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sábado, 26 de outubro de 2024

Professores, Bons Professores e a Educação


 Autor: Luiz Eduardo Corrêa Lima(*)

Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que, profissionalmente, eu só tenho feito aquilo em que acredito e assim, tenho desenvolvido coerentemente o meu trabalho de Professor. Por óbvio, fico contente de conseguir agradar a grande maioria dos meus alunos e alguns colegas de profissão, com quem convivi ao longo desses mais de 48 anos felizes de minha vida profissional como Professor.

Deste modo, já vou começar dizendo que, nessa minha experiência como profissional da Educação e do Ensino, vi de quase tudo e posso afirmar que existem vários tipos de sujeitos que se põem à frente de uma sala de aulas para professorar. Então, a grande parte desses sujeitos, infelizmente deixam tanto a desejar no exercício da função de Professor, que não podem ser realmente considerados como professores. Então, eu vou me restringir a falar apenas de alguns sujeitos especiais, que estão aí pelas escolas e os quais prefiro chamar de "Bons Professores".

Ultimamente os "Bons Professores" estão cada vez mais raros nas diferentes populações, particularmente, nos países mais pobres ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Entretanto, certamente, ainda existem muitos que se mantêm vivos e ativos, como se fosse uma força que se opõe ao forte movimento contra a Educação que se instalou pelo mundo afora, numa marca de falência quase total dos valores éticos nas sociedades. Ainda bem que esses sujeitos existem e se constituem numa verdadeira resistência a favor dos interesses maiores da Educação e consequentemente da humanidade.

Os "Bons Professores" são aqueles sujeitos que conseguem realmente inspirar e servir de bom exemplo, não só aos seus alunos, como também aos seus colegas de profissão. Talvez, eles só consigam inspirar muitas dessas pessoas, exatamente porque são uns sujeitos objetivos, claros e realmente verdadeiros nas suas maneiras de agir e principalmente, nas suas efetivas tarefas de ensinar e formar outras pessoas.

Costumo dizer, em minhas aulas, que o "Bom Professor" tem que possuir, principalmente, três características fundamentais: Conhecimento, Amor pelo seu Trabalho e a Capacidade Argumentativa. Em suma, o "Bom Professor" tem que apresentar bom conhecimento, tem que possuir Cultura, tem que gostar muito do que faz e tem que saber usar bem o idioma pátrio. O uso devido e concomitante dessas características é que leva o aluno ao convencimento. Os alunos sabem, quando o Professor está na categoria de "Bom Professor", porque ele consegue convencer sem impor.

Eu acredito que o "Bom Professor" seja aquele sujeito que agrada e que convence os seus alunos, usando apenas e tão somente a palavra, oriunda do conhecimento que ele possui da sua matéria, de sua cultura geral, do amor por aquilo que ele faz e da argumentação lógica, clara e convincente. É óbvio que a parafernália instrumental ajuda, mas, tenho certeza de que esses instrumentos, embora possam ser muito úteis, não são as coisas mais importantes no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, fundamental é o "Bom Professor".

O "Bom Professor" faz uso da parafernália com ferramenta adicional e complementar, se quiser, porque ele não precisa dela. Já outros tipos de professores usam a parafernália como verdadeiras muletas, porque sem esses instrumentos adicionais eles, simplesmente, não conseguem ministrar suas aulas e assim são incapazes de convencer, encantar e ensinar. Assim, como já foi dito, eu não consigo considerar esses sujeitos nem como professores, quanto mais, como “Bons Professores”. Ao contrário, eu entendo que eles atrapalham e prejudicam a Educação.

Em outras palavras, o "Bom Professor" tem que ser um sujeito carismático e capaz de arrastar multidões através da verdade de sua fala e de sua expressão profissional, independentemente do apoio instrumental que ele possa ter à sua disposição. Os alunos querem e têm prazer em assistir a aula do "Bom Professor", haja vista que ele convence muito mais pelo que diz, do que pelo que pode ser capaz de demonstrar através de instrumentos. Todavia, no que se refere aos outros tipos de professores, a situação varia em diversas maneiras, as quais não cabem serem discutidas neste momento.

O "Bom Professor" parece conseguir fazer uma espécie de "transplante", durante a sua aula, no qual ele coloca o cérebro no lugar do coração ou vice-versa e argumenta de forma soberana e eficaz. Sua aula muitas vezes é uma preleção que emociona os expectadores. Obviamente isso só é possível se ele tiver conhecimento de causa, isto é, que ele saiba do que está falando, tenha excelente leitura do idioma e seja capaz de mostrar toda sua sabedoria. Quando essa "mágica" acontece, o aluno fica encantado e o "Bom Professor" passa a ser uma entidade especial no pensamento daquele aluno.

Eu, me considero um "Bom Professor", porque ao longo de quase 50 anos como profissional do magistério, acredito que consegui convencer e fascinar a grande maioria dos meus alunos. Sempre fui bastante homenageado pelos meus alunos e congratulado por colegas. Mas, eu não sou melhor que ninguém, sou apenas mais um ser humano que também habita esse planeta de provas e expiações, e que trabalha duro no seu ofício de ensinar, tentando acertar mais e fazer o bem.

