Autora: Ana Paula Santana(*)
"A luta pela vida educa por ser o direito mais radical da condição humana."Miguel Arroyo
Os movimentos sociais educam. É já reconhecido a capacidade dos movimentos sociais de ensinar e mobilizar os oprimidos sobre os direitos básicos. Contudo, é necessário ir adiante e perceber que a mobilização organizada por tais movimentos propõe ir além de reivindicações por direitos básicos. Eles nos ensinam sobretudo sobre a luta de classes. A retórica acerca das contradições presentes na sociedade de classes é um convite para reflexões ousadas e transformadoras da própria condição humana de existência.
As reivindicações sobre direitos básicos como terra, moradia e trabalho são a essência dos movimentos sociais tradicionais. Trata-se da luta por sobrevivência digna, por emancipação. Diz respeito ao enraizamento da nossa condição humana como afirma Arroyo: "que eles (os movimentos sociais) nos remetem ao perene da condição humana: a terra, o lugar, o trabalho, a moradia, a infância, a sobrevivência, a identidade e diversidade de classe, idade, raça ou gênero". (2011, p. 38)
Assim sendo, os coletivos organizados tencionam o Estado e fazem mais que disputa por políticas públicas, pois buscam a transformação de um quadro histórico de descaso e de injustiças. Esta reflexão sobre a reparação histórica necessária aos povos originários ou mesmo grupos sociais excluídos tem ganhado espaço. Surgem novas reflexões sobre as diferentes formas de opressão na sociedade de classes. Ao mesmo tempo que conhecemos as opressões procuramos formas de lutar contra elas.
É por esse motivo que uma nova geração de movimentos sociais, compostos especialmente por militantes jovens tem como bandeira central as lutas contra o machismo, racismo, homofobia, dentre outras. Esses movimentos educam não somente seus integrantes, mas também toda a sociedade, mesmo que de forma implícita.
Os movimentos sociais e a educação popular
No fazer pedagógico mais que métodos humanizantes os movimentos sociais trazem para a pedagogia a concepção de educação como formação e humanização plena. Não somente no ensino não formal, mas também no ensino formal desde a educação básica ao ensino superior, a influência dos movimentos organizados faz com que os educandos sejam vistos como sujeitos de processos sociais.
Esses educandos trazem para os espaços educativos suas experiências de vida. Muitos deles vivenciaram desde a infância conflitos tensos, armados, perda de companheiros de luta. São experiências pautadas pela luta pela sobrevivência. Nessa radicalidade desde jovens aprendem a reconhecer o coletivo e ver as potencialidades do outro. Portanto, trazem a dimensão humana não só como retórica, mas como vivência. A dimensão destas vivências é política e pedagógica. Sobretudo, nos ensina:
"(...) a ética na dimensões mais radicais da convivência humana, no destino da riqueza, socialmente produzida, na função social da terra, na denúncia da imoralidade das condições inumanas, na miséria, na exploração, nos assassinatos impunes, no desrespeito à vida, às mulheres, aos negros, na exploração até da infância, no desenraizamento, na pobreza e injustiça."(ARROYO, 2011, p.42)
Desta forma, seria difícil aos educadores populares ou mesmo professores do ensino formal que convivem com sujeitos organizados nos movimentos sociais ignorar os saberes que trazem os educandos. Assim os currículos, conteúdos e metodologias, passam a ser pensados de forma a incorporar essas experiências.
Nesse contexto, vemos fortalecida a educação popular. Essa forma de educação é compreendida como aquela que não está institucionalizada. Quem fomenta e coordena são os grupos populares buscando a reparação de desigualdades históricas e sociais. É uma forma de ensino determinada pela realidade e sua perspectiva é histórica e social. Contrapõe o método educacional dominante e por isso, é adotada em diferentes contextos, principalmente pelos movimentos sociais e populares.
