Autor: Erick Gonçalves Carrasco (*)
A
busca do ser humano por alguém com objetivos similares de constituir família
remonta à era das pedras. Desde que há registros de sua existência, o ser
humano busca uma companhia para juntos, caminharem pelo complexo caminho da
vida.
Com a evolução social e, consequentemente, com a evolução das relações humanas e do direito, em especial do Direito de Família, algumas questões passaram a permear as relações afetivas. Temas como uniões homoafetivas, uniões estáveis, dentre outros, passaram a ser veiculados e geram cada vez mais dúvidas naquelas pessoas que pouco conhecimento legal possuem sobre o tema.
Na atualidade onde cada vez mais informações são lançadas ao ar, um tema que surge como relevante e merecedor de atenção são os chamados "contratos de namoro".
O presente artigo tece breves considerações sobre a natureza jurídica desses contratos, sua definição e seus fundamentos, trazendo uma breve distinção acerca do namoro, namoro qualificado e união estável.
O
contrato de namoro é um instrumento jurídico que visa evitar que
relacionamentos amorosos sejam confundidos com uniões estáveis, e, assim,
protegendo o patrimônio dos envolvidos (ALVES, 2024).
Tal contrato declara a ausência de intenção presente de constituir família, distinguindo o namoro da união estável e afastando, por consequência, os efeitos jurídicos desta, especialmente os patrimoniais (LISITA, 2024).
A relevância prática do contrato de namoro reside em evitar a confusão com a união estável e seus consequentes efeitos patrimoniais. Para tanto, é fundamental compreender a distinção entre namoro, namoro qualificado e união estável, institutos que, embora possam apresentar semelhanças superficiais, são juridicamente distintos.
Rodrigo da Cunha Pereira traz uma relevante definição sobre o namoro. Segundo ele:
Namoro é o relacionamento entre duas pessoas sem caracterizar uma entidade familiar. Pode ser a preparação para constituição de uma família futura, enquanto na união estável, a família já existe. Assim, o que distingue esses dois institutos é o animus familiae, reconhecido pelas partes e pela sociedade (trato e fama).
Como afirmam Dias e Pereira (2021), o namoro não tem prazo de validade. Nele, não se fala em regime de bens; não gera direito a alimentos, nem tem reflexo sucessórios. Quando há o fim do namoro, não há ofensa ao direito alheio.
O namoro qualificado se trata de um namoro mais estreitado, onde a relação entre as duas pessoas se torna mais próxima. Nesta situação a confusão entre um namoro e uma união estável pode ser ainda mais latente, pelo que se faz necessária uma análise conjunta entre ambos os institutos.
A definição de união estável é estabelecida pela lei. O código civil brasileiro, em seu art. 1.723, dita que "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".
A definição traz consigo os requisitos para a constituição da união estável, que são: a união de duas pessoas; esta união deve ser pública, além de ser contínua e duradoura; e, o requisito mais importante: o objetivo de constituição de família, chamado pela doutrina de animus familiae.
Importante mencionar que, apesar de a lei trazer o requisito "união estável entre o homem e a mulher", o STF, através da ADI 4277 e da ADP 132, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, sendo reconhecida a união homoafetiva como entidade familiar.
Ademais, nota-se que em um namoro qualificado pode existir uma união pública, contínua e duradoura, e até coabitação (que não é um dos requisitos para constituição de união estável). Pode haver, inclusive, planos para a constituição de uma família. Contudo, a principal distinção se dá no objetivo de constituição de família.
É que, enquanto na união estável os conviventes se identificam como casados fossem perante a sociedade, no namoro qualificado isso não fica tão claro. Nesse tema, é importante mencionar decisão proferida pela 3ª turma do STJ no REsp 1.454.643/RJ, relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3 de março de 2015:
"O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.(…) não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro – e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar”. (REsp 1.454.643/RJ, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015).
Conforme elucidado pela referida decisão do STJ, a distinção fundamental reside no animus familiae: na união estável, o objetivo de constituir família é presente, enquanto no namoro qualificado, pode haver apenas um projeto futuro de família.
Apesar disso, na prática pode ser difícil identificar a ausência deste requisito, principalmente se há a coabitação, e é neste ponto que se mostra importante o contrato de namoro, onde a intenção dos namorados, outrora obscura perante a sociedade, se mostra clara e evidente.
Além disso, o contrato pode estipular questões patrimoniais, como a não mistura de patrimônio, não aquisição de um patrimônio comum, inexistência de dependência financeira, criando-se uma proteção entre os próprios interessados.
REFERÊNCIAS
ALVES, L. Contrato de Namoro: protegendo seu relacionamento com segurança jurídica. JusBrasil, 17 jun. 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/contrato-de-namoro-protegendo-seu-relacionamento-com-seguranca-juridica/2548631898. Acesso em: 3 maio 2025;
DIAS, M. B.; PEREIRA, R. d. Toda forma de amar vale a pena. Maria Berenice Dias, 12 jul. 2021. Disponível em: https://berenicedias.com.br/toda-forma-de-amar-vale-a-pena/. Acesso em: 3 maio 2025;
LISITA, K. M. O Direito das Famílias e o Contrato de Namoro Qualificado. IBDFAM: Instituto Brasileiro de Direito de Família, 4 set. 2024. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/2197/O+Direito+das+Fam%C3%ADlias+e+o+Contrato+de+Namoro+Qualificado+. Acesso em: 3 maio 2025; e
PEREIRA, R. d. Contrato de namoro estabelece diferença em relação união estável. Rodrigo da Cunha Pereira, 2015. Disponível em: https://www.rodrigodacunha.adv.br/contrato-de-namoro-estabelece-diferenca-em-relacao-uniao-estavel-3/. Acesso em: 3 maio 2025.
* ERICK GONÇALVES CARRASCO
- Atualmente atua nas áreas do Direito Civil (Família, Sucessões, Contratos) e Direito do Consumidor.
NOTA DO EDITOR :
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