E por fim, quero lembrar que: "fazer o bem, realmente faz muito bem" ou se você preferir, "mais se beneficia, quem melhor serve", haja vista que estamos aqui para servir aos nossos semelhantes, tanto biofísica, quanto espiritualmente. Sou suspeito, mas acredito que a condição de estar Professor nesta vida, talvez seja a melhor maneira que o ser humano possui, para servir às pessoas individualmente, às comunidades localmente, às sociedades amplamente e à humanidade como um todo. 

 Esse ano, no dia 15 de outubro ("Dia do Professor"), aquele profissional que interfere na vida de todos os demais profissionais, na minha mensagem aos meus colegas de profissão, eu disse o seguinte: "Parabéns, para todos nós, que assumimos o compromisso de melhorar as pessoas, através da Educação". Muito obrigado, por me permitirem refletir e falar sobre isso, além de tornarem meu dia mais agradável e mais interessante. Eu vou aproveitar o momento para fazer algumas considerações adicionais, que julgo importantes sobre nós, os "Bons Professores".

Há uma metáfora famosa que o seguinte: "o "Bom Professor" é um anjo sem asas", mas eu entendo que nós, já que estamos aqui na Terra, não podemos ser comparados com anjos. Como "Bons Professores" somos seres humanos bons, bem-intencionados e sobretudo éticos, cientes de que temos direitos, deveres, defeitos e que, acima de tudo, queremos que todos os seres humanos no futuro, os quais, talvez, até possam vir a ter asas e a partir daí, quem sabe, possam voar livremente. Se isso pode realmente acontecer, o nome do processo que poderá permitir aos seres humanos a aquisição dessas asas para voar e se desenvolver, sem dúvida nenhuma, só pode ser Educação. 

Os "Bons Professores" são seres humanos proativos, rebeldes e especiais que lutam e se apegam nesse processo (Educação), porque querem melhorar os seres humanos e acreditam piamente que, ao contrário do que diz a metáfora, eles não são anjos, são pessoas (seres humanos) que têm cérebro, coração, braços, pernas e que sonham com um mundo melhor. Por isso mesmo, os "Bons Professores" têm absoluta certeza de que, somente a Educação pode levar a humanidade a uma condição melhor e superior, quem sabe, até com asas verdadeiras.

Contudo, antes de sonharmos em ganhar asas, precisamos ter os pés no chão e devemos entender, de uma vez por todas, que "a Educação é a única solução para a humanidade" e que o "Bom Professor" é o principal caminho para levar a humanidade à solução de todas as suas mazelas psicológicas, sociológicas, emocionais e espirituais. Trabalhar pela Educação dos demais seres humanos é uma obrigação de toda humanidade, que se profissionalizou como tarefa dos Professores, ainda que esse não seja o interesse de alguns governos e certos dirigentes pelo mundo afora.

Quando escolhemos o nosso ofício de Professor nos tornamos responsáveis por travar essa luta e nós não podemos desistir dela, enquanto estivermos por aqui, até, porque, somos cientes de a Educação é o que diferencia e identifica o ser humano. A capacidade de aprender e ensinar, acumulando, transmitindo, ampliando conhecimento e agregando cultura ao longo das gerações são características quase que exclusivamente humanas.

O ser humano do futuro só existirá, se a humanidade continuar aprendendo e aprimorando, cada vez mais, o seu conhecimento. Temos que garantir que essa possibilidade não seja uma utopia e que continue se mantendo como possível, por isso mesmo e que nós precisamos qualificar mais nossa profissão e formar novos "Bons Professores".

Hoje, a "festa" do Dia do Professor, já está quase acabando, mas, a missão do "Bom Professor", nesse mundo de poucos valores e muitos interesses indevidos e nefastos, está apenas começando. Trabalhemos, pois, para manter a Educação como uma referência pessoal, comunitária e social, apesar de certos dirigentes e alguns governos. Nossa "festa" pela melhoria educação deve continuar acontecendo, independentemente de outros interesses, pois somos cientes de nossa missão.

Não importa qual seja o sistema político do país, desde que haja educação efetiva e de qualidade no propósito do sistema, certamente haverá melhora nas pessoas. Todos os países do mundo que deram ou que estão dando certo, assumiram a Educação como prioridade e o Professor como agente fundamental desse sucesso. Infelizmente, nessa questão específica, o Brasil ainda não acordou e continua "deitado eternamente em berço esplêndido".

Historicamente, o nosso país tem dito e repetido que deseja sair da "rabeira" nos "rankings" internacionais de Educação e que vai trabalhar para isso. Entretanto, por outro lado, o que se observa é que praticamente nada de concreto tem sido feito para mudar essa situação vexatória. Para que saiamos das últimas colocações nos ranqueamentos, será preciso que, doravante, todos os dias sejam "Dias dos Bons Professores" e que trabalhemos com afinco na direção de manter uma Educação de qualidade no país.

Para que isso possa efetivamente acontecer, será fundamental que tenhamos um incremento significativo no número desses "Bons Professores", pois só desta maneira, nossa tarefa poderá ter êxito. Assim, já sabemos da nossa necessidade prioritária, que é formar novos "Bons Professores". Todavia esses "Bons Professores" necessitam estar verdadeiramente comprometidos com a tarefa de produzir seres humanos melhores para o futuro. 

