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quinta-feira, 15 de maio de 2025

O Contrato de Namoro e Seus Efeitos Jurídicos


 


Autor: Erick Gonçalves Carrasco (*)

A busca do ser humano por alguém com objetivos similares de constituir família remonta à era das pedras. Desde que há registros de sua existência, o ser humano busca uma companhia para juntos, caminharem pelo complexo caminho da vida.

Com a evolução social e, consequentemente, com a evolução das relações humanas e do direito, em especial do Direito de Família, algumas questões passaram a permear as relações afetivas. Temas como uniões homoafetivas, uniões estáveis, dentre outros, passaram a ser veiculados e geram cada vez mais dúvidas naquelas pessoas que pouco conhecimento legal possuem sobre o tema.

Na atualidade onde cada vez mais informações são lançadas ao ar, um tema que surge como relevante e merecedor de atenção são os chamados "contratos de namoro".

O presente artigo tece breves considerações sobre a natureza jurídica desses contratos, sua definição e seus fundamentos, trazendo uma breve distinção acerca do namoro, namoro qualificado e união estável. 

O contrato de namoro é um instrumento jurídico que visa evitar que relacionamentos amorosos sejam confundidos com uniões estáveis, e, assim, protegendo o patrimônio dos envolvidos (ALVES, 2024).

Tal contrato declara a ausência de intenção presente de constituir família, distinguindo o namoro da união estável e afastando, por consequência, os efeitos jurídicos desta, especialmente os patrimoniais (LISITA, 2024).

A relevância prática do contrato de namoro reside em evitar a confusão com a união estável e seus consequentes efeitos patrimoniais. Para tanto, é fundamental compreender a distinção entre namoro, namoro qualificado e união estável, institutos que, embora possam apresentar semelhanças superficiais, são juridicamente distintos.

Rodrigo da Cunha Pereira traz uma relevante definição sobre o namoro. Segundo ele:

Namoro é o relacionamento entre duas pessoas sem caracterizar uma entidade familiar. Pode ser a preparação para constituição de uma família futura, enquanto na união estável, a família já existe. Assim, o que distingue esses dois institutos é o animus familiae, reconhecido pelas partes e pela sociedade (trato e fama). 

Como afirmam Dias e Pereira (2021), o namoro não tem prazo de validade. Nele, não se fala em regime de bens; não gera direito a alimentos, nem tem reflexo sucessórios. Quando há o fim do namoro, não há ofensa ao direito alheio.

O namoro qualificado se trata de um namoro mais estreitado, onde a relação entre as duas pessoas se torna mais próxima. Nesta situação a confusão entre um namoro e uma união estável pode ser ainda mais latente, pelo que se faz necessária uma análise conjunta entre ambos os institutos.

A definição de união estável é estabelecida pela lei. O código civil brasileiro, em seu art. 1.723, dita que "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

A definição traz consigo os requisitos para a constituição da união estável, que são: a união de duas pessoas; esta união deve ser pública, além de ser contínua e duradoura; e, o requisito mais importante: o objetivo de constituição de família, chamado pela doutrina de animus familiae.

Importante mencionar que, apesar de a lei trazer o requisito "união estável entre o homem e a mulher", o STF, através da ADI 4277 e da ADP 132, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, sendo reconhecida a união homoafetiva como entidade familiar.

Ademais, nota-se que em um namoro qualificado pode existir uma união pública, contínua e duradoura, e até coabitação (que não é um dos requisitos para constituição de união estável). Pode haver, inclusive, planos para a constituição de uma família. Contudo, a principal distinção se dá no objetivo de constituição de família.

É que, enquanto na união estável os conviventes se identificam como casados fossem perante a sociedade, no namoro qualificado isso não fica tão claro. Nesse tema, é importante mencionar decisão proferida pela 3ª turma do STJ no REsp 1.454.643/RJ, relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3 de março de 2015:

"O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.

(…) não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro – e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar”. (REsp 1.454.643/RJ, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015).

Conforme elucidado pela referida decisão do STJ, a distinção fundamental reside no animus familiae: na união estável, o objetivo de constituir família é presente, enquanto no namoro qualificado, pode haver apenas um projeto futuro de família.

Apesar disso, na prática pode ser difícil identificar a ausência deste requisito, principalmente se há a coabitação, e é neste ponto que se mostra importante o contrato de namoro, onde a intenção dos namorados, outrora obscura perante a sociedade, se mostra clara e evidente.

Além disso, o contrato pode estipular questões patrimoniais, como a não mistura de patrimônio, não aquisição de um patrimônio comum, inexistência de dependência financeira, criando-se uma proteção entre os próprios interessados.

 



Mas é importante uma observação: o contrato de namoro, apesar de não haver prazo de validade, se encerra no momento em que surge efetivamente o objetivo presente de constituir uma família. A partir do momento em que os namorados passam a se comportar e se identificar como casados, a misturar seu patrimônio, tem filhos, enfim, tudo aquilo que faça com que o relacionamento pareça um casamento, mesmo que haja um contrato dizendo o contrário, configurada estará uma verdadeira união estável, com todos os seus efeitos.

Diante disso, percebe-se que o contrato de namoro surge como um instrumento jurídico valioso em um cenário de relações afetivas cada vez mais complexas. Sua função principal reside em formalizar a intenção das partes em não configurar uma união estável, promovendo a segurança jurídica, não só entre as partes, mas perante terceiros, bem como gerar uma proteção patrimonial ao delimitar a natureza do relacionamento. É importante, no entanto, relembrar, que a eficácia do contrato está ligada à realidade fática. Se, mesmo com a existência do contrato, a convivência pública, continua e duradoura for estabelecida com o objetivo de constituir família, a união estável está configurada, e os fatos prevalecem ao contrato. Assim, o contrato de namoro configura-se como uma ferramenta de planejamento e declaração de vontade, útil para afastar dúvidas e litígios futuros, desde que genuíno em sua finalidade e coerente com a dinâmica real do relacionamento. 

REFERÊNCIAS

ALVES, L. Contrato de Namoro: protegendo seu relacionamento com segurança jurídica. JusBrasil, 17 jun. 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/contrato-de-namoro-protegendo-seu-relacionamento-com-seguranca-juridica/2548631898. Acesso em: 3 maio 2025;

DIAS, M. B.; PEREIRA, R. d. Toda forma de amar vale a pena. Maria Berenice Dias, 12 jul. 2021. Disponível em: https://berenicedias.com.br/toda-forma-de-amar-vale-a-pena/. Acesso em: 3 maio 2025;

LISITA, K. M. O Direito das Famílias e o Contrato de Namoro Qualificado. IBDFAM: Instituto Brasileiro de Direito de Família, 4 set. 2024. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/2197/O+Direito+das+Fam%C3%ADlias+e+o+Contrato+de+Namoro+Qualificado+. Acesso em: 3 maio 2025; e

PEREIRA, R. d. Contrato de namoro estabelece diferença em relação união estável. Rodrigo da Cunha Pereira, 2015. Disponível em: https://www.rodrigodacunha.adv.br/contrato-de-namoro-estabelece-diferenca-em-relacao-uniao-estavel-3/. Acesso em: 3 maio 2025.

* ERICK GONÇALVES CARRASCO



 








-Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas – UNIFEMM (2018);

-Advogado inscrito nos quadros da OAB/MG;

- Atualmente atua nas áreas do Direito Civil (Família, Sucessões, Contratos) e Direito do Consumidor.

NOTA DO EDITOR :


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