com a gravadora. As Editoras usavam o contrato de cessão de direitos. O universo era limitado, com poucas multinacionais.

Em 1980, eu estava na Continental, empresa brasileira, que tinha um grande acervo das músicas regionais do país, com uma amostra bem rica e variada da nossa cultura.

Em 1986, na 3M, acompanhei a chegada das fitas cassete.

Com o advento da Internet e das Redes Sociais, o processo de lançamento mudou completamente.

Desaparecimento da distribuição física, sem necessidade de armazenamento, transporte, divulgadores de rádio e lojas, e eliminação do "jabá", caracterizado por propina disfarçada, para promoção das músicas.  

 O Mercado Atual

 Um novo artista hoje precisa ter talento, como em qualquer época, muita criatividade e foco para consolidar o seu nome num universo bem diversificado de estilos.

O custo de gravação vai depender do tipo de estúdio, horas de gravação, músicos, arranjos, mixagem, masterização.

Gravação de qualidade, estratégia de marketing digital, presença marcante nas Redes Sociais e nas plataformas de streaming de música são algumas exigências para o novato iniciar a trajetória.

O artista tem que criar seu próprio caminho: escolher ou compor a música, gravar e  distribuir sua obra da forma mais inovadora possível.

Hoje, a visibilidade nas Redes Socias é a base para o sucesso: até os programas de televisão se utilizam deste mecanismo para programar o artista.

O mercado brasileiro teve um crescimento de 13,1% em 2019, atrás da Índia e da Grécia. É um país com grande diversidade cultural, com produção de inúmeros gêneros: samba, pagode, rock, bossa nova, MPB, funk, forró e tantos outros

Em 2020, segundo a FGV, a indústria da música movimentou 5,6 bilhões em receitas diretas e indiretas, com shows, bilheterias, streaming e direitos autorais e empregou aproximadamente 54 mil pessoas.

A Covid afetou significativamente este setor, talvez o mais prejudicado na pandemia, com cancelamento de espetáculos, alterando de modo repentino a empregabilidade do segmento.

Isto trouxe enormes desafios para os profissionais, que tiveram que buscar novos

empregos ou se reinventar através de eventos on-line, transmissões ao vivo em plataformas como Instagram e You Tube para se manterem conectados com seus fãs. Com restrições de viagens, o foco passou a ser o público local. Isso trouxe um aumento do consumo da música digital, criou novos hábitos.

O retorno às práticas normais está voltando gradualmente.

Os festivais estão atraindo milhares de pessoas que se encantam com esse reencontro coletivo e mágico.

Muitos artistas se mudaram para outros países; mais do nunca, há a necesidade de criar espaços e criar parcerias.

Não temos acesso ao número de lançamentos, mas uma matéria da Revista Exame de 2019 informava que cerca de 30 mil novos artistas são registrados no Ecad a cada ano, novos talentos e consagrados.

O Ecad, nesse mesmo ano, arrecadou R$ 1,5 bilhão e distribuiu cerca de R$ 1,2 bilhão aos titulares de direitos autorais no Brasil e exterior.

As associações de direitos autorais

O Ecad é a maior associação, responsável pela arrecadação e distribuição dos valores devidos pela utilização pública das criações.

Entre as outras mais importantes que representam compositores, intérpretes, músicos, arranjadores, regentes, editoras e produtores fonográficos estão Abramus, UBC, Sbacem, Amar, Socinpro.

O Brasil ocupa, segundo dados de 2020, da Federação Internacional Fonográfica, o 10º lugar no ranking dos maiores mercados em termos de receita.

As principais gravadoras 

A maior é a Universal, que controla 40% do mercado, seguida por Sony e Warner e pelas brasileiras Som Livre, Deckdisc e Biscoito Fino.

Não há um número exato de gravadoras e estúdios, mas segundo a ABMI existem aproximadamente 200 gravadoras e, em 2019, o Governo Federal divulgou pesquisa que apontava 3.400 estúdios no país.

As Plataformas

Por ordem de importância: Spotify, com mais de 356 milhões de usuários; Apple, com mais de 70 milhões, e Amazon, com mais de 55 milhões.

O artista precisa contratar uma distribuidora digital ou fazer o upload da música diretamente nas plataformas, que se transformaram em ferramenta crucial para promover a música.

 A Inteligência Artificial (Chat GPT)

O autor que tem o direito sobre sua obra deve entrar em pânico diante da impossibilidade de prever o futuro, que é de muita incerteza.

Ele que precisa garantir que a utilização do seu trabalho seja feita de acordo com sua vontade e que receba uma compensação justa pelo uso da obra. No momento atual, ele não tem nenhuma garantia de que isso vá ocorrer.

A capacidade de absorver e distribuir informações da IA é monumental, instantânea e irreversível.

Para escrever este artigo, fiz consultas a esse mecanismo e prontamente recebi as respostas, de forma detalhada.

Outro dia, por curiosidade, passei um tema e pedi um texto teatral que me chegou na hora com todos os personagens; parecem textos que são de terceiros, sabe lá de quem, talvez indevidamente coletados e vendidos através de uma assinatura, sem que os autores invisíveis nada recebam por isso.

Sei que todas estas conquistas são importantes, necessárias, mas é imperativo criar-se um limite legal para a devida proteção do sagrado direito do autor.

 *GENILDO GONSECA












-Advogado graduado pela Faculdade de Direito da USP(1972) e produtor musical;

- Diretor da Circuito Musical

-Empresário artístico de Toquinho

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

9 comentários:

  1. Genioso, obrigado pelo artigo. Aprendi muito. Belíssima pesquisa. Parabêns! Luiz Arruda Barbosa

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  2. Parabéns, Genildo! Que seu texto, tão bem fundamentado, possa incentivar que outros venham à público.

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  3. Grande relatorio Mestre Genildo. Tbm na Europa vivenciamos esses novos acontecimentos A.I. mas estamos confiantes. Abraco. Da Italia. R.M.

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  4. Artigo excelente e super esclarecedor. Obrigada Ge!

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  5. Bravo Genildo ! Artigo interessante .

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  6. Genildo, excelente trabalho. Pormenorizado e abrangente. Traz a história da música, sua modificações estruturais e alteração estética.
    Muito bom. Parabéns. Abraço fraterno do amigo Roberto Mello

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  7. Agora sim. Foi uma aula. Obrigado

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  8. Só quem é do ramo para escrever com propriedade, a lucidez dos iniciados a nos iluminar o caminho. Esperamos ser agraciados com novas publicações em breve, grande abraço Genildo.

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