Enfim, necessitamos trabalhar para formar "Bons Professores" no Brasil e tornar esses sujeitos em profissionais realmente atuantes dentro das escolas e influentes nas ações de suas comunidades. Pensem muito seriamente nisso, meus amigos.

*LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA




Biólogo (Zoólogo);
Professor;
Pesquisador;
 Escritor;
Revisor; e 
Ambientalista








Nota do Editor:

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sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Sobre Eleições e Democracia !




Comecei a escrever este artigo no sábado, 05 de outubro, véspera das eleições municipais de 2024, logo após a divulgação da nova suspenção das redes sociais do candidato à Prefeitura Municipal de São Paulo, Pablo Marçal, devido publicação de suposto atestado médico falso, onde se mostrava internação do também candidato Guilherme Castro Boulos, por uso de cocaína.

Ato contínuo, o ministro Alexandre de Morais; tirano imperador do Brasil, que diga-se com sinceridade, manda mais que o presidente imposto aos brasileiros pelo TSE Tribunal Superior Eleitoral; dava declaração que o candidato Marçal, pelo uso do "X", antigo "Twitter", está intimado a prestar depoimentos em 24 horas e possibilidade de ter candidatura cancelada e ter inelegibilidade decretada. A imprensa o está acusando, dirigindo a ele as mais duras críticas, em grande demonstração de apoiar o ministro do Supremo. Democracia!

Um outro candidato a prefeito de São Paulo, senhor José Luiz Datena, ao vivo e frente às câmaras, em pleno debate eleitoral, desferiu tremenda cadeirada no candidato Marçal, em suposta tentativa de homicídio, e não recebeu a mínima menção, ou interpelação, por quaisquer autoridades do judiciário, sobre esta atitude violenta. A imprensa, parece, nem viu violência em tal episódio, e os comentários que fizeram, logicamente, foram favoráveis a Datena, considerado a vítima do fato. Entretanto quem precisou ser levado ao hospital para atendimento, foi quem levou a cadeirada. Democracia!

Enquanto escrevia essa introdução ao meu artigo, Moraes decretava a suspensão de mais uma conta no Instagram, do candidato Marçal. Mais um espetáculo de censura com aparência de justiça. Democracia!

Uma outra candidata à prefeitura de São Paulo, senhora Tábata Cláudia Amaral de Pontes, declarou tacitamente: "Eu jamais aceitaria estar ao lado de uma pessoa que foi condenada e presa." Entretanto ela está, sempre que pode, em companhia do senhor presidente Lula da Silva, em clara demonstração de hipocrisia pura e simples. Democracia!

Mas as horas foram passando e pudemos ver outras boas demonstrações de Democracia!

O "X", antigo “Twitter” que, numa atitude extremamente democrática, fora obrigado por Moraes a parar de operar no Brasil pelos motivos que, não só o Brasil, mas o Mundo, atônito, viu, somente voltou a operar após pesadas multas e obrigações impostas a Elon Musk, proprietário da rede social, APÓS AS ELEIÇÕES. Democracia!

Diz-se por toda parte que a intenção oficial era colocá-lo fora do ar para que fossem facilitadas as campanhas eleitorais dos candidatos de esquerda, uma vez que a população e a direita brasileira são muito atuantes naquela rede social. Democracia!

Nesta semana o presidente da Câmara, Arthur Lira, avisou os Ministros do STF que nenhum Projeto que limitar o poder da Corte será adotado. Já a posição de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, todos nós já conhecemos. Vejam só, 36 Senadores e 152 Deputados, já assinaram pelo impeachment de Moraes, e, nada acontece. Mais ainda, uma Petição Pública pedindo o impeachment já tinha, em 13 de setembro passado, 1,5 milhão de assinaturas, mas nada será feito. Democracia!

Nesta semana no seu Instagram, O Antagonista, publicou que "Coaf vê envolvimento de autoridade em esquema para venda de decisões no STF", e, que a Suspeita fez a PF, que investiga o caso em sigilo, e o MPF solicitarem o envio do inquérito para tramitação no STF. Na mesma rede social, a população vem registrando sua opinião, dizendo que se foi para o STF, nada será apurado e os envolvidos, inocentados. Democracia!

Aliás, a democracia no STF é tão atuante que, nos dias passados foi descoberto esquema de venda de drogas e tráfico DENTRO do próprio STF. Aliás o mesmo STF que solta criminosos, traficantes e quer a liberação das drogas no Brasil. Democracia!

Voltando a falar em eleições, na minha cidade, Ribeirão Preto, um candidato a Prefeito na presente eleição, tinha certeza de ser eleito em primeiro turno no dia 06 passado, com números que ele apresentava, como sendo da ordem de 75%. Foi surpreendido pela votação do candidato do partido NOVO, que não teve verba do fundão eleitoral, nem rádio e tv, e que chegou junto com aquele que já se achava vencedor, ao segundo turno. A votação desse "azarão" que chegou junto para disputa do segundo escrutínio foi com votação surpreendente. Agora que ambos passam a ter tempos semelhantes nas rádios e tvs nesta segunda fase de campanha eleitoral, o que chegou junto, quando apresenta seu programa de governo, tem sua campanha acusada de estar dividindo a população. Democracia!

