Esse artigo discorre sobre o que é homologação de sentença estrangeira, ou da decisão administrativa e as novas mudanças que vieram para adequar o Processo Civil às necessidades atuais há muito necessárias, especialmente imprimindo mais rapidez nesse instituto do direito internacional privado. Isto porque, em muitas situações, devido a fatores intrínsecos ou acidentais, o processo de homologação de sentença estrangeira no código de 1973 se estendia por tempo além da previsão ou da necessidade das partes, especialmente no caso do divórcio no estrangeiro em que os ex-cônjuges precisam reconhecer sua nova situação.
O NCPC, em alguns artigos manteve a essência e a interpretação do código anterior, como nos artigos 23 e 963. Em outros, buscou uma adequação e positivação, como na possibilidade de homologação parcial, contida no artigo 961 §2º. Sabiamente inovou, ao permitir a possibilidade de execução de decisões interlocutórias de processos alienígenas, art. 961, §1º e o atendimento de liminares nos pedidos iniciais da homologação no STJ, art. 961, §3º. Mas o mais inovador talvez tenha sido a não necessidade de que o divórcio consensual estrangeiro tenha que se submeter ao crivo do STJ, NCPC, art. 961, §5º, dando eficácia plena após averbação em cartório. Finalmente, uma celeridade já há muito necessária sem reduzir ou restringir direitos.
Para entendermos os novos alcances é necessário relembrar conceitos da homologação.
1. Mas, o que é homologação de sentença estrangeira?
Conforme o poder emanado da soberania de cada Estado, ou seja, cada País possui suas próprias leis e sua própria forma de executá-las, nenhum Estado está obrigado a aceitar a determinação ou ordem de um julgamento feito na terra “dos outros”. Ou seja, uma sentença, que é, a “grosso modo” uma ordem ou declaração, só tem eficácia dentro da jurisdição, ou seja, o poder de aplicar a lei dentro de seu próprio território. No decorrer do artigo examinaremos que o Novo Código de Processo Civil, corretamente aplicou muitas vezes o termo “decisões estrangeiras” em substituição ao termo “sentença estrangeira”.
Assim, para que tal ordem ou declaração estrangeira tenha validade é necessário que seja traduzida para nosso ordenamento jurídico. É interessante notar, que tal qual uma tradução, ela só fará sentido se puder ter correlação com a nossa linguagem de leis, normas e costumes.
No Brasil, o poder para homologar ou ratificar sentenças estrangeiras, vem de forma constitucional pelo art. 1°, inciso I da CF, desdobrada no artigo 4º da Resolução nª 9 de 2005 do STJ que dispõe, em caráter transitório, sobre competência acrescida ao nosso Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Significa dizer que somente o STJ tem a competência (prerrogativa) para saber e determinar se uma sentença estrangeira pode ter efeitos no nosso país e na nossa jurisdição.
“Art. 4º - A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente.”
2. É justa a sentença aplicada no Estrangeiro?
Bem, analogicamente, quando um médico prescreve um remédio para seu paciente ele não verifica na bula se o bioquímico prescreveu a dosagem certa dos componentes químicos, o que importa ao médico é saber se tal remédio fará efeito desejado em face da doença do paciente. Assim, em regra, não se reexamina o mérito da sentença estrangeira, ou seja, se foi justa ou não, em uma linguagem jurídica não se precisa passar pela fase de conhecimento ou cognição da autoridade judiciária interna, para saber se houve ou não a aplicação correta do direito pelo juiz alienígena sobre o direito subjetivo das partes.
"Ao homologar uma sentença estrangeira, o STJ faz apenas um “juízo de delibação”, ou seja, limita-se a analisar se os requisitos formais da sentença estrangeira foram atendidos. Questões de mérito não podem ser examinadas pela Corte" (SEC 5.828/EX, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, j. 19.6.2013).
“(...) Este Tribunal exerce juízo meramente delibatório nas hipóteses de homologação de sentença estrangeira; vale dizer, cabe ao STJ, apenas, verificar se a pretensão atende aos requisitos previstos no art. 5º da Resolução STJ n. 9/2005 e se não fere o disposto no art. 6º do mesmo ato normativo. Eventuais questionamentos acerca do mérito da decisão alienígena são estranhos aos quadrantes próprios da ação homologatória. (AgRg na SEC 6.948/EX, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 17/12/2012)”
Apenas o STJ verifica se a pretensão atende aos requisitos objetivos previstos no art. 5º, Resolução STJ nº 9/2005, que farão efeito para as partes e terão validade no Brasil:
“Art. 5º Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:
I - haver sido proferida por autoridade competente;
II - terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia.;
III - ter transitado em julgado; e
IV - estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.”
