Autora: Maria Rafaela de Castro (*)
O trabalho humano é um agente responsável pela transformação e amadurecimento do indivíduo. Ele acompanha a História da humanidade, razão pela qual vem mudando sua forma de organização de acordo com os séculos e as sociedades.
Houve o trabalho escravo nas civilizações antigas e, na contemporaneidade, vive-se mediante a regulamentação (ou a necessidade de regulamentar) do trabalho assalariado.
Assim, desde a 1ª Revolução Industrial, existe a sociedade do controle ou da disciplina que se caracteriza, entre outros, pela presença de um indivíduo fisicamente no local de trabalho denominado de chefe, gerente, supervisor, por exemplo, que dita as regras de comando para seus subordinados, exercendo o poder diretivo clássico, sustentado, entre outros, nas ideias de Michael Foucault na prestigiada obra Vigiar e Punir, por exemplo.
A sociedade de obediência ou disciplina compreende a forma de trabalho assalariado clássica que surgiu desde as primeiras fábricas da Inglaterra e que ganharam o mundo em maior ou menor velocidade.
O impacto dessa exploração da mão de obra foi o berço do surgimento do direito do trabalho que teve como eixo básico a relação de emprego caracterizada, entre outros pressupostos, pela subordinação jurídica.
O direito do trabalho surge, nessa época, com o objetivo maior de propiciar o mínimo de direitos necessários aos trabalhadores, como o salário-mínimo, a fixação de jornada máxima de trabalho diário etc. Portanto, nesse âmbito de regulação das atividades trabalhistas, o poder diretivo do empregador, de forma clara, palpável e expressa, era exercido na sociedade da disciplina.
O empregado tinha consciência de sua condição – de empregado – e que era subordinado ao seu empregador, aguardando as orientações para executar seus trabalhos. Havia uma noção latente de pertencimento de classe e de senso de comando.
O controle e a disciplina desse clássico tipo de sociedade existia justamente porque era possível identificar o agente empregador e quem, sob suas ordens, comandava a atividade produtiva entre o proletariado.
Com o decorrer da História, a legislação trabalhista foi se moldando às realidades e às necessidades do seu tempo.
O direito do trabalho, portanto, que outrora surgiu como freio necessário para conter as explorações indevidas ou demasiadas do capitalismo que possam comprometer a ideia de trabalho digno, passou a enfrentar novos desafios com a evolução dos meios de exploração da mão de obra.
A sociedade de desempenho surgiu com toda a sua força e atualmente demonstra que o indivíduo passa a ser explorado por si próprio mediante a indução das ideias trazidas pelo empregador que se utiliza de mecanismos invisíveis para criar metas a serem cumpridas pelo trabalhador.
É nessa visão de se auto explorar que surge a filosofia da sociedade do desempenho também é compreendida como sociedade do cansaço. Afinal, nessa sociedade,, substituiu-se o gerente, supervisor e coordenador por meios invisíveis de comando, dos quais, em situações como a uberização (labor em plataformas digitais como a Uber, 99, Bolt, Ifood, Glovo etc) passam a ser monitoradas por algoritmos.
Portanto, o sistema capitalista mudou o registro da exploração estranha (feita por terceiro/exterior ao indivíduo) para a exploração própria mediante a imposição de metas e técnicas de manipulação das emoções a fim de acelerar o processo sob a ótica de desenvolvimento de um mundo melhor, podendo nos livrar de formas ultrapassadas e hostis de trabalho.
Com isso, a sociedade do controle foi migrando para um modelo organizativo da produção de maneira mais produtiva e que maximize a competitividade mediante a exploração do indivíduo que é o carro – chefe da sociedade do desempenho.
A ideia de sociedade de desempenho está atrelada ao aperfeiçoamento tecnológico na medida em que a civilidade das relações está cada vez ameaçada por ideias como precarização do trabalho.
Isso exige um novo reposicionamento do direito do trabalho, na medida em que estão buscando, nesse novel modelo, maximizar a atividade produtiva a qualquer custo.
Essa dinâmica promove um retrocesso de muitos direitos trabalhistas conquistados no decorrer dos séculos e atingindo em cheio o proletariado, principalmente, de serviços nesse século XXI, com um afastamento da ideia de trabalho digno da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Caminhou-se, desde o início do século XIX, por alguns modelos de organização da máquina produtiva, iniciando-se nas fábricas de automóveis que variaram de como ocorrerá a execução das tarefas a serem desempenhadas pelos operários.