É assim que os políticos olham a população: Se não concordam com o que pensam, olham-na como "ELES", ou seja, seguem a fórmula implantada pela esquerda no nosso amado Brasil, como a fórmula do "nós" e "eles". Hoje em dia é assim, se nosso pensamento não se assemelha com o do parceiro, do nosso vizinho, ou do nosso oponente em ideias, ou sentimentos, somos rotulados de fascistas, radicais, ou qualquer outra alegação sem fundamento. Democracia!

O Brasil, parece, se acostumou a ver-se dividido entre o "Nós e Eles". Não se pode estar junto só por se ter uma posição ou uma opinião diferente. Bons tempos em que a diversidade de ideias e ideais era salutar para o crescimento da diversidade dos comportamentos sociais e do fortalecimento da cidadania.

Querem apenas a unicidade a seu favor. Democracia!

PS: Significado de Unicidade - substantivo feminino - Característica ou condição de ser único, de não haver outros; singularidade: compreensão de um fenômeno na sua unicidade. Etimologia (origem da palavra unicidade). único + idade.

*ELI DOS REIS
























-Graduado em Economia pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da UMC-SP (1974); 

-Especialista em Gestão Empresarial pela Universidade Paulista UNIP (2012); 

-Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância pela Universidade Federal Fluminense (2017);

-Consultor Empresarial e de Vendas, além de Corretor de Imóveis credenciado pelo CRECI-SP;

- Presidente do Lar dos Velhos da Igreja Presbiteriana  e 

 -Primeiro Secretário do GACC Grupo de Apoio à Criança com Câncer .


Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores

Faltam propostas e abundam violências nos debates políticos


 

Rodrigo Augusto Prando (*)

Temos, infelizmente, visto cenas lamentáveis nos debates entre os candidato a prefeito nos mais de 5 mil municípios do Brasil. Na cidade de São Paulo, por exemplo, faltam propostas e abundam distintas violências, daquelas retóricas até a física, com cadeirada e soco. A quadra histórica é de força da lógica dos algoritmos, que capturam os sentimentos – medo, ódio, angústia, euforia – e desprezam os atores políticos mais ponderados, racionais e com propostas.

Já há, em curso, uma discussão se vale a pena manter debates no período eleitoral ou, ao menos, se esse modelo não se encontra esgotado, superado mesmo. Obviamente, São Paulo – onde vivo e voto - tem candidatos comprometidos com o debate político civilizado, com a democracia, com ideias, propostas e com respeito às regras e aos adversários. No entanto, existe, também, Pablo Marçal que, desde o início, deixou claro se pouco apreço pela democracia, pelos partidos políticos, pelas instituições e pelas regras do jogo. Marçal, ressalte-se, é sintoma e não a causa de uma situação que, para muitos, avança na direção de uma anomia e de aprofundamento da crise das democracias liberais representativas.

Questionamentos atinentes ao modelo dos debates são válidos. Classicamente, temos perguntas de candidato para candidato, direito a réplica e a tréplica; perguntas dos jornalistas; perguntas do público (telespectadores e internautas) e direto à resposta em caso de ofensa à honra. O fato é que não há modelo que sirva quando surgem figuras carismáticas, populistas, extremistas e avessas às regras. Simplesmente, não se enquadram e isso é parte de seu DNA político. Não raro, o olhar do populismo extremista é de quem não entende o outro candidato como adversário e sim como inimigo; mais do que isso, o mundo se divide em dois grandes grupos: os que estão comigo e são amigos (eu e o povo) e os inimigos (todos os demais candidatos, partidos, mídia, intelectuais, instituições, etc.). A retórica do ódio, nos debates, as ofensas, fake news, pós-verdades, distintos negacionismo e teorias da conspiração não são invenções recentes e tampouco de Marçal, pois atores políticos como Donald Trump, Nicolas Maduro, Jair Bolsonaro, entre tantos outros servem-se desse expediente corrosivo à democracia. Um outro aspecto: esses candidatos se colocam, quase sempre, na condição de vítimas, perseguidos pelos sistema, mas consideram-se ungidos e assumem postura messiânica.

Some-se a esse quadro geral o fato, também, que vivemos numa sociedade hiperconectada em rede, cuja força das redes sociais e das big techs são evidentes. Temos, ademais, uma lógica inerente aos algoritmos que selecionam e impulsionam conteúdos que mobilizam os sentimentos: medo, raiva, ódio, angústia, frustação, alegria, excitação. Desta forma, na sociedade e nos debates políticos o conteúdo racional, ponderado, explanado com clareza, propostas concretas e não milagrosas perdem espaço.

Alguém, então, indaga: não se pode excluir figuras extremistas e corrosivas? A democracia não traz em seu bojo a diversidade? Mas, ao valorizar a diversidade e a pluralidade não estaria a democracia refém daqueles que usam a democracia, a liberdade de expressão e as instituições para justamente solapar essas conquistas civilizacionais? Aqui, o famoso paradoxo da tolerância. Não é simples resolver um problema assaz complexo.