Esses requisitos estão presentes no artigo 963 do NCPC :
“Art. 963. Constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisão:
I - ser proferida por autoridade competente;
II - ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia;
III - ser eficaz no país em que foi proferida;
IV - não ofender a coisa julgada brasileira;
V - estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado;
VI - não conter manifesta ofensa à ordem pública.”
De outro lado, como um médico dificilmente receitaria uma droga proibida, o que apesar de eficaz poderia atentar contra os costumes, a homologação jamais ratificaria um ato tido como imoral, repugnante ou rebelde à sociedade, pois há de se fazer zelar pela soberania e ordem pública do Estado Nacional, positivado no art. 6º do mesmo ato normativo:
“Art. 6º Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública.”
No final, pelo princípio da lex fori, (Princípio que diz que uma determinada lei só é aplicada no território do seu Foro) como uma sentença estrangeira apenas pode ter os efeitos jurídicos dentro do seu território nacional, que lhe concede o país de origem e esses efeitos jurídicos jamais podem ir além daqueles que um país admite para as sentenças proferidas pelos juízes.
3. A Sentença Estrangeira e o Novo Código de Processo Civil
As novidades são: quanto à natureza da decisão estrangeira a ser homologada; quanto aos requisitos indispensáveis à homologação; a possibilidade de ações de divórcio concomitante a homologação estrangeira; a eficácia do divórcio consensual estrangeiro; a homologação parcial; e a execução provisória de decisão estrangeira.
O Código de 1973 falava em homologação de “sentença” estrangeira, no seu artigo 483, entretanto a palavra “sentença” encerra, ou traz dentro de si, um julgamento de mérito, um julgamento do próprio juiz estrangeiro. Entretanto o STJ, como falado anteriormente, não tem o poder de julgar o que outro juiz estrangeiro julgou. Assim, a palavra sentença era mal aplicada. Sabiamente, o NCPC corretamente aplica a palavra “decisões”, e trata da homologação de decisões estrangeiras, deixando claro, por exemplo, que “é passível de homologação a decisão judicial definitiva, bem como a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional” (art. 961, §1º e RISTJ, art. 216-A).
Isto é, utilizou o vocábulo “decisões”, pois além de ter uma abrangência maior, englobam também decisões administrativas de órgãos de outros poderes do país estrangeiro.
4. Da possibilidade de ações de divórcio concomitante a homologação estrangeira
Outro ponto que cabe salientar, é que ainda que se tenha um processo de homologação de decisão estrangeira no STJ, pode-se ingressar com uma ação concorrente de divórcio no juiz de primeiro grau, independente de termos ajuizado uma ação de homologação no STJ. Isto porque, o NCPC manteve na essência o artigo 90 do antigo código que permitia tal possibilidade.
No Novo CPC
“Art. 23. A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.
Parágrafo único. A pendência da causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial ou arbitral estrangeira.”
5. Do Divórcio Estrangeiro Consensual
Outro ponto, de suma importância, é que se há divórcio consensual no estrangeiro, essa decisão, ao contrário do que acontecia no código anterior, faz efeitos no Brasil. Antes era necessária a homologação tanto para o divórcio litigioso e o consensual. Ou seja, a “sentença estrangeira de divórcio consensual produz hoje efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça” (NCPC, art. 961, §5º).
“Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado. (…)
5º A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.
6º Na hipótese do § 5º, competirá a qualquer juiz examinar a validade da decisão, em caráter principal ou incidental, quando essa questão for suscitada em processo de sua competência.”
Há uma tendência dos Cartórios de Registro Civil em orientar os interessados para que encaminhem o pedido de validação do divórcio consensual estrangeiro a um juiz da vara de família antes da averbação e que esta deva ser validada porque precisa “ganhar” comando jurisdicional para se tornar pública, como parece ser a intenção do parágrafo 6º do referido artigo 961 do NCPC.
Entretanto, acreditamos que conforme o parágrafo 5º este é claro ao afirmar que a aplicação do divórcio consensual estrangeiro não precisa da homologação no STJ, sendo de aplicação imediata entre os ex-cônjuges, inter partes. Tanto o é que, qualquer incidente de validação é necessária apenas no caso de divergência quanto à validade ou juízo de delibação, devendo ser suscitado em processo autônomo ou incidental perante o juiz de família, conforme parágrafo 6º do artigo 961 do NCPC.