A educação popular "é parte do projeto histórico de, um dia, toda a educação realizar-se, em uma sociedade plenamente democrática, como Educação Popular" (LUI apud, BRANDÃO, 2006, p. 54). Essa nova educação não pretende desprezar os conhecimentos populares. Busca práticas que associa o ensino a realidade concreta dos educandos. É um modo de fazer que não está em decadência como por vezes podemos ouvir, e o surgimento de novos sujeitos, em cenários diversos da realidade mundial fazem com que os movimentos sociais e populares busquem aprimorar os modos de fazer.
Conforme Brandão (2006), a educação popular nasce no interior de grupos e movimentos da sociedade civil, alguns deles associados a setores de governos municipais, estaduais, ou da federação. É um movimento de educadores, que trazem, para o seu âmbito de trabalho profissional e militante, teorias e práticas do que então se chamou de "cultura popular", e se considerou como uma base simbólico-ideológica de processos políticos de organização e mobilização de setores das classes populares, para uma luta de classes dirigida à transformação da ordem social, política, econômica e cultural vigente.
Em tempos de crise econômica e vazio de políticas públicas, os movimentos sociais têm protagonizado formas de ensino que não são somente libertadoras, mas que buscam também capacitar os trabalhadores para a busca de emprego. Surgem turmas de qualificação profissional para desempregados, imigrantes, subempregados etc. Essas turmas são parte do modo explícito de educar dos movimentos sociais.
Partindo da compreensão de Paulo Freire supomos que nos espaços de ensino/aprendizado organizados por movimentos sociais há uma dimensão ética, movida pelo desejo da mudança, de se cessar às injustiças e o sofrimento por que passam os oprimidos. Há também um comprometimento que não deixa espaços para discriminação e toda reflexão acerca dos fazeres pedagógicos é carregada de respeito aos saberes dos sujeitos envolvidos no fazer cotidiano.
As metodologias presentes nas práticas de ensino na educação popular procuram dar possibilidade de elencar conteúdos que se traduza em um currículo libertador. Sobretudo, o processo educativo no ensino não formal pretende incorporar segundo Arroyo "formas concretas de socialização, de aprendizado, de formação e deformação a que estão submetidos os educandos" e "ignorar essa realidade e fechar-nos em “nossas” questões, curriculares e didáticas, terminará por isolar os processos didáticos escolares dos determinantes processos socializadores em que os setores populares se reproduzem desde a infância." (2011, p. 33)
A intencionalidade política do fazer pedagógico e a relação com movimentos sociais contribuem para o surgimento de novas formas de ensino, que aliadas à solidariedade entre a classe trabalhadora busca extrapolar a educação formal.
Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido (1987) propõe a humanização das relações e a libertação dos homens, por meio de uma educação solidária, dialogada, sem arrogância, no qual defende a articulação do saber, conhecimento, vivência, comunidade, escola e meio ambiente. Para Freire é a partir da realidade, do conhecimento do nível de percepção dos educandos, de sua visão do mundo que é possível organizar um conteúdo, e, por conseguinte, um currículo libertador.
É exatamente esse currículo libertador que ousamos desvendar. Os educadores brasileiros, organizados em movimentos sociais, conseguem aplicar na relação de ensino modos de fazer que são descolonizados? Supomos que sim! Supomos que há uma nova relação de ensino já em andamento. Novas relações que se estabelecem não somente no ensino informal, mas sobretudo no ensino formal. São relações tencionadas pelos fazeres educativos dos movimentos sociais de forma implícita ou explicita.
Há currículos descolonizados sendo aplicados e precisamos conhecer e divulgar.
Referências
ARROYO, Miguel. Pedagogias em movimento: o que temos a aprender com os movimentos sociais. In. NOGUEIRA, Paulo Henrique de Queiroz; MIRANDA, Shirley Aparecida de (Orgs.). Miguel González Arroyo: educador em diálogo com nosso tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2011;
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 2006;
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
*ANA PAULA SANTANA
-Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais(2004)
-Pós graduada em Psicopedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais(2008);
Mestranda do Programa de Pós- Graduação em Educação (PPGE) da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG);
-Ministra formação de professores visando implantar estratégias para o ensino de jovens e adultos; e
-Integra a Associação Mineira de Psicopedagogia e compõe o quadro de pesquisadores do Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos.
Nota do Editor:
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