Não bastassem a violência retórica e as fake news – que muitos entendem como mera liberdade de expressão – vivenciamos episódios de violência física. José Luiz Datena, no debate da TV Cultura atingiu Marçal com uma cadeirada; no debate promovido pelo Estúdio Flow e Flow News, Marçal foi expulso por descumprimento das regras acordadas e um de seus assessores agrediu o assessor do Prefeito Ricardo Nunes com um soco, deixando caído, desacordado e ensanguentado. Isso tudo é a pura e evidente negação da política, que busca equacionar e resolver os conflitos por meio do diálogo, dentro das instituições e respeitando as leis.

Por fim, é importante enfatizar que este artigo – panorâmico – não pretende esgotar o tema. Temos que, no âmbito social e político, que retomar a importância da política, do debate civilizado e valorizar a democracia. O tempo das redes sociais e sua lógica algorítmica não pode determinar o tempo das instituições e das leis. A democracia reclama por democratas e democratas atuam com educação cívica e firmeza.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

A Guarda unilateral e o Desinteresse do Pai


Autor: Marcelo Bacchi Correa da Costa(*)

Nos processos judiciais em que se discute a guarda dos filhos, especialmente nos procedimentos litigiosos, o desgaste emocional das partes envolvidas é uma preocupação constante.

A criação e a proteção dos filhos enquanto não atingirem a maioridade é obrigação dos pais, e quando há a ruptura do vínculo conjugal, estabelecer a guarda dos infantes nem sempre há consenso entre o casal.

Entretanto, a guarda será sempre estabelecida de acordo com os interesses da criança ou do adolescente porquanto é direito dos menores serem assistidos de maneira ampla e irrestrita conforme as suas necessidades.

A guarda é um atributo do poder familiar, mas não se confunde com ele porque existem situações em que a guarda dos menores é transferida para terceiros, para os avós por exemplo, sem que isso signifique a perda do poder familiar dos pais e sim alteração da guarda dos filhos.

Com isso, percebe-se que a guarda é conferida àquele que possui condições de criar, educar, assistir materialmente e psicologicamente o menor, permitindo o seu desenvolvimento físico e psíquico.

O direito brasileiro confere algumas modalidades de guarda, a saber, guarda comum, guarda originária e derivada, guarda de fato, guarda provisória e definitiva, alternada, compartilhada, enfim, cada situação concreta enseja uma modalidade a ser aplicada.

Atualmente, os juristas indicam, a priori, que a guarda dos menores deva ser compartilhada, ou seja, responsabilidades conjuntas e exercício mútuo dos direitos e deveres dos pais que não vivem sobre o mesmo teto.

Se a guarda compartilhada não cumpre a sua função primordial, que são as responsabilidades conjuntas, a sua alteração é a medida a ser imposta porque, repita-se, os interesses do menor se sobrepõem a qualquer situação vivenciada.

Trazendo um exemplo para elucidar o tema, o TJCE em recente decisão alterou a guarda compartilhada concedida em primeiro grau de jurisdição, concedendo a guarda unilateral para a mãe.

O filho contava com dois anos de idade e a genitora alegou que o pai esteve ausente desde a gestação, não oferecendo apoio emocional e financeiro e nem demonstrando laços afetivos com a criança após o nascimento.

Neste quadro fático, a genitora conseguiu demonstrar que o regime jurídico da guarda compartilhada não surtia o efeito desejado, sendo inadequada, e não representava o melhor interesse da criança.

O TJCE considerou que o genitor não teve contato com a criança desde o nascimento, e que, mesmo após ser notificado legalmente, não apresentou nenhuma resposta ou demonstrou interesse em participar do processo de guarda. Assim, foi concedida a guarda unilateral à mãe.

A decisão mostra-se interessante do ponto de vista jurídico porque, ao modificar a guarda passando-a para unilateral, ficou estabelecido um regime de convivência mais restrito para o pai por meio de videochamadas e presencialmente supervisionadas pela mãe, pois seria a melhor opção para o bem-estar da criança.

Assim, ficou demonstrado que os casos de guarda vêm evoluindo, com tendência cada vez mais clara de valorização do interesse da criança acima de qualquer outro fator.

Portanto, as circunstâncias para estabelecer a guarda são específicas de cada caso e o primordial é sempre estabelecer o que for mais interessante para o menor. A decisão conferida por aquele Tribunal nos mostra que os pais devem participar ativamente da vida dos filhos, e quando deficitária a participação, é necessário ajustes no regime de guarda, e a modalidade de videochamadas pode ser um precedente interessante ao lado das visitas assistidas.

*MARCELO BACCHI CORRÊA DA COSTA
























-Advogado graduado pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, em Campo Grande/MS (1999);

-Especialista em Direito Público (2012);

-Especialista em Ciências Penais (2013);

-Advogado há 24 anos na cidade de Campo Grande/MS e região

CONTATOS
Tel/Whatsapp: (67) 99221-0475
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terça-feira, 22 de outubro de 2024

A Sociedade do Cansaço e o Direito do Trabalho


 Autora: Maria Rafaela de Castro (*)

O trabalho humano é um agente responsável pela transformação e amadurecimento do indivíduo. Ele acompanha a História da humanidade, razão pela qual vem mudando sua forma de organização de acordo com os séculos e as sociedades.

Houve o trabalho escravo nas civilizações antigas e, na contemporaneidade, vive-se mediante a regulamentação (ou a necessidade de regulamentar) do trabalho assalariado.