Primeiramente, houve o taylorismo capitaneada por Frederick W. Taylor em que a produção industrial nas fábricas de automóveis passou a ocorre em massa, com os obreiros laborando com tarefas de trabalho fragmentadas obecedendo a um chefe físico que comanda a organização produtiva.
Após, na década de 50 do século XX, especializou-se a organização produtiva nas fábricas de veículos da Ford (fordismo) com a especialização do desempenho das funções e a utilização de esteiras.
O foco era a organização do trabalho em linhas de montagem em grandes plantas industriais em que os trabalhadores ficavam submetidos às mesmas condições (boas ou ruins) de trabalho na produção em massa.
Com a década de 60 do aludido século, as fábricas da Toyota (toyotismo ou ohnista) passou a desenvolver ainda uma forma de produção ainda mais especializada, na medida em que havia a coordenação da produção de acordo com a demanda específica de diferentes modelos de veículos, nascendo o que chama-se atualmente de produção flexível ou modelo just in time.
A evolução desses meios de exploração da mão de obra com o intuito de aumentar a produtividade foi responsável no século XXI pela uberização que se torna uma espécie de carro – chefe na sociedade do cansaço trazida pelo autor sul coreano mencionado, haja vista reunir as condições de auto exploração, atingimento constante de metas, e, ainda, imbuído de extrema positividade.
Constata-se que as sociedades ocidentais não são mais designadas pela negatividade típica de épocas. Antes, existia a ideia de limites no desempenho das atividades na sociedade do controle.
Aliás, a expressão sociedade do controle se refere ao ideal organizacional demonstrado com o fordismo, taylorismo e toyotismo em que na composição do poder diretivo, nota-se a figura de um chefe detentor da organização trabalhista, fixando as atividades e condições do desempenho dos misteres.
Contemporaneamente, a fixação de metas se torna algo normalizado, pois se considera a necessidade frequente de superação, com a ultrapassagem sempre constante das metas fixadas.
A sociedade presente se distingue pelo excesso de positividade com a precarização dos direitos trabalhistas. Isso porque a positividade surge na ideia de que o trabalhador pode superar todos os desafios impostos e produzir constantemente sem a preocupação com o seu descanso. Será o caso de positividade tóxica? Pois bem, surge aí nova reflexão.
Até porque o próprio capitalismo se atualiza no decorrer das décadas, observando-se a migração do capitalismo das máquinas para o financeiro, do qual se ingressam as tecnologias de ponta, a descoberta da inteligência artificial etc.
Na sociedade de desempenho, não se desliga, o indivíduo nem pensa em ser off line, mas somente, em regra, em produzir e dar resultados. Tal comportamento se transforma como único ideal de vida.
O indivíduo deixa seu ambiente laboral, mas o trabalho não o abandona, persegue-o durante toda sua volta para casa ou nos momentos de lazer. (Quem nunca teve essa sensação atire a primeira pedra!).
Na sociedade do desempenho, ocorre o fenômeno da flexibilização dos direitos trabalhistas e, de certa forma, um afastamento do direito à conexão do obreiro que permanece em constante movimento produtivo, culminando em doenças mentais e esgotamentos (síndrome de Burnaut) em que o indivíduo entra em estado de cansaço, exaustão e, assim, a sociedade do cansaço começa a conhecer seus contornos mais gravosos.
Nesse tipo de sociedade, observa-se que o trabalhador se encontra à mercê de exploração que se propõe a sempre submetê-lo ao cumprimento de metas e trabalho contínuo. E, ainda, faz tudo isso em nome de uma ilusão de autonomia, de empreendedorismo e de que é dono do seu tempo. Com isso, a exaustão da sociedade do desempenho galga raízes fortes em nossos ambientes laborais.
* MARIA RAFAELA DE CASTRO
-Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará(2006);
-Pós -Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá (2008);
-Mestrado em Ciências Jurídicas na Universidade do Porto Portugal(2016);
-Doutoranda em Direito na Universidade do Porto/Portugal;
Juíza do Trabalho Substituta da 7a Região;
-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;
-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;
-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;
-Professora do curso Gran Cursos online;
-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e
-Palestrante.
- Instagram @juizamariarafaela
Nota do Editor:
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👏👏👏👏
ResponderExcluirOrdinariamente estamos diante da 4ª revolução industrial, cabendo cada vez mais, ante a evolução tecnológica a adequação relativa ao controle no qual tenhamos de ambos os lados a proteção ao trabalhador e ao empregador sem que a finalidade do direito do trabalho se perca, qual seja, controlar os abusos advindos da relação de emprego coibindo os abusos.
ResponderExcluirPoderíamos aqui discorrer por muito tempo por ser um assunto muito interessante, excelente artigo.