Como bem enfatiza Marielle S. Brito e Izabel Zambrotti em importante artigo, seja qual for o caminho, na exigência direta da validação via juiz de primeiro grau ou na averbação imediata em cartório, haverá necessidade de acompanhamento técnico e participação de advogado em todos os procedimentos, tal como ocorre nos procedimentos de inventário, partilha e divórcio consensual por via administrativa (art. 733 do NCPC, o qual manteve as disposições introduzidas pela Lei nº 11.441/2007).
6. Quanto à possibilidade de adiantar os efeitos da sentença – cautelar
Até a entrada em vigor do novo NCPC, era inexistente a possibilidade de execuções de decisões de processos estrangeiros (agora no art. 961, §1º NCPC), nem tampouco a possibilidade do STJ dar liminar para eficácia de uma sentença estrangeira, inclusive de divórcio (art. 961,§3º). Ou seja, pedidos de urgência podem ser requeridos pelo advogado na petição inicial, inclusive assim também autoriza, no Regimento Interno do Supremo, o artigo 216-G. do RISTJ.
7. A homologação parcial de decisão estrangeira
O novo Código veio a sedimentar uma prática que já vinha se realizando pelo art. 4º, §2º, da Resolução nº 09/2005 do STJ, repetido no art. 216-A, §2º, do Regimento Interno do STJ. Ou seja, uma parte da sentença pode ser homologada e outra parte do texto, não. A homologação parcial de decisão estrangeira está expressa no §2º do art. 961 do NCPC. Ou seja, se alguma parte da sentença, infringir ou for contra o ordenamento nacional, somente uma parte será homologada, ficando a outra parte sem ser admitida e em conseqüência, sem efeito.
8. Conclusão
É possível perceber, em uma análise de seus institutos, que o Novo CPC, no tocante à homologação da decisão estrangeira, especificamente no divórcio oriundo de decisão estrangeira, vem renovar e acelerar um processo que muitas vezes leva bastante tempo por entraves intrínsecos e de ordem processual que não cumprem mais a segurança jurídica necessária no tempo atual. O Novo Código guarda o direito e permite que o objeto do processo, especialmente em uma sociedade dinâmica em que cada segundo passa a valer mais, seja buscado de forma mais célere e efetiva.
Referências e bibliografia consultada:
NEVES, Gustavo Bregalda. Direito Internacional Privado Brasileiro. In: Direito Internacional. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 11. p. 165-219.
CURI, Juliana Araújo Simão; SILVA, Pâmela de Sousa. O juiz brasileiro e a competência internacional: concorrente ou exclusiva. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2939, 19 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19578>. Acesso em: 9 maio 2015.
CARDORE, Márcia Regina Lusa. Comentários aos artigos 88 a 90 do Código de Processo Civil. In Artigos Nov 2007, Páginas de Direito, São Paulo, nov 2007. Disponível em:<http://www.tex.pro.br/home/artigos/71-artigos-nov-2007/5696-comentarios-aos-artigos-88-a-90-do-codigo-de-processo-civil>.Acesso em maio 2015.
BRITO, Marielle S. e ZAMBROTTI, Izabel. Divórcio Consensual Estrangeiro exige validação da sentença por Juiz Competente. In Artigos, JusBrasil, São Paulo, março 2016. Disponível em:< http://mariesbrito.jusbrasil.com.br/artigos/317928809/divorcio-consensual-estrangeiro-exige-validacao-da-sentenca-por-juiz-competente>.Acesso em abril 2016.
BRITO, Marielle S. e ZAMBROTTI, Izabel. Divórcio Consensual Estrangeiro exige validação da sentença por Juiz Competente. In Artigos, JusBrasil, São Paulo, março 2016. Disponível em:< http://mariesbrito.jusbrasil.com.br/artigos/317928809/divorcio-consensual-estrangeiro-exige-validacao-da-sentenca-por-juiz-competente>.Acesso em abril 2016.
ALVIM, Rafael. Homologação de Decisão Estrangeira. In artigos, Instituto de Direito Contemporâneo, Brasília, julho 2015. Disponível em:< http://www.cpcnovo.com.br/blog/2015/07/21/homologacao-de-decisao-estrangeira/>.Acesso em abril 2016.
Por CHRISTIAN BEZERRA COSTA
Por CHRISTIAN BEZERRA COSTA
-Advogado graduado pelo UNIEURO Brasília;
- Atuante nas áreas de Direito Internacional Privado e Cível;
Email: adv.christiancosta@gmail.com
Twitter: @advchristiancos-
Nenhum comentário:
Postar um comentário