Assim, desde a 1ª Revolução Industrial, existe a sociedade do controle ou da disciplina que se caracteriza, entre outros, pela presença de um indivíduo fisicamente no local de trabalho denominado de chefe, gerente, supervisor, por exemplo, que dita as regras de comando para seus subordinados, exercendo o poder diretivo clássico, sustentado, entre outros, nas ideias de Michael Foucault na prestigiada obra Vigiar e Punir, por exemplo.

A sociedade de obediência ou disciplina compreende a forma de trabalho assalariado clássica que surgiu desde as primeiras fábricas da Inglaterra e que ganharam o mundo em maior ou menor velocidade.

O impacto dessa exploração da mão de obra foi o berço do surgimento do direito do trabalho que teve como eixo básico a relação de emprego caracterizada, entre outros pressupostos, pela subordinação jurídica.

O direito do trabalho surge, nessa época, com o objetivo maior de propiciar o mínimo de direitos necessários aos trabalhadores, como o salário-mínimo, a fixação de jornada máxima de trabalho diário etc. Portanto, nesse âmbito de regulação das atividades trabalhistas, o poder diretivo do empregador, de forma clara, palpável e expressa, era exercido na sociedade da disciplina.

O empregado tinha consciência de sua condição – de empregado – e que era subordinado ao seu empregador, aguardando as orientações para executar seus trabalhos. Havia uma noção latente de pertencimento de classe e de senso de comando.

O controle e a disciplina desse clássico tipo de sociedade existia justamente porque era possível identificar o agente empregador e quem, sob suas ordens, comandava a atividade produtiva entre o proletariado.

Com o decorrer da História, a legislação trabalhista foi se moldando às realidades e às necessidades do seu tempo.

O direito do trabalho, portanto, que outrora surgiu como freio necessário para conter as explorações indevidas ou demasiadas do capitalismo que possam comprometer a ideia de trabalho digno, passou a enfrentar novos desafios com a evolução dos meios de exploração da mão de obra.

A sociedade de desempenho surgiu com toda a sua força e atualmente demonstra que o indivíduo passa a ser explorado por si próprio mediante a indução das ideias trazidas pelo empregador que se utiliza de mecanismos invisíveis para criar metas a serem cumpridas pelo trabalhador.

É nessa visão de se auto explorar que surge a filosofia da sociedade do desempenho também é compreendida como sociedade do cansaço. Afinal, nessa sociedade,, substituiu-se o gerente, supervisor e coordenador por meios invisíveis de comando, dos quais, em situações como a uberização (labor em plataformas digitais como a Uber, 99, Bolt, Ifood, Glovo etc) passam a ser monitoradas por algoritmos.

Portanto, o sistema capitalista mudou o registro da exploração estranha (feita por terceiro/exterior ao indivíduo) para a exploração própria mediante a imposição de metas e técnicas de manipulação das emoções a fim de acelerar o processo sob a ótica de desenvolvimento de um mundo melhor, podendo nos livrar de formas ultrapassadas e hostis de trabalho.

Com isso, a sociedade do controle foi migrando para um modelo organizativo da produção de maneira mais produtiva e que maximize a competitividade mediante a exploração do indivíduo que é o carro – chefe da sociedade do desempenho.

A ideia de sociedade de desempenho está atrelada ao aperfeiçoamento tecnológico na medida em que a civilidade das relações está cada vez ameaçada por ideias como precarização do trabalho.

Isso exige um novo reposicionamento do direito do trabalho, na medida em que estão buscando, nesse novel modelo, maximizar a atividade produtiva a qualquer custo.

Essa dinâmica promove um retrocesso de muitos direitos trabalhistas conquistados no decorrer dos séculos e atingindo em cheio o proletariado, principalmente, de serviços nesse século XXI, com um afastamento da ideia de trabalho digno da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Caminhou-se, desde o início do século XIX, por alguns modelos de organização da máquina produtiva, iniciando-se nas fábricas de automóveis que variaram de como ocorrerá a execução das tarefas a serem desempenhadas pelos operários.

Primeiramente, houve o taylorismo capitaneada por Frederick W. Taylor em que a produção industrial nas fábricas de automóveis passou a ocorre em massa, com os obreiros laborando com tarefas de trabalho fragmentadas obecedendo a um chefe físico que comanda a organização produtiva.

Após, na década de 50 do século XX, especializou-se a organização produtiva nas fábricas de veículos da Ford (fordismo) com a especialização do desempenho das funções e a utilização de esteiras.

O foco era a organização do trabalho em linhas de montagem em grandes plantas industriais em que os trabalhadores ficavam submetidos às mesmas condições (boas ou ruins) de trabalho na produção em massa.

Com a década de 60 do aludido século, as fábricas da Toyota (toyotismo ou ohnista) passou a desenvolver ainda uma forma de produção ainda mais especializada, na medida em que havia a coordenação da produção de acordo com a demanda específica de diferentes modelos de veículos, nascendo o que chama-se atualmente de produção flexível ou modelo just in time.

A evolução desses meios de exploração da mão de obra com o intuito de aumentar a produtividade foi responsável no século XXI pela uberização que se torna uma espécie de carro – chefe na sociedade do cansaço trazida pelo autor sul coreano mencionado, haja vista reunir as condições de auto exploração, atingimento constante de metas, e, ainda, imbuído de extrema positividade.

Constata-se que as sociedades ocidentais não são mais designadas pela negatividade típica de épocas. Antes, existia a ideia de limites no desempenho das atividades na sociedade do controle.

Aliás, a expressão sociedade do controle se refere ao ideal organizacional demonstrado com o fordismo, taylorismo e toyotismo em que na composição do poder diretivo, nota-se a figura de um chefe detentor da organização trabalhista, fixando as atividades e condições do desempenho dos misteres.

Contemporaneamente, a fixação de metas se torna algo normalizado, pois se considera a necessidade frequente de superação, com a ultrapassagem sempre constante das metas fixadas.

A sociedade presente se distingue pelo excesso de positividade com a precarização dos direitos trabalhistas. Isso porque a positividade surge na ideia de que o trabalhador pode superar todos os desafios impostos e produzir constantemente sem a preocupação com o seu descanso. Será o caso de positividade tóxica? Pois bem, surge aí nova reflexão.

Até porque o próprio capitalismo se atualiza no decorrer das décadas, observando-se a migração do capitalismo das máquinas para o financeiro, do qual se ingressam as tecnologias de ponta, a descoberta da inteligência artificial etc.

Na sociedade de desempenho, não se desliga, o indivíduo nem pensa em ser off line, mas somente, em regra, em produzir e dar resultados. Tal comportamento se transforma como único ideal de vida.

O indivíduo deixa seu ambiente laboral, mas o trabalho não o abandona, persegue-o durante toda sua volta para casa ou nos momentos de lazer. (Quem nunca teve essa sensação atire a primeira pedra!).

Na sociedade do desempenho, ocorre o fenômeno da flexibilização dos direitos trabalhistas e, de certa forma, um afastamento do direito à conexão do obreiro que permanece em constante movimento produtivo, culminando em doenças mentais e esgotamentos (síndrome de Burnaut) em que o indivíduo entra em estado de cansaço, exaustão e, assim, a sociedade do cansaço começa a conhecer seus contornos mais gravosos.

Nesse tipo de sociedade, observa-se que o trabalhador se encontra à mercê de exploração que se propõe a sempre submetê-lo ao cumprimento de metas e trabalho contínuo. E, ainda, faz tudo isso em nome de uma ilusão de autonomia, de empreendedorismo e de que é dono do seu tempo. Com isso, a exaustão da sociedade do desempenho galga raízes fortes em nossos ambientes laborais.

* MARIA RAFAELA DE CASTRO

















-Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará(2006);
-Pós -Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá (2008);
-Mestrado em Ciências Jurídicas na Universidade do Porto Portugal(2016);
-Doutoranda em Direito na Universidade do Porto/Portugal;
Juíza do Trabalho Substituta da 7a Região; 
-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;
-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;
-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;
-Professora do curso Gran Cursos online;
-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e
-Palestrante.
- Instagram @juizamariarafaela

Nota do Editor:

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As conexões entre a Música, a Propriedade Intelectual e o Direito Desportivo


 

Karolyne Toscano Vasconcelos (*)


A canção "Fio Maravilha", posteriormente intitulada de "Filho Maravilha", de Jorge Ben Jor, permanece até hoje como um clássico da música brasileira, com uma melodia envolvente que transcende décadas. Entretanto, a história por trás dessa obra revela uma interessante disputa judicial que perpassa a propriedade intelectual, direito autoral, direito marcário e desportivo, ilustrando bem como a cultura popular pode se entrelaçar com a esfera jurídica.

O artigo explora esse ícone musical da cultura brasileira sob o prisma jurídico, analisando as implicações e os desdobramentos do caso no contexto remoto e atual.

O contexto da obra: Fio Maravilha e o gol que virou música

A música "Fio Maravilha" foi lançada em 1972, em homenagem a um momento marcante da carreira de João Batista de Sales, mais conhecido como Fio Maravilha, quando o jogador marcou um gol histórico no Maracanã pelo Flamengo. No mesmo ano, a canção foi interpretada por Maria Alcina no Festival Internacional da Canção, alcançando grande popularidade e estabelecendo-se como um marco cultural da música brasileira.Apesar do sucesso imediato, o uso do nome "Fio Maravilha" acabou gerando um conflito jurídico entre o jogador e o compositor Jorge Ben Jor. Fio Maravilha, sentindo-se lesado por não receber royalties pelo uso de seu nome, decidiu processar o cantor, pleiteando uma parte dos lucros oriundos da música que carregava seu apelido.

Os Direitos Autorais e a proteção da obra criativa

Para compreender melhor o caso, é necessário entender a base jurídica que sustenta os direitos autorais. No Brasil, a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (Lei de Direitos Autorais) protege a criação intelectual em suas mais diversas formas – músicas, textos, pinturas, entre outras manifestações artísticas. Por essa legislação, o direito autoral é exclusivo do criador da obra, que detém o controle sobre sua utilização, divulgação, reprodução e distribuição.

No caso de Jorge Ben Jor, a faixa "Fio Maravilha" foi inteiramente composta pelo músico. A composição, letra, e melodia foram criações originais do artista. Para o advogado Rodrigo Couto, embora a figura de Fio tenha sido a inspiração para a música, o jogador não teve participação direta na sua criação, razão pela qual ele não poderia, juridicamente, reivindicar participação nos direitos autorais da obra.

A decisão judicial, nesse sentido, foi clara: a justiça brasileira negou a pretensão de Fio Maravilha de receber parte dos royalties da música, uma vez que não havia elementos que justificassem o reconhecimento de sua contribuição na criação artística em si.

Inspiração e o Direito Autoral

Um dos aspectos mais interessantes desse caso é a discussão sobre a linha tênue entre a inspiração e a coautoria. Em muitas obras artísticas, figuras públicas ou fatos servem como inspiração para a criação de personagens, músicas ou filmes. No entanto, a inspiração por si só não confere direitos sobre a obra. Para que haja qualquer participação nos direitos autorais, é necessário haver contribuição efetiva para a criação da obra.

Um caso emblemático e análogo ocorreu nos Estados Unidos com o filme "Citizen Kane" (1941), de Orson Welles. O filme foi fortemente inspirado na vida do magnata da imprensa William Randolph Hearst, o que gerou grande controvérsia na época. No entanto, como Hearst não teve nenhuma participação na criação do roteiro ou na produção do filme, ele não poderia reivindicar direitos autorais sobre a obra, mesmo que sua vida pessoal tenha servido de inspiração direta.

Assim, "Fio Maravilha" seguiu a mesma lógica: a canção foi inspirada no gol icônico de João Batista, mas a criação da obra foi totalmente de Jorge Ben Jor. Dessa forma, o jogador não tinha nenhum direito autoral sobre a música.

Direito de imagem e Direito Marcário: O que mudaria com a Lei Pelé?

Embora o processo inicial tenha sido decidido com base nos direitos autorais, o caso Fio Maravilha traz à tona uma questão que, atualmente, seria tratada de forma diferente: o uso do nome e imagem de atletas profissionais. Com a entrada em vigor da Lei Pelé (Lei 9.615/98), houve uma ampliação da proteção dos direitos de imagem de atletas, que passaram a ter maior controle sobre o uso de seus nomes e apelidos para fins comerciais.

A legislação tornou-se um marco importante na proteção do direito de imagem no Brasil, particularmente no que diz respeito aos atletas. Sob a égide da Lei Pelé, nomes, apelidos e pseudônimos desportivos são considerados ativos intangíveis, sujeitos à proteção jurídica. Dessa forma, se a canção "Fio Maravilha" fosse lançada nos dias de hoje, o jogador João Batista teria a possibilidade de impedir o uso de seu apelido ou, pelo menos, exigir uma compensação financeira pelo uso comercial da marca "Fio Maravilha".

O Direito Marcário na proteção de nomes de artistas e atletas

O uso de marcas e nomes no contexto esportivo tem ganhado relevância com o crescimento do mercado de marketing desportivo. Os atletas, assim como artistas e celebridades, passaram a registrar seus nomes e apelidos como marcas, garantindo a exclusividade de seu uso em produtos e campanhas publicitárias.

No caso de Fio Maravilha, se ele tivesse registrado o nome "Fio Maravilha" como uma marca, ele teria mais chances de obter uma compensação financeira pelo uso do apelido na música de Jorge Ben Jor, ainda que os direitos autorais sobre a obra musical fossem inteiramente do cantor. Este seria um cenário possível na era moderna, em que nomes como "Pelé" e "Neymar" são ativos valiosos no mercado global.

Um exemplo claro dessa prática é o jogador Michael Jordan, que garantiu a proteção de seu nome e imagem em diversas jurisdições. Em um processo de 2012, Jordan processou a rede de supermercados Dominick's, que utilizou sua imagem sem autorização em um anúncio. O tribunal decidiu em favor de Jordan, condenando a rede a pagar uma indenização milionária.

Considerações Finais


O caso Fio Maravilha é emblemático, pois ilustra como a cultura, o direito e os interesses comerciais se entrelaçam em disputas sobre propriedade intelectual. No cenário atual, marcado pela Lei Pelé e pela crescente conscientização dos direitos de imagem, é possível que Fio tivesse uma posição mais forte para negociar o uso de seu nome. No entanto, no contexto da época, o direito autoral prevaleceu, garantindo a Jorge Ben Jor a exclusividade sobre sua criação artística.

Hoje, com a evolução das leis que protegem a imagem de atletas e figuras públicas, casos como este exigem uma análise mais cuidadosa, que leve em consideração tanto os direitos autorais quanto os direitos de imagem e marcas.

O legado do caso Fio Maravilha serve como um exemplo de como o direito pode acompanhar as transformações culturais e econômicas, e como essas transformações exigem uma interpretação jurídica mais ampla, que contemple os direitos das diversas partes envolvidas em uma obra cultural.

*KAROLINE TOSCANO VASCONCELOS









-Advogada inscrita na OAB/PB sob o nº 30.201;

-Bacharela em Direito pela Unifacisa Centro Universitário (2020);

-Pós-graduanda e em Direito Digital, LGPD e Proteção de Dados,Direitos Humanos,Direito Constitucional Aplicado e Direito das Mulheres pela i9 Educação ;

-Membro da Comissão de Direito Digital, Internet, Tecnologia e Inovação da OAB/PB, Subseção Campina Grande.

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